Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Por que a população não debate?

O programa televisivo do Observatório desta semana (terça, 13/3) filosofou, debateu o debate. O ponto é que cada vez mais a sociedade se esquiva de ouvir as partes e construir uma opinião consciente sobre o que acontece à sua volta. Prefere entregar esse compromisso à Justiça e aos que tem coragem e disposição de levá-lo adiante. A discussão da classificação dos programas de TV, por exemplo, foi para os tribunais: quem vai resolver são os juízes e não as partes envolvidas.


No editorial (ver aqui), Alberto Dines abordou uma das principais pautas do dia – o anteprojeto de uma TV pública que o governo começa a estudar. E lembrou que, se é pública, não pode estar ligada ao Poder Executivo; e, se pretende ser estatal, o investimento deveria ser dirigido à Radiobrás, que já existe e funciona.


Participou do programa na TV Nacional, em Brasília, o filósofo Renato Janine Ribeiro. No Rio de Janeiro, o professor da UFRJ Muniz Sodré. E, em São Paulo, o articulista da Folha de S.Paulo Marcelo Coelho.


As duras críticas feitas ao artigo que Janine Ribeiro escreveu para Folha de S.Paulo sobre o assassinato do menino João Hélio são evidências de que a sociedade não está querendo debater. O filósofo teve a coragem de se expor e demonstrar seu choque diante da morte da criança. Chegou a dizer que a pena de morte era pouco para os assassinos. O problema é que os ataques que Janine sofreu em função disso foram feitos sem uma reflexão social maior sobre o que significava aquele ato de barbárie.


Houve uma grande repercussão sobre o artigo e isso foi provocado pela imprensa. Foi graças à Folha que a discussão sobre as opiniões do pensador se prolongou. E a partir dela surgiu este programa, que fez pensar sobre a importância de pensar.


Domínio do monstruoso


Em entrevista gravada, o antropólogo Roberto DaMatta comentou que o filósofo quebrou um tabu brasileiro de não deixar temas como a pena de morte e tortura virem à tona. ‘Temos um viés muito reacionário e imobilista. As pessoas de bem não colocam a mão na massa’, disse. De sua parte, Dines afirmou que queria transcender o debate sobre o que escreveu Janine e refletir a razão pela qual a sociedade brasileira não sabe examinar o que acontece e construir uma opinião livre de preconceitos.


Janine foi convocado explicar como via todo o burburinho. ‘Estou muito decepcionado porque o debate não aconteceu, o que houve foi apenas uma sucessão de ataques ao que eu disse’, lamentou. Afirmou que a imprensa não ofereceu ao leitor uma pesquisa que o possibilitasse conhecer melhor a situação das prisões.


O apresentador elogiou a postura da Folha de abrir espaço para debater este assunto, já que um dos maiores problemas da imprensa nacional é gastar rapidamente seus temas, sem chegar a definições concretas sobre eles. E chamou Marcelo Coelho para falar sobre isso.


Coelho disse que havia várias questões em pauta sobre o mesmo assunto – se a pena de morte é correta, como reduzir a criminalidade etc. – e que este tende a ser um debate demorado. Mas o que se comentou nas últimas semanas, segundo ele, não foi isso, mas, sim, a intervenção de Janine. ‘Nesse sentido, acho que o papel que a imprensa teve foi até passivo, reflexivo. O impacto do artigo foi tão grande que o debate se prolongou e é, inclusive, uma discussão até mais fácil que a da criminalidade, já que todos podem dar palpites’, disse.


Dines mencionou o recém-falecido filósofo francês Jean Baudrillard e perguntou Muniz Sodré se Baudrillard também não havia sido linchado pelos intelectuais de seu país. O professor disse que ele tinha sido atacado várias vezes, inclusive pela esquerda. Baudrillard não aceitava o senso comum e isso é sempre é malvisto pela maioria. Sodré explicou que todos somos tocados pelo que é dito, mas também pelo que não é dito. ‘Acho que Janine se colocou como intérprete de uma emoção social e não é isso que se espera de um intelectual. Essa é uma situação perigosa porque se quer que os pensadores conceituem, e não que se emocionem.’


