Os jornais de terça-feira (25/6) discutem a proposta de um plebiscito para aprovar a convocação de uma assembleia constituinte com objetivo de promover a reforma política. A sugestão, feita pela presidente da República em reunião com governadores e prefeitos de capitais, é parte de um pacote de resoluções destinadas a dar uma resposta à onda de protestos que agitam o país.
Trata-se do tema mais sensível na agenda que foi levada às ruas pelos manifestantes e que põe em evidência a incapacidade da classe política de corrigir seus próprios vícios.
Junto com a notícia vêm as críticas, e claramente se expõem os grupos de interesse em torno da crise política. De um lado, os representantes das instituições cuja inoperância faz parte do rol de queixas verbalizadas nas ruas. De outro, as expressões impessoais da vontade de mudança, que estão diluídas na sociedade.
A imprensa consegue identificar o primeiro grupo, exatamente porque seus representantes estão institucionalizados, têm cargo, credenciais e nomes próprios, mas apenas faz uma referência vaga à outra parte, aquela que reproduz o desejo de mudança e não possui credenciais oficiais.
As outras propostas divulgadas pelos jornais – como o esforço conjunto em todas as instâncias de governos para garantir a estabilidade da economia, aumento e mais eficiência nos investimentos em saúde, quebrar o ciclo de custos dos transportes e garantir 100% dos royalties do petróleo do pré-sal para a educação – entram apenas como registros nas reportagens. São parte do conjunto de soluções possíveis que podem ter aplicação imediata, porque alteram pouco o jogo do poder e dependem basicamente de determinação política.
A questão mais controversa é mesmo a de um plebiscito que seguramente iria atropelar o Congresso Nacional, com todos os riscos de transformar os atuais integrantes do Parlamento em meros figurantes. Uma mudança de tal magnitude teria o poder de juntar em um só lado todas as instituições que agora estão sendo questionadas nas ruas, entre elas a própria imprensa, para um movimento reacionário.
Oportunismo em cena
A iniciativa da presidente da República é uma jogada de altíssimo risco, principalmente porque vem logo depois da proposta de incluir a corrupção na lista dos crimes hediondos. Neste exato momento, os representantes do que há de pior no mundo político estarão fazendo seus cálculos. Eles sabem que os protestos tendem a se diluir, porque a maioria dos manifestantes não pode ficar permanentemente nas ruas. Sabem também que o poder Executivo, a quem cabe dar a primeira resposta às demandas sociais, não consegue colocar em prática nenhum dos cinco pontos apresentados pela presidente, sem a adesão do Legislativo e o apoio institucional do Judiciário.
Resta imaginar o que faria a imprensa numa circunstância em que o Executivo ficasse isolado em meio às forças retrógradas que motivaram os jovens a exigir mudanças.
Além do risco evidente representado pela consulta direta à população – hipótese que aterroriza todos os poderes – estaríamos lidando com a grande possibilidade de a imprensa se aliar aos que costuma demonizar, para não perder a oportunidade de desestabilizar o governo.
A simples menção a uma reforma imposta por um plebiscito já deve ter criado em muitos dos atuais aliados da presidente a decisão de debandar para candidatos mais amigáveis nas eleições de 2014. Não é por outro motivo que a primeira reação dos líderes da oposição foi se solidarizar com o Congresso, que sabem ser dominado por aquilo que as ruas querem varrer da cena política.
E a voz das ruas?
As passeatas movidas por uma questão objetiva como o preço das passagens puseram a nu a ruptura entre as demandas da sociedade e os poderes republicanos – o que inclui, indiretamente, o poder da imprensa.
Agora, no vácuo das grandes mobilizações, quando a principal onda de protestos reflui para avaliar a conquista do congelamento de tarifas, a pauta original se desloca para a periferia das cidades, onde as palavras de ordem tendem a se multiplicar na proporção das carências a serem supridas.
Enquanto isso, dirigentes das centrais sindicais que nos últimos anos se lambuzaram no poder anunciam suas próprias manifestações.
O caminho das grandes avenidas, aberto pelos protestos espontâneos dos jovens, vai agora ser ocupado por forças que lutaram pela redemocratização mas acabaram no nicho do corporativismo.
A roda da História está para fechar um novo círculo.