Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por uma vida pior

Às vésperas de adotarmos oficialmente um novo acordo ortográfico da língua portuguesa (Brasil, Portugal e países lusófonos) no próximo ano, com discussões que se arrastam desde 1990, o que significa um passo importante à defesa da unidade essencial do idioma, que lhe dará prestígio internacional, deparamos com um fato decepcionante. Difícil de ser entendido e aceito, pela extensão da insensatez de um ministério, o da Educação – MEC, em promover e incentivar o ensino da gramática de modo errado. O livro distribuído às escolas de todo o Brasil em número de 500 mil traz um título que de princípio nos oferece a sensação de entrarmos no nirvana do idioma ou das nossas aspirações, Por uma vida melhor. Parodiado corresponde ao que é, ou seja, “Por uma vida pior”. Assim deveria ficaria mais adequado, levando-se em consideração a viscosidade ideológica dos intelectuais de plantão, que não têm respeito pela língua, menos pelos estudantes e que atinge a sociedade.

Avalie o leitor, um dia uma criança que retorna ao lar e pergunta para o pai: “E aí, nós vai hoje ao cinema?” “Quem lhe ensinou falar de modo errado?” “Foi o professor. Ele afirmou, com um livro à mão, que esse negócio de falar diferente dos colegas é preconceito, discriminação.” E acrescenta, ao diálogo: “Nós vai ou não vai ao cinema?” E para encerrar: “E depois nós quer tomar um sorvete.”

O que dirá um pai diante de tanta aberração? Qual o diálogo que travará para explicar que não se fala desse jeito? É errado. A linguística é voltada para o regionalismo e que merece correção e de tal modo que não fique humilhante. A função do professor de gramática é conhecer e ensinar gramática. Linguística é outro departamento. Ora, o pai, ao saber que existe um livro oficial e didático com tais ensinamentos, só pode ter uma reação: chamar as autoridades de conivência com a canalhice idiomática.

Portugueses não permitem estrangeirismo

O que se depreende dessa estupidez cultural é estarmos ingressando num acintoso mundo, onde o certo é visto como errado e invertendo a lógica, a opção é pelo que contraria os princípios salutares do bem saber distinguir uma coisa da outra. Essa verdade agride a família, pela licenciosidade permitida em outras situações, como se pudéssemos viver num planeta sem ordem e respeito à lei. Incomoda a Justiça, que para se fazer respeitada só debaixo de vara, pelos desafios dos insurgentes e alheios aos princípios basilares da democracia.

Esse tipo de estultice só se vê no Brasil. E quem se colocar contra a patrulha esta acusa os ousados de pertencerem ao atraso. O poeta e jornalista Ferreira Gullar, numa crônica para um jornal de São Paulo, manifestou-se a respeito: (…) “Verifico que, não só na linguística tende a se admitir que tudo está certo e, que se alguém discorda dessa generosa abertura, passa a ter sido como superado e preconceituoso.”

Os portugueses, que veneram o seu idioma, não permitem estrangeirismo, principalmente em Lisboa. O verbo “deletar” passou a borrar. No Brasil achamos chique falar certas palavras e expressões em inglês. Por esses e outros motivos fazem piadas pelo nosso jeito extravagante de sermos, ao contrariarmos elementares convenções. Na França quem pedir alguma coisa num bar ou restaurante que não seja no idioma local, sobra. Não será atendido.

O Brasil é capaz de tudo

A reação contra aquele inoportuno livro é grande entre as pessoas sensatas, as quais reconhecem a importância do idioma na vida de uma nação. E se desejamos um país desenvolvido, com uma geração capaz de competir no mercado de trabalho para valer, não podemos desprezar a norma culta. Ela existe para o uso e estudos nas escolas, a partir das primeiras letras, senão se estabelecerá o caos ortográfico. Precisamos pensar nos clássicos da literatura. Os primeiros prejudicados serão os candidatos do Enem, que pelo exame, não obterão sucesso, exatamente, onde deveriam demonstrar conhecimento.

O professor, lexicógrafo e membro ABL, respeitado pelos melhores livros de gramática publicados e com nome no exterior, onde ministra cursos e palestras, foi claro ao responder a uma pergunta sobre os seus colegas que consideram a norma culta como instrumento de dominação: “Isso não passa de ortodoxia política. Eles subvertem a lógica em nome de uma doutrina.” Adiante, alerta: “Nenhum país desenvolvido prega a desvalorização da norma culta na sala de aula ou inclui esse tipo de ideia nos livros didáticos.” O Brasil é capaz de tudo. E agora?