O cartunista Carlos Latuff, sempre muito inspirado, desenhou o presidente Hosni Moubarak desplugando o mundo do Egito, representado por um mapa de onde saía a tomada de um modem ligado ao globo. Só que do mapa surgia um braço forte que, por sua vez, desplugava o presidente do Egito.
O Egito e sua cultura milenar já conheceram vários tipos de redes sociais. O império dos faraós e seus escribas; as passagens de Homero, Alexandre, César, Marco Antônio, Augusto, Pitágoras, Napoleão; a influência muçulmana; as configurações desenhadas pelo nefasto colonialismo britânico e a delicada situação geopolítica com Israel. Só que agora estamos falando de um país com 67% da população abaixo dos 30 anos e 90% de jovens desempregados. É dentro desse contexto que Ahmad Maher organizou, na primavera de 2008, um grupo de discussões na internet para apoiar a paralisação dos trabalhadores da cidade industrial de El-Mahalla El-Kubra. O coletivo pediu a todos que no dia 6 de abril, data da greve, usassem a cor preta e ficassem em casa em apoio aos grevistas. Facebook, twitter, flickr, blogs e outros recursos entraram em ação para cobrir a greve, denunciar os abusos da polícia e proteger juridicamente os ameaçados.
Nada será como antes
Movimentos como o do ‘6 de abril’ foram potencializados pelo levante tunisiano. E por mais que os seus fundadores digam o contrário, as chamadas redes sociais não nasceram para instigar sublevações. Facebook e twitter foram subvertidos pela base da pirâmide social egípcia para este fim. O resultado é um movimento profundamente marcado pelo anarquismo digital: a internet ajudou a encher as ruas, que por sua vez se auto-organizam sem lideranças e hierarquias palpáveis (ainda que forças político-religiosas queiram instrumentalizá-las). A própria população cerca a biblioteca de Alexandria e o museu do Cairo para protegê-los de saques. Diante deste novo cenário ciberpolítico, censurar os egípcios seria como impedir a troca de arquivos mp3.
As pirâmides estão de cabeça para baixo. E Guy Debord, um dos artífices de maio de 1968, estava certo quando dizia que é um momento belíssimo aquele no qual se dá vida a um assalto contra a ordem do mundo. Desde o seu início, quase imperceptível, já sabemos que dentro em breve, o que quer que aconteça, nada será como antes.
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Jornalista e professor universitário