Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘A leitora Vera Lucia S. Albuquerque, depois de ler as matérias publicadas na Agência Brasil, quer saber se a população terá benefícios ou desvantagens com a compra do Grupo Ipiranga pela Petrobras. Achei bastante pertinente a pergunta, uma vez que é missão da Agência noticiar fatos, eventos e processos ocorridos no espaço público político (governo, Estado e cidadania), com foco nos interesses do cidadão. Consolida-se, assim, como um veículo de informação online público de alta credibilidade.

Para ver se a resposta à pergunta da leitora estava contemplada na cobertura sobre o assunto, esta Ouvidoria fez um levantamento. Foram publicadas em um primeiro momento 30 matérias entre 19 de março e 03 de abril de 2007. Em um segundo momento, entre os dias 17 e 18 de abril, foram publicadas mais duas matérias. Separamos a análise em dois momentos, pois entre eles, no dia 11 de abril, recebemos a mensagem da leitora e a encaminhamos à redação. Vamos ver como esse fato influenciou a cobertura.

Para chegar às conseqüências desse negócio para a população, precisamos saber exatamente o que é a Petrobras do ponto de vista do seu patrimônio (público ou privado), se pertence ou não ao Estado brasileiro e quem toma as decisões na empresa. As matérias da Agência não fornecem essas informações.

Uma pergunta que nos ocorreu foi saber quem decide sobre a política de preços dos combustíveis. O diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, a define da seguinte maneira: ‘A política de preços não depende só da distribuição, mas do preço do petróleo no mercado internacional, de custos logísticos, de impostos e de uma série de fatores geopolíticos para a formação do valor final’. Essa informação está na matéria: ‘Compra do grupo Ipiranga não afetará preço dos combustíveis, diz diretor da Petrobras’.

Das 30 matérias publicadas inicialmente pela Agência, quatro tratam das conseqüências para os consumidores do ponto de vista de pessoas que defendem interesses dos grupos que representam, que são diferentes dos interesses dos consumidores. Por exemplo, foram entrevistados o presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), um dos sócios do grupo Ipiranga, que é também presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), um diretor da Petrobras e um ministro de Estado. Nenhum dos quatro admite a possibilidade de haver conseqüências negativas para o consumidor. Todos tinham algum tipo de interesse em que o negócio se realizasse.

Não foi ouvida a opinião de nenhum economista independente nem de nenhuma organização de defesa do consumidor. A orientação do Manual de Jornalismo da Radiobrás, ao tratar de eqüidade na relação com as fontes, é: ‘Fontes da sociedade civil organizada devem ser consultadas e cidadãos não organizados devem ser considerados’.

Constatamos que as matérias também não explicam em que medida o aumento do patrimônio da Petrobras com a compra do Grupo Ipiranga pode trazer ou não benefícios para a população. Nelas, a questão da concentração do mercado de combustíveis é tratada pelo presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), Gil Siuffo. Segundo ele, a venda não representará nenhum problema para a distribuição de combustíveis que possa afetar o consumidor. No entanto, teoricamente, a concentração do mercado de combustíveis numa região por uma única distribuidora leva a uma possível formação de monopólio que poderá impor o preço que quiser. Uma das pessoas ouvidas pela Agência Brasil, que discorda dessa teoria econômica, é também um dos vendedores, o sócio do Grupo Ipiranga Gouvêa Vieira. ‘Quanto maior uma empresa, mais ela adquire capacidade de competitividade para competir e para ganhar mercado. Só ganha mercado se oferecer melhores condições ao consumidor’, disse o empresário. A esse respeito a Agência ouviu o governo na pessoa do Ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, que declarou: ‘Essa é uma discussão absolutamente normal em que todos os organismos que estão envolvidos fazem suas avaliações e comprovações’. Nenhuma das três declarações sobre o assunto é contextualizada ou explicada.

Sete matérias trataram do vazamento de informações sobre a venda da Ipiranga beneficiando alguns acionistas do grupo em detrimento de outros. Em ‘CVM investiga ocorrência de informação privilegiada na venda da Ipiranga’, a Agência Brasil embarcou nos meandros da transação financeira com um tipo de informação relevante para quem detém ações da empresa ou trabalha na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sigla utilizada no título de quatro matérias. Mas, para o leitor(a) que não domina a linguagem do mercado de ações, frases como: ‘Caso fique comprovado o vazamento de informação, as pessoas envolvidas estão sujeitas a penalidades, dependendo do ilícito’ pouco contribuem. Não dá para saber se a população será ou não beneficiada pela transação mobiliária ou ainda se o ‘ilícito’ deu prejuízo ao cidadão, não ao acionista.

Nas 23 matérias restantes, publicadas nesse primeiro momento da cobertura, são ouvidas 29 pessoas. Dezoito (62%) são da Petrobras (o presidente, um dos diretores, dois presidentes de empresas subsidiárias e a assessoria de imprensa), enquanto cinco (17%) são sócias das empresas parceiras da Petrobras na compra, três (10%) são presidentes de sindicatos de trabalhadores no comércio de derivados de petróleo ou da indústria petroquímica e uma é sócia do grupo Ipiranga. Além delas, foram consultados a governadora do Rio Grande do Sul e o ministro de Minas e Energia.

Nas matérias as declarações dos sindicalistas manifestam quase exclusivamente suas preocupações com a manutenção do emprego dos funcionários da empresa vendida e os planos de investimentos das empresas compradoras. Feita essa análise, é possível entender o porquê da pergunta da cidadã. Mas parece que o próprio governo também fez essa pergunta e se dispôs a responder. No dia 17 de abril, a Agência Brasil voltou ao assunto devido a uma ação da Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, e da Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda, pela qual os órgãos se declaram contra a compra da Ipiranga pela Petrobras e concluem que a operação tem ‘potencial de causar danos à concorrência’ nos mercados de distribuição e petroquímica. Na matéria, a Agência Brasil, já conhecedora das demandas da cidadã, mudou a forma de abordar o assunto e explicou não só as razões do governo federal para se opor à compra, mas também como os interesses da população poderão ser afetados se ela se efetivar. No dia 18 de abril, foi publicada a matéria ‘Medida cautelar restringe gestão de grupo Ipiranga para evitar danos à concorrência’, dando conta do desenrolar da ação do governo federal no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a quem cabe julgar a ação.

Esta Ouvidoria guardará esse exemplo de como a cidadania pode melhorar a qualidade da informação quando reivindica e fiscaliza o agente noticioso e também de como a Agência Brasil reconheceu o direito da cidadã à informação.

Até a próxima semana.’