Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por uma ordem no jornalismo

A profissão de jornalista foi regulamentada em 1946, por Getúlio Vargas. Regulamentada há mais tempo que muitas outras profissões, é a única entre as regulamentadas a não possuir Conselho Profissional. Psicólogos, Enfermeiros, regulamentados recentemente, têm seus conselhos.

Ao mesmo tempo em que regulamentou a profissão de jornalista Getúlio Vargas deu condições para que os profissionais se organizassem e tivessem sua sede, o majestoso edificio da Associação Brasileira de Imprensa, a ABI, no centro do Rio de Janeiro, naquele tempo a capital da República.

Paralelamente, Ademar de Barros em São Paulo, deu para os jornalistas organizados na API (Associação Paulista de Imprensa) também um edificio para que se organizassem e tivessem sua sede. O edificio Imprensa, de dez andares na rua Álvares Machado, 50 metros da Rua da Liberdade, menos de 100 metros do Fórum João Mendes, pertence a todos os jornalistas. O sindicato de São Paulo nasceu nesse prédio e lá se manteve por muito tempo. Por que saiu se o predio pertence aos jornalistas e é grande o suficiente para abrigar um sindicato por andar?

Esses dados nos leva fatalmente a pergunta: por que diabos os jornalistas não fizeram seu conselho nesse oportuno e privilegiado momento? E nos momentos seguintes? É a reflexão que cabe fazer quando de novo se tenta mobilizar a categoria em torno da necessidade de uma Ordem Profissional.

O cerne da questão

A ABI nasceu vocacionada para ser a representação do profissional de âmbito nacional e defender os princípios éticos, a democracia, os direitos humanos. Os mesmos objetivos da OAB, a Ordem dos dos Advogados. Dizem por ai que advogados e jornalistas são fazedores da opinião pública. Jornalista talvez mais que advogados. Estes têm a Ordem os jornalistas só desordem

Na virada do século a ABI estava com 90 anos, agora 105. Dois presidentes, Herbert Moses e Barbosa Lima Sobrinho dirigiram a entidade nada menos que por 61 anos. Mas, apesar de importante, a ABI não conseguiu ultrapassar a fronteira do Rio de Janeiro.

Grande Figura o Barbosa, jornalista emérito, colunista no JB, escreveu e dirigiu a ABI até depois de já ter completado 100 anos. Dirigiu a ABI por 27 anos, mas era também advogado, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, empresario e político militante. Foi deputado federal por Pernambuco, procurador do Distrito Federal e presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool.

Herbert Moses dirigiu a ABI por 34 anos.  Era poderoso nas empresas da familia Marinho (Grupo Globo) e vice presidente da Souza Cruz (leia-se Philips Moris & Britsh Tabaco Co).

Nada contra essas personalidades e todas as demais que presidiram a ABI que conquistou e mantém inegável prestígio social. A questão é que essas duas são figuras paradigmáticas para ajudar a entender a desordem profissional dos jornalistas.

Não havia fronteira entre dono de Jornal, empresários, advogados (ou qualquer otra profissão) e o jornalista profissional. Até hoje ha coleguinhas ocupando cargos bem remunerados que se julgam mais patrões que os próprios proprietários das empresas. Fora aqueles que querem credencial de jornalista como se isso lhe conferisse poder. É isso. O cerne da questão está na falta de consciência profissional. Isso de um lado. De outro, o imenso e pesado rolo compressor dos proprietários, dos políticos e dos políticos proprietários.

A experiência da APIJOR

Meus quinze anos de vivência na presidência do Conselho e da Executiva da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual dos Jornalistas -Apijor- permitiu-me constatar que a falta de consciencia profissional tem muito a ver com a qualidade do ensino noBrasil. Como dizia o mestre Darcy Ribeiro, a má escola no Brasil é projeto. Quer dizer com isso que manter as massas na ignorância é necessário para preservar o status quo em favor das elites dominantes. Nos mais de vinte anos de ditadura (1964-1985) privatização em massa do ensino e mais recentemente, a apropriação da educação por grandes corporações transnacionais culminaram por liquidar na educação o pensamento crítico.

Essa incapacidade de olhar crítica e criativamente a realidade contaminou completamente as Universidades e nelas os currículos e as escolas de comunicação e jornalismo por esses Brasis afora. A tal ponto que até mesmo as escolas consideradas de excelência não escapam da responsabilidade pela desordem dos jornalistas. Como admitiu certa vez em encontro nacional de jornalistas autores, Regina Festa, então na direção de audiovisual da ECA, a preocupação é formar técnicos, não cidadãos. Esquecendo-se que a consciência cidadã é o mesmo que consciência ética. Na outra ponta, a escolas que diplomam jornalistas analfabetos funcionais. Pode? Sou testemunha.
Estive em mais de 100 escolas. Uma única Universidade possui política de direito autoral em benefício de toda a coletividade, com sua base nas faculdades relacionadas com a comunicação, a Universidade Federal de Santa Catarina. No geral, as questões relacionadas ao direito autoral, direitos e cidadania eram novidades. Como também o grande desconhecimento da história, dos nossos próceres, nossos pensadores. No geral todo mundo alienado pelo pensamento único. No geral, nenhum olhar crítico e criativo à realidade. Só manutenção do status quo.

Atendi ao chamado para mais essa trincheira na luta pela dignificação profissional do jornalismo com o mesmo entusiasmo com que atendí no passado o chamado para Apijor. E por isso mesmo me sinto na obrigação de compartilhar minhas preocupações resultantes de mais de 50 anos de exercício profissional.

