Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Pelo efêmero em vez do permanente

O assassinato do jornalista Tim Lopes foi um fato estarrecedor e que não deve ser esquecido. A crueldade do crime hediondo e as conseqüências para a democracia brasileira seriam negativas caso a impunidade prevalecesse no processo judicial, no julgamento e na execução da pena dos envolvidos no cometimento do crime. No entanto, notícias com informações erradas não colaboram com a intenção de não deixar o crime impune. O cumprimento de parte da pena e o benefício legal recebido por alguns dos condenados voltaram a ser o centro das atenções da imprensa nacional após a evasão de dois dos envolvidos no assassinato do jornalista.

Manchetes de notícias que informam como fuga a condição de dois condenados pela morte do jornalista não correspondem à verdade e por esta razão não ajudam a mudar a situação vigente na Justiça criminal brasileira. O erro na informação, mesmo que por questões corporativas e com o máximo de boa intenção, não ajuda a alterar a realidade. Se o problema está na apuração ou se o erro é deliberado, pois sabemos que as manchetes e a edição das matérias quase sempre são submetidas aos gatekeepers, o fato é que a ética jornalística é contra qualquer finalidade que não seja a busca pela verdade. O professor Nilson Lage resume as conseqüências para esse procedimento:

‘É comum jornalistas serem pressionados a omitir informações em nome de interesses grandiosos… A situação pode ser constrangedora, mas jornalistas devem sempre considerar que, se existe algo progressista no mundo, positivo em termos históricos, esse algo é a verdade (grifo meu). Sua omissão ajuda a frustrar as boas políticas e a produzir, a longo prazo, desesperança, por menos que pareça, de imediato, que seja o caso’ (LAGE, 2001: 101-102).

Critério objetivo

A diferença entre fuga e evasão é imensa. O foco é totalmente diverso e os culpados se encontram no extremo do sistema político. A fuga ocorre quando um preso – que aguarda julgamento, ou que já foi sentenciado, mas ainda recorre da decisão ou que foi condenado definitivamente – consegue burlar a segurança de uma unidade prisional e alcança as ruas com ou sem o uso de violência. Neste caso, o responsável é o órgão do Poder Executivo que administra o sistema penitenciário local. No caso do Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária.

Já a evasão acontece quando um condenado cumpre parte da pena e recebe o benefício de progressão de regime. Com 1/6 da pena conforme o artigo 112 da Lei de Execução Penal (7.210/1984), ele passa do regime fechado para o semi-aberto e ganha o direito de trabalhar ou visitar a família. A Lei 11.464/2007 alterou esse tempo para quem comete crimes hediondos. De acordo com a Lei de Crimes Hediondos (8.072/1990), o regime deveria ser integralmente fechado e agora é de 2/5 para quem comete esse tipo de crime e 3/5 para os reincidentes. Esse critério é o objetivo e que prevalece sobre o critério subjetivo. Esse é outro assunto polêmico, mas que não há espaço para discutir nesse breve artigo. Portanto, ele não foge pela porta da frente. Ele é liberado por ordem judicial e a administração apenas cumpre a decisão. O Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), órgão do Ministério da Justiça, contabilizou apenas seis fugas e houve 1004 abandonos, evasões, em 2009.

Fator de educação

O fato do beneficiado não retornar à unidade prisional constitui uma falta disciplinar que pode resultar na regressão do regime. Ele volta ao regime fechado caso seja preso novamente ou retorne para a unidade prisional fora do período determinado. Portanto, se é justo ou não, se há impunidade ou não, é outra questão. Esse debate deve ocorrer em outro fórum. Se há culpados não é o Poder Judiciário nem a Administração Prisional. O campo de discussão é o Poder Legislativo que deveria modificar o tempo para obtenção do benefício ou criar mecanismos de controle maior do beneficiado.

Noticiar algo como ‘fugiu pela porta da frente’ neste caso é incutir culpa no alvo errado. As mazelas atuais e problemas inerentes ao Sistema Prisional já são demasiado intensas. Por outro lado, esse erro de informação causado pela ignorância generalizada ou por orientações tendenciosas conseguem no máximo uma resposta momentânea, que é a prisão dos evadidos, mas a dificuldade permanece e futuramente outras ‘fugas’ continuarão a ser noticiadas caso a legislação não seja modificada. Para isso, a sociedade, a opinião pública, seja lá como for chamado o conjunto de cidadãos que podem influir nas mudanças das leis que regem as relações sociais no país deve receber informação de qualidade. O poder de decisão do cidadão é formado pelas informações que recebe e a imprensa é uma dessas fontes que contribui para este processo democrático, como lembra o jornalista Eugênio Bucci:

‘O efeito político do bom jornalismo é o fortalecimento da democracia: esta é a sua causa nobre. Por isso, o jornalismo é, ou deve ser, ou deve-se esperar que seja, um fator de educação permanente do público – um fator de combate aos preconceitos, sejam eles quais forem’ (BUCCI, 49).

Ângelo Ferreira da Silva retornou ao sistema penitenciário após estar evadido desde 7 de fevereiro. Ele se entregou após notícias veiculadas na imprensa de ter sido oferecida uma recompensa de R$ 2 mil para informações que ajudassem a recapturá-lo. Elizeu Felício de Souza saiu em março de 2006 e ainda permanece evadido.

Referências

BUCCI, Eugênio Bucci. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2001.

LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 2002

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Assessor de imprensa do Sindicato dos Servidores do Degase, especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Unesa, pós-graduando em Gestão Penitenciária pela UERJ e em Gestão de Organizações em Segurança Pública pelo Iuperj, Rio de Janeiro, RJ