Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Permissão para matar

O Brasil vive hoje uma situação de ‘revisionismo’ político-ideológico em que argumentos de diferentes origens estão em enfrentamento retórico sobre mortes ‘legítimas ou ilegítimas’, ‘legais ou ilegais’, inclusive por nacionais de outros países, durante períodos de cunho político-ideológico histórico de exceção do passado, o que faz com que seja pertinente examinar a discussão corrente, hoje em voga nos Estados Unidos da América (EUA), sobre ‘permissão para norte-americanos matarem terroristas estrangeiros e/ou mesmo norte-americanos’. A ‘execução espetacular’ de Osama Bin Laden, mentor das tragédias das Torres Gêmeas de Nova York em 11 de setembro de 2001, em ação fulminante de tropas norte-americanas no Paquistão, faz ressurgir ainda com mais intensidade a questão…

A questão não é recente… O tema foi abordado por Eli Blake no periódico The Washington Times de 4 de fevereiro de 2010. Igual que ficou estabelecido desde 11 de setembro de 2001, o contexto político, militar e psicossocial dominante, e no qual se dá a controvérsia, é o da chamada ‘guerra contra o terror’. Ela acontece na esteira histórica da tragédia e comoção universal da destruição criminosa e hedionda das Torres Gêmeas de Nova York e da morte de milhares de pessoas, de diversas nacionalidades (brasileiros, inclusive), que se encontravam no interior dos dois famosos e colossais prédios comerciais da cidade de Nova York.

Segundo o que vai constando no conhecido periódico da capital norte-americana, a política pública ‘antiterror’ do governo dos EUA, no que tange à atividade de inteligência e respectivas ações tático-operacionais, das quais derivam operações que podem resultar na morte de norte-americanos e/ou estrangeiros por também norte-americanos e/ou estrangeiros, refere-se primordialmente aos casos de ‘alvos’ (passíveis de serem ‘executados’ por agentes de Estado) com associações individuais com a organização Al-Qaida. Tais ações (‘execuções’) alegadamente demandariam aprovação formal pelo chefe do poder executivo federal dos EUA.

Tentativa de explosão

O diretor nacional de inteligência dos EUA, Dennis C. Blair, observa, na matéria jornalística referida, que tais situações precisam ser consideradas ‘caso a caso’. O mesmo diretor nacional de inteligência dos EUA declarou que o critério aplicável incluiria primordialmente a determinação de que um cidadão norte-americano faça parte de um grupo que esteja envolvido na tentativa de atacar outros norte-americanos, ou seja, que ele se constitua em uma ameaça para seus concidadãos.

Blair foi abordado acerca do tema por ocasião de uma sabatina pelos membros do Comitê de Inteligência da Câmara Legislativa Federal dos EUA, nessa que parece ser uma das questões contemporâneas mais delicadas no tocante ao posicionamento dos EUA em relação ao chamado contraterrorismo.

O mesmo tema abordado em 4 de fevereiro de 2010 pelo jornal The Washington Times já havia sido tratado também, na semana imediatamente anterior, por outro periódico da capital dos EUA, The Washington Post. A matéria do Post fazia referência a uma revelação de que o presidente Barack Obama houvera autorizado pessoalmente um ataque (eventualmente mal-sucedido) realizado por uma aeronave norte-americana não-tripulada (drone) lançada sobre o espaço aéreo do Iêmen. O ‘alvo’ do ataque teria sido Anwar Al-Awlaki, cidadão norte-americano e chefe religioso islâmico ou imam (líder religioso que conduz as orações na mesquita) relacionado com a organização Al-Qaida. Al-Awlaki teria tomado parte do complô da tentativa de explosão da aeronave norte-americana da Northwest Airlines na noite de Natal de 2009, tentativa de ação terrorista frustrada perpetrada pelo passageiro nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab. Al-Awlaki fora líder religioso islâmico na mesquita sediada no subúrbio de Falls Church, no estado de Virgínia, parte da região metropolitana da capital dos EUA.

Discussões retomadas

O templo em questão teria sido a mesma mesquita frequentada pelo major médico do exército dos EUA Nidal Malik Hasan (descendente de iemenitas), preso atualmente, acusado de matar 13 de seus companheiros de armas em Fort Hood em 5 de novembro de 2009. Hassan seria um dos seguidores religiosos de Al-Awlaki, tendo nele um conselheiro espiritual com quem, inclusive, costumava trocar mensagens eletrônicas por e-mail. A relação entre Hassan e Al-Awlaki caracterizaria um novo padrão de associação para a prática de ações terroristas, já que usualmente os fundamentalistas islâmicos envolvidos em atividades terroristas se utilizam da comunicação pela internet em arábico, e não em inglês (como no caso de Hassan e Al-Awlaki).

Um dos membros do Comitê de Inteligência da Câmara Legislativa Federal dos EUA referiu também que Al-Awlaki nasceu em 1971 na cidade de Las Cruces, estado do Novo México, e as implicações disso no fato dele ser norte-americano, ainda que supostamente um radical islâmico com ligações com a atividade terrorista. Observou que seria necessário diferenciar o direito constitucional de um norte-americano vis-à-vis a livre expressão, mesmo no exterior, e a atividade de recrutamento e/ou coordenação de ataques contra os EUA.

O diretor nacional de inteligência dos EUA respondeu que preferia discutir questões específicas em ‘sessões fechadas’, mas assegurou: ‘Não estamos voltados para alvos da atividade de inteligência por questões de liberdade de expressão.’ ‘Nossos alvos são assim considerados por agirem de forma que ameace cidadãos norte-americanos ou pelo fato de que suas ações produzam isso indiretamente.’ Blair afirmou perante o comitê que suas declarações somente eram feitas publicamente, diante do sigilo que o tema deveria guardar, para que a sociedade norte-americana não imaginasse que uma questão de tamanha importância fosse tratada de maneira descuidada – isso implicaria colocar vidas de norte-americanos em perigo, e na verdade, da proteção da maioria da população do país.

A execução de Osama Bin Laden no Paquistão em maio de 2011, por forças militares norte-americanas, sugere que essas discussões serão retomadas, não só nos EUA como no restante do mundo.

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Professor, Brasília, DF