Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Pela unificação da profissão de comunicador

Os jornalistas que atuam em assessoria de imprensa estão ocupando, no aspecto estritamente legal da questão, espaço de trabalho privativo dos relações-públicas. Este é o entendimento dos fatos apresentado em acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A polêmica sobre os aspectos éticos e legais da preferência, pelo serviço público especialmente, de jornalistas para a função de assessor de comunicação, suscitada por Delmar Marques no Observatório da Imprensa [ver remissão abaixo], abre espaço para o aprofundamento do debate em torno da necessária e urgente reforma dos currículos universitários dos cursos de Comunicação Social e da própria legislação que regulamenta as profissões relacionadas à comunicação no Brasil.


Entendo que essa disputa, que não se resume a mera querela em torno da reserva de mercado, é equivocada e não interesse a nenhuma das categorias funcionais do setor de comunicação social.


É cada vez mais difícil manter os profissionais formados em áreas como jornalismo, rádio e televisão, publicidade e marketing e em relações públicas dentro dos estritos campos de trabalho definidos pela lei para cada uma destas profissões. E não por culpa dos profissionais. Tal confusão apenas revela que o arcabouço legal de cada uma das especialidades da área de comunicação está ultrapassado e não corresponde mais à realidade criada pela evolução do mercado que, agora, demanda por profissionais multifuncionais.


Valor agregado


Se Darwin está certo ao propor que na natureza a sobrevivência das espécies se dá pela evolução, não é incoerente imaginar que também as estruturas sociais e produtivas delas advindas sigam uma lei de evolução natural, privilegiando a sobrevivência daquelas atividades ou profissões que melhor se adaptarem às novas exigências de produção e atendimento das novas necessidades criadas pelas mudanças nas relações entre o capital e o trabalho.


A partir desse ponto de vista, é legítimo dizer que, mais que os RPs, os jornalistas apresentam-se ao mercado como uma opção ‘mais adequada’ para as funções próprias da assessoria de comunicação, ainda que estas, segundo a legislação, sejam privativas de uma outra categoria profissional. O relações-públicas que hoje se mostre disposto a atender integralmente às demandas de uma assessoria de comunicação, fatalmente, incorrerá no exercício ilegal do jornalismo. Isso porque a atual configuração das assessorias de comunicação impõe que os profissionais que ali atuam sejam mais que meros intermediários entre a fonte, no caso a empresa ou órgão público de que faça parte, e a mídia. E é aí que o angu embola.


Entre contratar um jornalista, profissional capacitado para produzir textos, editar, elaborar pautas, conduzir entrevistas, selecionar, organizar e distribuir informações, elaborar, coordenar e executar projetos de comunicação, e um outro cuja atividade é bem mais restrita e limitada à intermediação de contatos entre a fonte e os jornalistas, ou entre a empresa/órgão e grupos sociais ou ainda clientes/consumidores, até por uma questão de valor agregado, a preferência do contratante tenderá pelo profissional jornalista.


Antes que os RPs peçam a minha cabeça, exponho aqui a definição legal de suas atividades de acordo com o Decreto nº 63.283, de 26/9/1968, que regulamentou a profissão:




Consideram-se atividades específicas de Relações Públicas as que dizem respeito:


a) à orientação de dirigentes de instituições públicas ou privadas na formulação de políticas de Relações Públicas; b) à promoção de maior integração da instituição na comunidade; c) à informação e a orientação da opinião pública sobre os objetivos elevados de uma instituição; d) ao assessoramento na solução de problemas institucionais que influem na posição da entidade perante a opinião pública. e) ao planejamento e execução de campanhas de opinião pública; f) à consultoria externa de Relações Públicas junto a dirigentes de instituições; g) ao ensino de disciplinas específicas ou de técnicas de Relações Públicas.


Hora de atualizar


Para efeito comparativo e, claro, consubstanciar o que disse acima e o que direi mais adiante, também reproduzo a definição das áreas privativas de atuação dos jornalistas, conforme estabelecido no Decreto nº 972, de 17/10/1969, que regulamenta a profissão:




Art. 2º – A profissão de jornalista compreende, privativamente, o exercício habitual e remunerado de qualquer das seguintes atividades:


a) redação, condensação, titulação, interpretação, correção ou coordenação de matéria a ser divulgada, contenha ou não comentário; b) comentário ou crônica, pelo rádio ou pela televisão; c) entrevista, inquérito ou reportagem, escrita ou falada; d) planejamento, organização, direção e eventual execução de serviços técnicos de jornalismo, como os de arquivo, ilustração ou distribuição gráfica de matéria a ser divulgada; e) planejamento, organização e administração técnica dos serviços de que trata a alínea ‘a’; f) ensino de técnica de jornalismo; g) coleta de notícias ou informações e seu preparo para divulgação; h) revisão de originais de matéria jornalística, com vistas à correção redacional e à adequação da linguagem; i) organização e conservação de arquivo jornalístico e pesquisa dos respectivos dados para a elaboração de notícias; j) execução da distribuição gráfica de texto, fotografia ou ilustração de caráter jornalístico, para fins de divulgação; l) execução de desenhos artísticos ou técnicos de caráter jornalístico.


Claro está que as atividades privativas dos jornalistas cobrem um aspecto mais amplo do processo de comunicação, o que permite aos jornalistas atenderem melhor à maior parte das demandas das assessorias de comunicação ou de imprensa. E sem exorbitar de suas funções estritas e das quais, aliás, o RP depende visceralmente para dar conseqüência ao seu trabalho.


Em várias oportunidades em que tenho debatido as questões relacionadas ao mercado de trabalho, não apenas para os jornalistas, mas para os comunicadores de maneira mais ampla, tenho procurado salientar o fato de que os cursos de Comunicação e as leis que regulam as profissões deste ramo da atividade produtiva essencialmente moderna devem ser atualizados.


Reordenamento legal


A especialização por ramo de atividade parece-me mais coerente e adequada às necessidades do mercado de trabalho do que a tentativa forçada de ‘academizar’ todas as funções de uma determinada atividade humana como ocorre no modelo de ensino superior atual. Modelo que, na verdade, atende mais aos interesses dos empresários do setor educacional, que têm na super-especialização das atividades produtivas um manancial de lucros fabulosos, do que propriamente aos interesses dos futuros profissionais super-especializados ou mesmo dos setores produtivos da sociedade para os quais, supostamente, oferecem esse exercito de profissionais com formação ‘superior’, mas inadequados.


Parece-me mais racional que os profissionais de comunicação como jornalistas, publicitários, radialistas, locutores/apresentadores, produtores, editores e diretores de programas informativos de rádio e televisão, bem como os relações públicas, devam ter uma formação acadêmica comum, sendo enfeixados em uma só classe e legislação, preservando-se as nomenclaturas como identificadoras de categorias de especialistas funcionais e redefinindo as áreas de atuação de cada uma destas especialidades.


Os conflitos que hoje se estabelecem pela ‘invasão’ de áreas de atuação de uma ou outra destas especialidades têm sua origem, na maioria das vezes, na própria academia, como bem o salientou Delmar Marques. Muitos mestres reconhecem que a separação legal destas funções na área de comunicação é forçada por interesses alheios aos profissionais e ao próprio mercado. Acabar com essas disputas por ‘nichos’ de atividade funcional na comunicação passa, necessariamente, pelo reordenamento legal da própria atividade e, acredito, pela unificação da profissão de comunicador.

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Jornalista e presidente do Sindjor-MT