As notícias sobre os planos econômicos da presidente Dilma Rousseff em seu segundo mandato e sobre a extensão da crise de abastecimento de água na capital paulista, além de especulações nascidas na investigação do caso de corrupção na Petrobras, cruzam-se nas edições dos jornais de terça-feira (27/1). Em todas elas, evidencia-se uma característica que parece marcar as instituições da República: a falta de transparência.
Essa afirmação, porém, deve ser tomada com cautela, no contexto em que a formulamos, ou seja, no campo restrito em que os atos do poder público são filtrados pela imprensa. Há outro campo, mais amplo, onde os fatos acontecem originalmente; no entanto, tratamos, aqui, não dos fatos diretamente, mas da forma como eles são noticiados após passarem pela mediação dos jornalistas.
Nesse ambiente restrito, onde atos, acontecimentos e declarações ganham valores específicos conforme o peso que a imprensa lhes dá no tabuleiro das notícias e opiniões, a própria mediação restringe o acesso à informação e condiciona os eventos originais às interpretações impostas pela mídia. Acontece, assim, o estranho fenômeno pelo qual, em vez de esclarecer, o jornalismo obscurece a compreensão da realidade.
O fato de os governos parecerem menos transparentes, neste tempo de grande expansão dos meios digitais de comunicação, é uma contradição espantosa, mas fácil de constatar. No âmbito federal, por exemplo, existe a notícia de ajustes na economia que podem representar dificuldades para o cidadão comum, como preço a ser pago pela recuperação dos indicadores macroeconômicos. Esse noticiário é centrado nos ministros da Fazenda e do Planejamento; a presidente da República não dá declarações desde a posse, e os jornais especulam sobre a validade e a paternidade (ou maternidade) de tais medidas.
No âmbito estadual paulista, a responsabilidade pelo esclarecimento da população a respeito da possibilidade de a crise hídrica se agravar a um ponto extremo fica a cargo do novo presidente da companhia de abastecimento de São Paulo, a Sabesp, e o govenador sai de cena ou volta à rotina das platitudes que lhe deram um novo mandato.
E as notícias sobre o escândalo da Petrobras são uma colcha de retalhos que é montada a critério dos jornais.
Filtros entupidos
Desde as reflexões de Agostinho de Hipona sobre lógica, quando ele criou as bases doutrinárias do que viria a ser a igreja cristã predominante, o ser humano persegue o fim das contradições e a busca das tautologias, porque o mundo lhe parece mais seguro com mais certezas do que dúvidas. Por isso os candidatos a cargos públicos fazem promessas solenes – pois seus marqueteiros sabem que uma falsa certeza vale mais do que uma dúvida honesta.
No mundo moderno, a imprensa se apossa da função de expor e explorar as contradições, para que, do outro lado do filtro da mediação, saiam informações nas quais a sociedade possa confiar. No entanto, a imprensa brasileira hegemônica há muito não cumpre esse papel, porque seu propósito deixou de ser o de buscar objetivamente a interpretação dos fatos e passou a ser a imposição de uma versão específica da realidade.
Tanto a presidente da República quanto o governador de São Paulo – aqui citado como mero exemplo –, assim como os responsáveis por investigações de grande repercussão, devem urgentemente romper a situação em que se meteram, de extrema dependência da imprensa.
A leitura dos jornais mais confunde do que esclarece, e isso aumenta as contradições, porque a imprensa foge do confronto dialético. O noticiário, fragmentado e manipulado, desinforma e produz insegurança, dificultando a adesão da sociedade a programas de interesse púbico, como a economia de água e energia ou a necessidade de poupar e administrar melhor a economia doméstica.
A divulgação de frações da verdade na investigação de escândalos reduz a confiança na democracia e abre caminho para aventureiros na política. Essa característica do jornalismo praticado pela mídia tradicional equivale a dizer que o filtro da mediação está entupido, ou contaminado pelo viés que interessa impor à sociedade.
Assim, é de se desconfiar de que a transparência que se espera das instituições públicas esteja sendo obscurecida pela ação da imprensa, cuja eficiência em romper os segredos do poder corrompido é aplicada com critérios claramente partidários. Resta, então, aos protagonistas do poder político vir a público pessoalmente reduzir as contradições e confortar o cidadão com a informação oficial.