Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Esta semana, recebi algumas manifestações devido a uma fotografia publicada na edição de quarta-feira. Pelo menos uma delas, em tom agressivo, acusava o jornal de ter ‘manipulado’ a fotografia para dela suprimir algumas palavras. Educados, mas também questionando no mesmo sentido, foram os contatos de representantes da Crítica Radical, perguntando se o nome do grupo fora apagado propositalmente da fotografia.

A foto, publicada na capa do jornal, mostra, em primeiro plano, uma brochura editada pelo Grupo Crítica Radical, com o título ‘Adeus às ilusões’ (letras brancas sobre fundo preto), no alto, do lado esquerdo, ainda na área do caderno, aparece uma parte branca, como se fosse um triângulo irregular; ao fundo, os professores da rede estadual de ensino participando de uma assembléia, na qual a categoria votou uma greve reivindicando reajuste salarial. Como sobre a parte em branco era o espaço onde deveria estar a assinatura do Grupo Crítica Radical, levantou-se a suspeita de ter havido ‘censura’ do jornal, pois o nome teria sido ‘suprimido’.

Argumentei com os representantes da Crítica Radical, um grupo de esquerda atuante nos movimentos sociais do Ceará, que não parecia lógico supor ânimo censório do jornal, pois se o editor quisesse excluí-los, bastaria escolher outra foto, das muitas feitas na ocasião. De qualquer modo, acho legítimas as queixas e também um assunto sobre qual vale a pena debater, pois está em jogo a transparência e a credibilidade do jornal.

O Povo proíbe alteração nos elementos da fotografia, já sabia por conversas anteriores com o editor de Fotografia, Alcides Freire: nada se pode suprimir ou acrescentar às imagens. Dei as explicações a quem me telefonou, mas comprometi-me a verificar a fotografia original, registrada digitalmente. (Mesmo nas fotos digitais, o original fica arquivado e é possível fazer uma verificação para avaliar se houve manipulação – se houver dúvida, uma perícia técnica poderá saná-las.)

Ao verificar o original, vi que pelo efeito da técnica do desfocamento e pela forma como a luz incidiu sobre a imagem, o nome ‘Crítica Radical’ ficara praticamente invisível (e ilegível), fazendo com que as letras desaparecem completamente na impressão. Pude fazer as comparações ao receber a publicação original editada pelo grupo (veja fac símile).

Falei com o repórter-fotográfico Alex Costa, autor da fotografia. Ele disse que resolveu subir na arquibancada do ginásio Aécio de Borba, onde se realizava o evento, para fotografar a assembléia do alto. Encontrou um professor com o folheto na mão, postou-se atrás dele para pôr a brochura em primeiro plano, contrastando com a imagem das pessoas ao fundo. Alex disse ter-lhe chamado atenção a frase ‘Adeus às ilusões’, que ele quis relacionar à situação dos professores, e não a um possível interesse político contido no folheto.

Anote-se, talvez para outra discussão, que mesmo uma foto não é um registro ‘neutro’. Basta ver quantas escolhas precisou fazer o repórter-fotográfico Alex Costa para obter a imagem que ele julgou adequada para retratar a situação. O seu registro foi objeto de diferentes leituras, uma das quais ele nem supôs que pudesse gerar.

A guerra de São Paulo

Em casos como os ataques da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) ao estado de São Paulo, os jornais regionais só dispõem das agências de notícias para fazer a cobertura, ficando na dependência do olhar de um jornalista que está fora de sua Redação. Resta aos editores, procurar fazer uma boa edição com as matérias disponíveis, enviadas pelas agências noticiosas. Os jornais regionais também podem fazer, como O Povo vem fazendo, a ‘repercussão local’, ouvindo especialistas, verificando se a crise pode acarretar conseqüências para a cidade ou o estado, e levando o assunto para o editorial e às páginas de Opinião: nesse aspecto, a lição de casa vem sendo bem feita. De maneira geral, O Povo vem acompanhando corretamente a crise, dando uma boa visão aos leitores do que acontece em São Paulo.

Algumas coisas, no entanto, merecem reparo. Acho que não foi adequadamente avaliado o encontro de líderes do PCC com representantes do governo – reunião que teria o objetivo de fazer parar os ataques criminosos. O jornal só falou no assunto na terça-feira, sem chamada de capa; no dia anterior, outros periódicos já haviam dado destaque ao assunto.

Na quarta-feira, destacou-se uma declaração do pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB, Geraldo Alckmin, comparando o PCC às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). ‘O enfrentamento é duríssimo, mas se não partirmos para cima, eles vão virar as Farc’, disse o presidenciável. As palavras foram elevadas à categoria de manchete da pág. 13: ‘Do PCC às Farc’, titulou-se, em letras maiúsculas. Na crítica interna observei que o jornal afiançara tal declaração, ao não atribuí-la ao ex-governador e nem pôr o título entre aspas. Escrevi também que a comparação, da forma descontextualizada como foi transcrita, não mereceria estar na manchete, por descabida.

Na edição de sexta-feira, o jornal nada divulgou nada a respeito de uma explosiva (podemos chamá-la assim) entrevista que o governador de São Paulo, Cláudio Lembo (PFL) dera ao jornal Folha de S. Paulo no dia anterior (18/5). O governador culpou a ‘elite branca’ pelos problemas: ‘Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa’, disse que a violência só arrefeceria quando a ‘minoria branca’ mudasse a mentalidade e a ‘burguesia’ abrisse a ‘bolsa’. Se alguém lesse a entrevista, sem o nome do governador, certamente a atribuiria ao militante mais radical da esquerda. Lembo também culpou os consumidores de drogas pela disseminaçãoda violência: ‘O crime organizado trabalha com a droga. A droga é um produto caro, consumido por grandes segmentos da sociedade. Enquanto houver consumidor de drogas, haverá crime organizado no tráfico.’

A Folha de S. Paulo não distribuiu o material pela sua agência, a Folhapress, mas em caso de grande repercussão, é comum os jornais, citando a fonte, reproduzirem as partes mais importantes de uma matéria, o que O Povo poderia ter feito, pela magnitude do assunto.’