O relatório final da Polícia Federal divulgado às vésperas do Natal (sexta, 22/12) ignora o principal: o móvel do crime.
Nossos competentes ‘federais’ levaram 96 dias para concluir o caso, mas não conseguiram descobrir a origem do equivalente a 1,7 milhão de reais apreendidos num hotel em São Paulo. Em compensação conseguiram tipificar alguns ilícitos e indiciar sete pessoas, cinco do partido do governo (um deles senador da República, Aloízio Mercadante).
Mas o que é que Valdebran Padilha e Gedimar Passos fariam com o dinheiro que receberam do assessor de Mercadante, Hamilton Lacerda? A Polícia Federal sabe, os jornais sabem, os formadores de opinião de todas as tendências – grisalhos ou não – sabem: o dinheiro seria entregue à máfia dos Vedoin que, em troca, entregaria um dossiê com informações sobre políticos da oposição, sobretudo o então candidato do PSDB ao governo paulista, José Serra.
O que fariam os criminosos com este dossiê?
A PF não esclareceu, não achou importante, sequer tocou no assunto. Muito menos os três jornalões nacionais que deram no dia seguinte (sábado, 23/12) amplo destaque ao relatório.
Comprar informações não é crime, todos os leitores de jornais e revistas compram informações. Mas comprar informações para serem publicadas num veículo de circulação nacional e difamar os candidatos da oposição é um crime que, se não pode ser enquadrado no Código Penal, precisa ser ao menos mencionado e minuciado.
O eleitor brasileiro tem o direito de saber qual a finalidade da compra do Dossiê Vedoin para entender a dimensão de um crime que envolve diretamente um dos expoentes do partido do governo. O que pretendia a dupla de compradores com o precioso dossiê? Fazer um picadinho daquela papelada? Guardá-la para uma futura emergência?
Ou publicá-la na revista IstoÉ antes das eleições?
Faz-de-contas natalino
Este é o crime maior, crime que chegou a ser consumado (tanto que serviu para a propaganda do candidato Orestes Quércia). Mas esse crime final foi completamente omitido no relatório final da PF.
Omitido pela PF ou pelos jornais que divulgaram a conclusão do inquérito?
O móvel de um crime é tão abominável como o crime em si, tão importante quando a nomeação dos criminosos. Não se pode publicar a notícia de assalto a um banco ignorando as intenções dos assaltantes, especialmente porque estas abjetas intenções chegaram a ser materializadas.
O crime eleitoral, o atentado ao sistema financeiro e a lavagem de dinheiro que aparecem no relatório da PF são acusações insignificantes. O senador Mercadante, devidamente indignado, está protestando inocência, mas ele sabe que crimes eleitorais (e até mesmo crimes hediondos) caem com a maior freqüência na vala comum da impunidade.
Sem indicar a origem do dinheiro para a compra do dossiê e sem indicar o que se fez com este dossiê, o relatório da PF é um faz-de-contas natalino, não muito diferente da neve, dos veadinhos e do trenó do Papai Noel que enfeitam o nosso imaginário tropical.
Campos diferentes
A imprensa é tão culpada como a PF pela superficialidade, insuficiência e parcialidade do relatório no que tange o móvel do crime. Se a omissão foi da PF, caberia à imprensa denunciá-la imediatamente. Ou lembrar ao leitor esquecido os detalhes e objetivos do Dossiê Vedoin.
Nem a Folha de S.Paulo nem o Estado de S.Paulo mencionaram o nome da IstoÉ no resumo do relatório da PF ou nas matérias complementares produzidas pelas respectivas redações. Apenas O Globo o fez, e de passagem, o que não o absolve desta cumplicidade com a PF [sábado, 23/12, págs. A-4 e A-5 da Folha e do Estadão; pág. 9 do Globo)].
Aquilo que a ‘imprensa grisalha’ (ou engajada) tentou denunciar como ‘complô da mídia contra o governo’ acabou transformando-se num ‘complô do governo com a mídia para esconder a banda podre da mídia’.
Isso é muito mais grave: porque teve total assistência da Polícia Federal (leia-se ministro da Justiça) e porque joga no mesmo saco dois poderes que, para a tranqüilidade da sociedade brasileira, deveriam estar em campos diferentes.