Sodré disse ainda que a morte do menino João Hélio vai além de qualquer explicação racional, pois é da ordem do tremendo. Não houve uma causa social. Ele classifica o que aconteceu como monstruoso e diz que o intelectual não está preparado para debater sobre essa categoria. Na visão de Sodré, é esse incômodo que está em pauta no programa.


Paridade, desparidade


Dines comentou que a sociedade não consegue lidar com suas controvérsias e que, por isso, corta as discussões sem terminá-las. Não se leva a diante o ato político.


Foi a vez de Janine dizer que é muito importante entender a opinião do outro e marcar as diferenças de cada posição. E que isso faz muita falta para o Brasil. No momento em que a sociedade brasileira não discute, há uma abdicação da ética. E ela não é um conjunto de certos e errados, mas o processo de escolha de certos e errados. ‘Se delegamos isso juízes e intelectuais sem emoções, renunciamos a própria humanidade’, disse.


Dines perguntou a Marcelo Coelho como o jornal consegue dar conta de tantos debates gerados pelo noticiário diário. O articulista explicou que o jornal tem que tentar abarcar todos os assuntos, e por vezes se atropela nesse processo. Mas que o caso de Janine foi diferente. O filósofo emitiu uma forte opinião sobre o caso de João Hélio e isso provocou uma repercussão negativa. ‘O que aconteceu sobre o artigo não foi condenar alguém pela idéias que ele teve, mas por ele ter revelado suas emoções’, disse. Para Coelho, não foi uma questão de idéias, mas de postura.


Ao ser questionado pelo apresentador sobre como anda a relação dos jornais com o público, Muniz Sodré disse que a causa de possíveis desentendimentos nesse âmbito é a falta de um espaço público para debater as questões. E que, para que este espaço exista, é preciso uma paridade de opiniões – e há uma grande disparidade na sociedade brasileira. O debate público só poderia existir dentro de um espaço comum, mas, segundo Sodré, em termos reais ele não existe.


Espaço para a dúvida


O terceiro bloco foi destinado às perguntas dos telespectadores. Uma telespectadora de Aracaju perguntou: ‘Numa sociedade onde o `achismo´ prevalece, como o intelectual deve agir para abordar temas sensíveis aos padrões sociais?’ Renato Janine respondeu que o intelectual deve ter uma postura diferente da do político, que não pode revelar tudo o que pensa. ‘Quando se é intelectual é preciso ter um dever com sua consciência e falar tudo o que pensa’, disse. A percepção das emoções dentro desse processo também é importante. O filósofo afirmou estar havendo um descompasso na maneira como as emoções são percebidas pelos diferentes jornais e como a população lida com elas.


De Porto Alegre, um telespectador perguntou: ‘Por que não se debate mais?’. Marcelo Coelho respondeu que, de fato, há uma limitação para se aprofundar nos temas em virtude de tantas questões que aparecem diariamente. Por outro lado, o jornalista contrapôs Sodré e disse que a arena de discussões aumentou muito – exemplo disso é a internet. ‘As pessoas até entendem menos o que é escrito, mas entendem menos porque o debate ficou mais vivo e há mais participantes nele’, afirmou.


Outro telespectador gaúcho perguntou a Janine se o individualismo dificulta o debate. O filósofo disse que sim, mas que outra questão fundamental é a falta de tradição na nossa sociedade para o debate. E que é preciso criar novas formas de discussão dentro do princípio do respeito.


No último bloco do programa, Dines perguntou para Renato Janine o que ele achava que aconteceria após a repercussão do artigo. Janine respondeu que isso poderia criar um espaço maior para dúvida e, assim, fazer nascer novos conceitos. Mas não sabia se era realmente possível. E finalizou dizendo que o importante é que o debate continue e que os pensamentos guardados venham à luz.