Quando a Apijor foi criada, pensávamos que também poderia ser uma semente que pudesse germinar no Conselho ou na Ordem profissional dos Jornalistas. Imaginávamos a fortaleza profissional dos jornalistas assentada sobre um tripé, tendo numa base a Fenaj, com seus sindicatos, para a indispensável luta sindical; a Apijor para as questão do Direito Autoral que por Lei tem que ter sua representação própria; e, o Conselho, para as questões da ética  e da representação social.

Prioridade da luta pela democracia

No âmbito da representação social, de certa forma a ABI, em muitos momentos históricos atuou, juntamente com a OAB e outras organizações sociais, como se nosso conselho fosse. Não se pode negar esse papel. O papel da OAB e da ABI foi fundamental na luta pela democracia e o será nas seguintes lutas pela democracia. Mas, obviamente, a ABI, além de estar confinada no Rio de Janeiro, não é e não será nunca o equivalente a OAB dos jornalistas.
E a Ordem dos Jornalistas terá que empunhar a bandeira da democracia. Que democracia?

A conquista tardia da democracia foi um grande avanço para a sociedade brasileira, mas, a luta pela democracia é permanente, ou como diria Boaventura de Sousa Santos, as batalhas políticas atuais não perseguem uma alternativa à democracia, mas sim uma democracia alternativa. Resumindo, a luta pela democracia é agora uma luta sobre a democracia.

O que se vê no comportamento social, ou melhor, de parte considerável da sociedade, é que não aprendeu a viver em democracia. Acostumou-se ao autoritarismo histórico. Afinal, em mais de 500 anos de história, quantos anos tivemos de democracia? É democracia o que temos hoje? ou é ditadura do pensamento único? É preciso ensinar as pessoas a viverem em democracia. Para isso é imperativo o império das leis, o respeito à legalidade, sempre ameaçada em Nossa América.

Como construir a democracia na total insegurança jurídica que impera hoje no Brasil?

Assim como a laicidade é condição para a liberdade de culto, a independência partidária é fundamental para a liberdade de ideologia e de filiação política. Essas liberdades, ou princípios, são causas pétreas de nossa Constituição cidadã em vigor desde 1988. Os jornalistas não terão Ordem se o Conselho Profisional não seguir estritamente esses princípios.

O Conselho dos Jornalistas terá que lutar contra o pensamento único e terá que enfrentar as empresas cada vez mais oligopolizadas. É impressionante a total ou quase total ausência de juízo crítico no jornalismo nacional. O discurso monocórdio da oposição é contra o governo, querem o lugar do governo, nenhuma palavra contra o modelo e menos ainda propostas sugerindo alternativas para o desenvolvimento.

Nunca os meios foram tão uníssonos, tão verticais, tão impositivos. Eleições, manipuladas pelo capital, substituem o mesmo pela mesma coisa. E, o que é pior para a democracia, substituíram comunicação por propaganda. Outra batalha a ser travada, resgatar o conceito de comunicação, o conceito de jornalismo como prestação de serviço. A luta pela democratização da comunicação em todos os níveis.

Na luta contra o pensamento único tem que incorporar a luta contra a demonização de nossos próceres, dos homens e mulheres que fizeram nossa história, das organizações sociais que representam as maiorias e as minorias organizadas. Em outras palavras, encarar o dever de reconstruir a história. Povo sem história é povo sem futuro. Resgate do passado, valorização dos personagens que contribuíram para o nosso pensar como brasileiros. Reconstruir a história para viabilizar o futuro.

Finalmente, lembrando Max Weber, o possível não se pode alcançar sem tratar de alcançar continuamente o que é impossível neste mundo. Assim sendo, vamos à luta, pois como dizia o mestre Paulo Freire, não há vida fora do sonho e da utopia.

São Paulo, no abril em que completo 79 anos de ter nascido e quase 60 de exercício profissional de jornalista, comunicador ininterrompidamente.

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Paulo Cannabrava Filho é editor da revista virtual bilingue Diálogos do Sul

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>> Mensagem do historiador Orlando de Barros ao autor

Prezado Cannabrava,

Vargas foi deposto em 29 de outubro de 1945. Em 1946 ele tomava chimarrão em São Borja. Em 1946 governava o Brasil José Linhares, enquanto o general Dutra se preparava para as eleições, que ganhou. Na verdade, Vargas, no Estado Novo, cuidou de dar organização às  atividades jornalísticas. Criou o Conselho de Imprensa, por exemplo, que esteve nas mãos de Roberto Marinho, de O Globo, o que foi devastador para outros jornais, como o maior do Rio, o Diário de Notícias. Vargas não é bom exemplo para os jornalistas, haja vista o DIP, antes precedido pelo DNP, em todo o caso aparelhos de publicidade governamental, em regime ditatorial.

Até 1945 a maioria esmagadora dos jornalistas e estudantes era chapa branca. Em 1946 “denunciavam” todos os males de que tinham sido vítimas. A UNE e a ABI não só colaboravam com o governo em tudo que era desejo de Vargas, como também foram amplamente cooptados pelo Departamento de Estado americano, sob a batuta de Nelson Rockfeller.

Hoje em dia fico muito matreiro quando vejo propostas como a sua, talvez oportunas e honestas. Mas logo penso na OAB chapa branca, com o Wadih Damus alinhadinho, assim como a UNE, chapa idem, comensal gordinha. Conhecendo bem o passado do país, especialmente a mídia do período Vargas, sempre me pergunto para que alguém quereria uma ordem dos jornalistas.

O que gosto mesmo é de ver jornalistas fazendo jornalismo, nesses tempos em que abundam os evanjo-cuequeiros.

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Orlando de Barros é doutor pela Universidade de São Paulo (USP), professor decano do Instituto de Ciências Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), autor de livros e ensaios sobre História do Brasil, principalmente sobre o período Vargas.