Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Policarpo e o suicídio da imprensa brasileira

 

“Cachoeira trocou mais de 200 ligações com redator-chefe da Veja”. Assim começava, em 26 de março, a saga de setores da imprensa contra o jornalista Policarpo Junior, que há mais de duas décadas cobre os bastidores de Brasília. A suposta informação estimulou sites, blogs e outros veículos a clamarem por seu depoimento à CPMI, como estratégia de atingir o alvo desejado: a revista Veja.

Parte da mídia – com os chamados “blogs sujos” e participações da TV Record e da revista Carta Capital – mostra nos últimos dois meses enorme apetite para insinuar que o jornalista e o veículo para o qual trabalha protegiam e prestavam favores ao “bicheiro”. Parecem famintos pela degradação ética de Policarpo, o que acertaria em cheio a revista na qual ele é chefe da sucursal em Brasília.

Dois meses depois do início da campanha contra o jornalista, as denúncias não se sustentaram. As 200 ligações viraram duas e o delegado da Polícia Federal, responsável pela operação que investigou o contraventor, afirmou à CPMI que a relação de Policarpo com Cachoeira não passou de mero protoloco: um profissional com a sua fonte de informação. Mas os ataques continuam insistentes, a despeito das impropriedades. Desde 25 de março, o nome do jornalista esteve relacionado ao “bicheiro” em mais de 36 mil conteúdos publicados na internet.

Relações estreitas

Nessa onda, nem mesmo a promoção conquistada por Policarpo no início do ano a redator-chefe foi poupada. Alguns raivosos preferiram associá-la a uma troca de favores por “serviços prestados de forma ilícita”. Nada provado, inclusive nos áudios que integram o inquérito.

Sem fundamento, o que parece existir é a tentativa de desqualificar um dos jornalistas que deu início às denúncias do Mensalão, escândalo que, curiosamente, é abordado pela mídia antiVeja com extrema displicência, quando não inteiramente ignorado ou tratado como “delírio dos grandes grupos controladores da mídia brasileira”.

Na Veja (onde está há cerca de 20 anos) ou no Correio Braziliense, Policarpo sempre trouxe relevância em suas reportagens investigativas, algumas delas relacionadas ao “presidente interrompido” (Fernando Collor) ou ao “senador encarcerado” (Luiz Estevão). Não é só isso: em 1995, Policarpo foi ameaçado de agressão e mantido em cárcere privado pelo empreiteiro Cecílio do Rego Almeida. À época, ele apurava a denúncia de instalação de escutas ilegais no gabinete do governador do Paraná, o atual senador tucano Álvaro Dias. Ao buscar a versão do empreiteiro, em vez de respostas, o que encontrou foi a prisão no apartamento do empresário, em Curitiba. Seu currículo traz ainda registros históricos em denúncias sobre os “Anões do orçamento” e o caso Cacciola.

Além de ir a campo, produzir e editar, Policarpo investe naqueles que seguem na mesma estrada. Sob sua indicação, Veja foi buscar no Estadão o jornalista Rodrigo Rangel, primeiro a assinar uma matéria que mostrava as estreitas relações entre o senador Demóstenes Torres e o contraventor Cachoeira. Rangel é o mesmo profissional agredido por um lobista em atuação no Ministério da Agricultura.

Trabalho e história

O desejo deste setor da mídia em manchar e desclassificar Policarpo talvez fizesse algum sentido se, ao menos, amparassem o que postulam naquilo que consideram critério inegociável quando o lado que defendem é acusado: a exigência da prova. No entanto, neste vale-tudo que expõe a imprensa como parte mais frágil da manipulação política brasileira, vão-se os dedos e os anéis.

Até que se prove o contrário, respeitar o trabalho e a história de Policarpo significa respeitar o jornalismo. Não se trata aqui de defender este ou aquele veículo; este ou aquele profissional. Trata-se de defender a responsabilidade e defender a imprensa de estratagemas comprometidos com fins pouco saudáveis para a sociedade.

***

[Anderson Scardoelli, do Comunique-se]