Milagros Pérez Oliva, a ‘Defensora del Lector’ do El País, chama a atenção na análise do último domingo para o que o jornalista italiano Furio Colombo classificou como ‘noticia-acatamento’ ‒ uma informação tão entranhada com a fonte que o jornalista corre o perigo de converter-se em propagandista da versão oficial.
Exatamente isto ocorreu no final da noite de 1º de maio depois do solene anúncio do presidente Obama sobre a eliminação do terrorista-mor e Inimigo Público Nº 1 dos EUA. Passados 10 dias, o quadro permanece inalterado: só há uma fonte – o governo americano – e, apesar das sucessivas correções em seus próprios comunicados, não apareceu um polo alternativo fidedigno. Nem mesmo o Paquistão – tão perto e tão distante ‒ conseguiu ocupar essa posição, tamanha é a suspeição que envolve o seu governo e seu controverso serviço de inteligência (o ISI), mais absorvido pelo formidável crescimento da arquirrival Índia do que com seus compromissos no bloco antiterrorista.
A dependência informativa da mídia americana é igual, mas seus maiores veículos dispõem de profissionais com décadas de experiência em coberturas internacionais, comentaristas oriundos da área acadêmica, de segurança, ou de ambas. Apoiado nesse suporte analítico, oferece ao leitor denso material de apoio, que, evidentemente, não substitui o noticiário ‘quente’, mas o antecede satisfatoriamente.
Exemplo: na manhã desta segunda, 9/5, o blog restrito da New York Review of Books oferecia farto background sobre os últimos anos de bin Laden, as mudanças que ocorrem na al-Qaida e o contencioso EUA-Paquistão. Não poderia ser classificado como noticioso, mas funcionava como antecipação para um noticiário que estouraria a qualquer momento. Estourou poucas horas depois, no início da noite, ao revelar-se novo atrito entre o ISI e a CIA.
Lobby midiático da direita
Outra fonte capaz de neutralizar a postura passiva ou a ‘notícia-acatamento’ mencionada pela Ouvidora do El País é a análise do comportamento da mídia, o já mencionado ‘meta-jornalismo’.
Mesmo que a Casa Branca tenha trancado a liberação de novos fatos relacionados com a execução de Bin Laden, é possível produzir novas percepções a partir do comportamento da mídia americana (ou em países onde é diversificada).
Assim é que as primeiras exigências para a publicação das fotos do cadáver de Bin Laden partiram do poderoso lobby midiático da direita dos EUA, assustado com a perspectiva da reeleição de Barack Obama. Imaginava tratar-se de uma jogada de marketing político para reverter os baixos índices de popularidade do atual ocupante da Casa Branca. Os ferozes reacionários norte-americanos sequer permitiram-se gozar o alívio de saber que Bin Laden estava no fundo do mar – queriam antes de tudo tirar o ‘socialista’ da Casa Branca.
Uma análise do comportamento da mídia brasileira – cujo grau de diversificação política é tênue ‒ revela que as vozes mais veementes na crítica ao viés estatizante de Obama, por casualidade, foram as mais empenhadas em questioná-lo a respeito do ocorrido em Abbotabad.
Para entender o Oriente (Próximo, Médio ou Extremo) faz-se necessária uma sutileza e uma paciência que a nossa esbaforida mídia não tem condições de exercitar. A compulsão para produzir veredictos imediatos, a obsessão palpiteira e a crença de que basta uma declaração de qualquer guru para encerrar qualquer controvérsia achatam nosso noticiário internacional e, por extensão, os paradigmas que serviriam às demais editorias.
O século XX acabou em 11 de Setembro de 2001. O desfecho da caçada ao responsável pelo que aconteceu naquele dia precisa de mais perspectiva para ser devidamente avaliado. A História instantânea é uma História incompleta.