Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Poder da mídia e contrapoder cidadão

É conhecido o argumento de Ignácio Ramonet sobre a mídia nas sociedades contemporâneas (ver, neste Observatório, ‘O quinto poder‘). Segundo ele os atuais grupos de mídia possuem duas características: primeiro, ‘encarregam-se de tudo o que envolve texto, imagem e som e o divulgam por meio dos canais mais variados (jornais, rádios, televisões abertas, a cabo ou por satélite, internet e por todo tipo de rede digital).’ Segundo, ‘são mundiais, planetários e globais – e não apenas nacionais e locais.’ Isto faz com esses ‘grupos (deixem) de ter como objetivo cívico o de ser um `quarto poder´, assim como (deixem) de denunciar os abusos contra os direitos ou corrigir as disfunções da democracia (…).’

A lembrança de Ramonet vem a propósito de fatos recentes, tanto no Brasil como na América Latina, que revelam, ainda mais uma vez, o enorme poder dos grupos de mídia, sobretudo na construção da agenda pública e na conseqüente definição dos temas de interesse e debate por parte da maioria da população.

CPI do Detran-RS

Um desses fatos é o impressionante desinteresse da grande mídia pelos trabalhos da CPI do Detran que se desenvolvem na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, em torno do desvio de cerca de 45 milhões de reais de dinheiro público. Resultado de uma investigação da Polícia Federal que começa com contratos do Detran-RS com uma fundação – a Fatec – ligada à Universidade Federal de Santa Maria, as investigações apontam para o envolvimento de partidos políticos através da formação de um caixa 2 destinado a financiar campanhas eleitorais.

Os fatos investigados no Rio Grande do Sul não deveriam merecer a mesma atenção dedicada pela grande mídia, por exemplo, aos graves problemas envolvendo a Universidade de Brasília e a fundação Finatec ou a outras investigações de financiamento ilegal de campanhas eleitorais por partidos políticos?

Governo Kirchner vs. Clarín

Fora do Brasil, chama a atenção a recorrência de problemas entre governos democraticamente eleitos e os principais grupos privados de mídia na América Latina.

Discutir com isenção, por exemplo, o que ocorre na Venezuela, na Bolívia e no Equador tornou-se praticamente impossível tendo em vista a permanente cobertura ‘adversária’ que vem sendo feita pela grande mídia aos seus presidentes.

Ganha nova dimensão, agora, um antigo ‘mal-estar’ entre o governo da presidente Cristina Kirchner e os principais grupos privados de mídia da Argentina, sobretudo, o Grupo Clarín.

O Grupo Clarín, como se sabe, é associado a multinacionais como Goldman Sachs, Buena Vista-Disney e Telefônica; controla o jornal – Clarín – mais vendido, as emissoras de rádio de maior audiência em Buenos Aires, uma das principais redes de TV aberta, canais a cabo, sites de internet, produtoras de cinema e TV e operadoras de telefonia celular, entre outros negócios (ver neste OIGrupo Clarín: O dono da boca‘).

O enfretamento recrudesceu com a intenção declarada pelo governo argentino de criar, em parceria com a Facultad de Ciencias Sociales da Universidad de Buenos Aires, um ‘Observatorio dos Medios’ que teria por objetivo promover ‘a liberdade de que todas as vozes, plurais e democráticas, possam ter acesso aos meios de comunicação’. Para o governo argentino, a cobertura que a mídia argentina faz é ‘discriminatória’ e não oferece uma ‘visão imparcial da realidade’.

Inclusão digital

Ao lado da confirmação do poder de agenda dos grandes grupos de mídia, aqui e alhures, continuam surgindo também informações sobre o acelerado avanço da inclusão digital entre nós.

Foi publicado no Diário Oficial da União (7/4/2008) o decreto nº 6424, assinado pelo presidente da República no dia 4 de abril. Esse decreto determina que as operadoras de telefonia fixa criem as condições técnicas (vale dizer, instalem os backhaul) para que a banda larga alcance todos os municípios brasileiros.

Junto à publicação do decreto o governo anunciou também (em 8/4) um acordo com as teles que prevê a instalação de conexão de banda larga – sem custos para os governos (federal, estaduais e municipais) – em cada uma das 56 mil escolas públicas urbanas até o vencimento dos atuais contratos de concessão, em 2025. Todas as escolas públicas deverão ter a banda larga instalada e funcionando até 2010.

Apesar das críticas de que, na forma como ficou, o decreto favorece as teles e sufoca os provedores regionais e comunitários, e de que o acordo para instalação da banda larga nas escolas esconde a entrega da exploração privada do acesso à internet às teles, ele é, mesmo assim, um avanço no sentido da inclusão digital.

Esperança

Ao observador de mídia resta apostar que a universalização da inclusão digital possa um dia permitir que o espaço virtual da internet se constitua no espaço público democrático onde o debate plural e diverso da maioria dos cidadãos possa acontecer. É exatamente isso o que a grande mídia privada não tem conseguido oferecer, não só do Brasil, mas também em outras sociedades democráticas.

******

Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)