Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por que os jornais encalham nas bancas

O artigos de Luciano Martins Costa neste Observatório começam a se transformar em obrigação semanal, agora que voltei ao jornalismo, 30 anos depois de me afastar dessa vida. Naquela época, trabalhando em organização que já não existe mais, briguei com o mundo. Reclamava que os jornais já se mostravam incapazes de refletir a sociedade paulistana.

Quando comecei, no velho Diário da Noite, escrevia-se que o cadáver estava em decúbito dorsal mas, o contexto do jornal ainda era capaz de refletir uma sociedade em transformação. E o jornal era uma necessidade – fosse para informações de polícia, de cidade ou de futebol – apesar de uma sociedade com baixos níveis de alfabetização. Em 1973, já tínhamos na cidade de São Paulo população superior a cinco milhões de habitantes. Governantes absolutamente perdidos com as massas humanas que se deslocavam para a capital e os jornais fugindo do problema.

Surgiu uma geração mais sofisticada, mais letrada, vinda de escolas de Jornalismo – só havia uma quando comecei na profissão –, mas completamente desconectada da realidade. Os textos melhoraram, especialmente depois da Realidade, do Jornal da Tarde, do Jornal do Brasil. Mas, cada vez mais tornaram-se vazios. E os velhos jornalistas que faziam um esforço diário para compreender a sociedade – e não impor informações à sociedade – se aposentaram, morreram.

E os jornais, agora dominados pelas escolas de Comunicação Social, acabaram. Quando voltei ao jornalismo, meus jovens colegas ficavam absolutamente espantados com o fato do velhinho aqui não se ligar muito na mídia. Dizia-lhes que, nos últimos 20 anos, trabalhei muito com esse negócio de administração pública. Febem, índio, garimpeiro, mendigo, louco, BNDES, Banco Mundial. Em 20 anos, vivendo do outro lado do balcão, a gente se vê obrigada a encontrar outros canais de comunicação.

O presidente João Figueiredo dizia que a imprensa só publica mentiras. José Sarney sugeria com freqüência que déssemos lambaris à imprensa. Sarney é dono de jornal. Fernando Collor tinha um sacrossanto horror: ‘Os repórteres só se interessam por factóides’. E nem lambaris dava aos jornalistas. Pagou o preço. FHC assume o poder com um discurso que me fez pensar que o homem não duraria seis meses no poder. Em seu discurso de posse citou quatro problemas no Brasil. O quarto, disse o presidente, era a imprensa, que, conforme discursou textualmente, se limita ‘ao folclore do folclore do fait-divers‘. Considerando a vaidade dos jornalistas, imaginei que houvesse troco. Qual nada. Todos os jornais publicaram o discurso na íntegra e acho que ninguém leu.

Andando de ônibus

A imprensa deveria ser um retrato da sociedade para ajudar o governante a entender mais rapidamente a sociedade. E os governantes brasileiros sabem que os jornalistas não conseguem desempenhar essa função. Então, tecnicamente, são tratados como ‘público’. Assim como os deputados, os industriais, os comerciantes e por aí vai. Um público à parte da sociedade e um problema pelas bobagens que publica diariamente.

Ora, se o governo tem sentimento de desprezo pela imprensa, mas é obrigado a conviver com ela, a sociedade manifesta esse desprezo deixando os jornais encalharem nas bancas. Aliás, nunca houve tanta banca de jornal em São Paulo. Sou do tempo em que as pessoas pegavam um ônibus no Brooklyn e iam ao centro da cidade para comprar o Diário Popular porque até os classificados eram interessantes.

A crise da imprensa é a crise do jornalismo. Veja as manchetes sobre a taxa Selic. Entre num ônibus e saia perguntando o que é taxa Selic. Ninguém sabe, nem se preocupa com isso. Um economista deu uma entrevista a uma emissora de rádio e falou que a imprensa tem TPM a cada reunião do Copom. Há quanto tempo você não anda de ônibus, Luciano? Pegue um, qualquer dia desses. Ouça o povo indo para o trabalho, para o médico, para a casa da filha, para a escola, para visitar o parente na cadeia. De repente, você vai descobrir que São Paulo não está nos jornais. O Brasil, nem se fale.

E se você gostar de São Paulo e do Brasil, vai descobrir que acaba mais bem-informado andando de ônibus com olhos e ouvidos atentos do que lendo jornal. E vai descobrir que pode passar sem jornal, rádio e televisão.



Luciano Martins Costa responde

Para este observador, a crise da imprensa tem causas variadas, mas, como já foi dito aqui algumas vezes, a essência do problema é o progressivo distanciamento entre a imprensa e a realidade. E as escolas de comunicação têm pouco a ver com isso. Na maioria delas – e tenho freqüentado muitas, nos últimos anos, em produtivas e prazerosas conversas com alunos e professores – pode-se observar um enorme esforço no sentido de dar aos currículos um equilíbrio entre capacitações que sejam proveitosas ao mercado e algum senso crítico sobre o que deveria ser o jornalismo neste país.

Não faz muito tempo, tive a oportunidade de me reunir com professores da Universidade Católica de Santos, num final de semana, e sou testemunha de sua busca por um conteúdo que viesse a dar alguma oportunidade aos estudantes e ao mesmo tempo mantê-los interessados em se colocar como agentes de mudança.

Sou grato a Carlos Gilberto por sua leitura e, pelo que se depreende dessa sua manifestação, creio que sua experiência poderia acrescentar algum valor ao que se tenta construir neste Observatório. Concordo com sua visão de que o público abandonou a leitura dos jornais porque os jornais não retratam a realidade. Desde que deixei o dia-a-dia do jornalismo, que pratico apenas eventualmente, como free-lancer, tenho tido acesso a mais informações relevantes para a compreensão de certos aspectos da nossa sociedade em conversas privadas e contatos profissionais – como assessor de imprensa, como executivo de empresas e como consultor – do que quando passava os dias dentro de uma redação.

Apenas um reparo: desde o tempo em que era repórter, mantenho o hábito de andar de ônibus, pelo menos uma vez por semana, apenas para ouvir histórias. E ainda prefiro caminhar pela cidade do que dirigir. (L.M.C.)

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Jornalista, São Paulo