Ouvi, pela Bandeirantes FM, de Porto Alegre, a íntegra da entrevista coletiva da ministra Dilma Rousseff no sábado (25/4), onde o assunto foi o bombástico comunicado oficial de seu câncer. Dilma não é uma pessoa simpática e carece de algumas habilidades para lidar com a imprensa. Tenta, tenta, mas não consegue. É visível o seu pavor, que ela busca esconder atrás daquela máscara de auto-suficiência. Mas, corajosamente e muito ao seu modo, falou de sua doença. Seguiram-se as explicações do médico-chefe, com a usual e natural precaução.
Eu estava lavando a louça do almoço quando veio a primeira pergunta do grupo de jornalistas convocados para a entrevista coletiva: ‘Doutor, qual é o grau de agressividade desse câncer da ministra?’ Por pouco o prato não caiu da minha mão. E seguiram-se outras, como: ‘Como ela adquiriu esse câncer?’ e coisas que tais. O meu medo era que um coleguinha fosse direto ao ponto: ‘Doutor, quanto tempo de vida tem a ministra Dilma?’; ou, ‘Ministra, quem o PT agora vai escolher para vice-presidente?’
Como estava ouvindo a entrevista, e não vendo a televisão, fiquei imaginando como estariam se sentindo os médicos e a própria paciente, diante daquelas perguntas que a muitos ali, certamente, pareciam tolas, invasivas e inapropriadas numa situação tão delicada como aquela.
Até onde vão nossos limites?
Passei toda a tarde mergulhada nessas reflexões. Larguei a louça pra lá e fui procurar um canto solitário para, mais uma vez, pensar melhor sobre a profissão que há 46 anos escolhi num momento de surto ou de bem-aventurança. E me perguntei se, fazendo parte daquele grupo de coleguinhas, e mesmo tendo a fama que sempre tive de ‘ousada’, abriria mão de um mínimo de sensibilidade profissional a fim de garantir a primeira página de amanhã.
Ou, refletindo melhor sobre aquele especial momento, deixaria aquelas perguntas infames para uma entrevista pessoal com o médico-chefe, poupando a ministra de mais uma dose no seu já grande sofrimento. Não conheço a ministra Dilma, o que sei dela é o que leio nos jornais e revistas. Não terá o meu voto, mas tem todo o meu respeito e torço para que supere, com a coragem que nunca lhe faltou, os momentos difíceis que encontrará pela frente.
E aí vem a pergunta que não quer calar, com desculpa pelo chavão: como separar a pessoa humana do profissional que precisa voltar à redação com o maior número possível de respostas às suas perguntas? Tem o repórter, naqueles seus 15 minutos de fama, o direito de perguntar o que lhe vem à cabeça, sem o menor respeito pela ‘vítima’, ali na sua frente, ou, antes, pode ser ele mais sutil e, quem sabe, mais esperto, e conseguir uma entrevista mais completa mais tarde, a sós com, no caso, o médico-chefe?
Não me lembro de terem feito perguntas tão agressivas ao nosso simpático vice-presidente, a cada vez que entra e/ou sai do hospital depois de uma temporada de quimioterapia e radioterapia. Ou mesmo quando foi, pela primeira vez, anunciada a sua doença.
Não tenho resposta para qualquer dessas perguntas. Minha única preocupação continua sendo a ética mais elementar, o respeito indispensável ao próximo, não importa quem seja e onde esteja, na condução dessa tão complexa profissão. Até onde vão os nossos limites? Ou já não os temos mais?
Num país sem noção do que chamamos de limites, eu não deveria estranhar o inusitado, o endiabrado. Afinal, não existe o acaso e tudo é consequência de tudo.
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Jornalista, Porto Alegre, RS