A cobertura política da imprensa brasileira não é equilibrada, como se espera de uma mídia independente. No sábado (28/10), a imprensa deu mais uma demonstração de partidarismo. Na véspera da eleição, ao divulgar a falsa acusação do produtor cultural Luiz Armando Silvestre Ramos contra Hamilton Lacerda (ex-coordenador de campanha de Aloísio Mercadante), alguns jornais revelaram a sua face obscura: reduziram a importância do fato e o esconderam nas páginas internas.
Rosely Pantaleão, fundadora e dirigente do PSDB de Pouso Alegre, Minas Gerais, foi quem havia levado, na terça-feira (24/10), a entrevista que Silvestre Ramos concedeu a um jornal local (com nome e identidade falsos) à Polícia Federal. Ele gravou um vídeo afirmando ter repassado 250 mil reais a Hamilton Lacerda, implicando o ex-assessor de Mercadante como repassador do dinheiro utilizado para comprar o dossiê.
A apuração da Polícia Federal se voltou para este depoimento. Mas, o depoimento era inverídico e a identidade do depoente, falsa. Era tudo armação política grosseira. Anteriormente, os jornais publicaram essas acusações com destaque, antes de apurar devidamente os fatos.
Pelo tom adotado no noticiário das semanas anteriores, se o farsante fosse alguém ligado a Lula ou ao PT, com certeza o fato seria manchete de todos os jornais. Nas semanas anteriores à eleição, alguns jornais amplificaram exageradamente o envolvimento de petistas com o dossiê. Uma simples ligação telefônica de um dos acusados para José Dirceu foi suficiente para os jornais trazerem o fato para as primeiras páginas.
Jogo sujo
A descoberta pela Polícia Federal da falsa identidade do delator e de sua ligação com o PSDB deu apenas uma pequena chamada nas primeiras páginas do Estado de S.Paulo e do Globo. O jornalão paulista remeteu os leitores para a página 8 e o carioca deu uma chamada minúscula na primeira e escondeu o fato na página 19.
Neste mesmo dia, entretanto, o Estadão fez questão de colocar na primeira página, abaixo de uma foto de Lula e dona Marisa, matéria com o título ‘Justiça intima Lula’ a se defender sobre supostas irregularidades na produção de cartilhas. Um fato antigo e de importância menor no ambiente da disputa presidencial. Dois pesos e duas medidas para o noticiário sobre envolvimento de pessoas ligadas a partidos políticos diferentes.
A farsa armada por pessoas ligadas ao PSDB tinha conotação política nacional no contexto da troca de acusações, falsos dossiês e investigações da Política Federal na véspera da eleição. Foi a tucana Rosely que levou à Polícia Federal o vídeo gravado pelo falso ‘laranja’ Silvestre Ramos. A revelação de um depoimento falso naquele momento poderia alterar os números da eleição presidencial, como mudou o resultado do primeiro turno depois do espalhafatoso noticiário dos grandes jornais brasileiros a respeito da compra de um dossiê por pessoas ligadas aos comitês da campanha petista.
Dos grandes jornais, entretanto, só a Folha de S.Paulo trouxe o assunto para a manchete de primeira página. Os outros diminuíram a importância ou esconderam o fato, como se ele não fosse revelador do jogo sujo de acusações e contra-acusações entre partidos políticos que marcaram esta eleição presidencial. Um destaque para o caso nos grandes jornais teria ajudado o eleitor a compreender melhor o jogo eleitoral sujo.
Ação política
Em Brasília, o Correio Braziliense prestou melhor serviço ao seu leitor. Também trouxe o fato para a manchete da edição de sábado (28). Até exagerou no título ‘Tucana aloprada’, adjetivando a ação da militante peessedebista. Na página 2, o jornal da capital federal trouxe explicações de líderes do PSDB e matéria sobre a jornalista do partido, que atua em Pouso Alegre.
Em contexto normal de cobertura política, a descoberta da falsidade do depoimento de Silvestre Ramos não merecia destaque. Mas, no tiroteio às vésperas de uma eleição presidencial, que os jornais fizeram questão de aquecer destacando o envolvimento de petistas, era de se esperar que o fato recebesse o mesmo destaque.
A edição, com dois pesos e duas medidas, demonstra, mais uma vez, que a grande imprensa age politicamente na cobertura. Destaca ou reduz a importância dos fatos dependendo do partido envolvido. Infelizmente, não atua de modo imparcial e equilibrado como faz questão de alardear sempre.
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Jornalista e professor da Universidade de Brasília, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política