Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Portugal resiste à nova ortografia

“Minha pátria é a língua portuguesa”, escreveu Fernando Pessoa. Pois a partir desse mês, essa pátria perderá letras e hifens, mudará acentos e reduzirá as maiúsculas, razões suficientes para levantar a bandeira da inconstitucionalidade, pedir um referendo e queimar na fogueira intelectual o coautor do Novo Acordo Ortográfico, o acadêmico João Malaca Casteleiro. O Brasil, enquanto isso, prorrogou várias vezes sua adoção.

No dia 13 de maio, se nada impedir, vai morrer em Portugal a ortografia vigente desde 1945 e será aplicada a que foi aprovada em 1990. Escrever actual em vez de atual, pode ser decisivo para levantar uma oposição. Ivo Miguel Barroso está, há cinco anos, mobilizando os portugueses para que solicitem um referendo sobre a nova ortografia. “O Acordo é um ato lesivo a nosso patrimônio cultural. Como jurista, acho que o Estado não deve regulamentar a ortografia de um povo”, afirma.

O português é a língua oficial em nove países da Europa, América, África e Ásia. A dispersão favorece as diferenças linguísticas. “Éramos a única língua com duas ortografias diferentes oficiais”, afirma o acadêmico Malaca Casteleiro, impulsor do Acordo junto com o brasileiro Antônio Houaiss, e alvo das críticas. “O Acordo termina com cem anos de guerra linguística entre Brasil e Portugal.”

A diferença idiomática entre os dois países começou em 1911, quando Portugal simplificou sua gramática sem levar em conta o Brasil, que nunca aplicou essas mudanças. Durante o século XX foram feitas cinco tentativas fracassadas de reunificação. Malaca se orgulha da histórica conquista. “O objetivo era unificar ao máximo as duas ortografias vigentes, a luso-afro-asiática e a brasileira”, afirma naAcademia de Ciências de Lisboa. “Seguimos os princípios da simplificação e de priorizar a fonética sobre a etimologia da palavra. E nos casos de grafias muito arraigadas para uma mesma palavra (como facto em Portugal e fato no Brasil) optamos pela grafia dupla”.

Décadas de período transitório, com a convivência de duas grafias, submergiram a imprensa na confusão. “A situação atual é de um verdadeiro caos ortográfico”, afirma Barroso. Quando o acordo foi assinado em 1990, os jornais portugueses se comprometeram a não aplicá-lo. Hoje só o jornal Público mantém a promessa.

As novas regras vão facilitar o ensino da língua, segundo o escritor angolano José Eduardo Agualusa, contrário à opinião de Miguel Sousa Tavares, que afirma, orgulhoso, ter vendido 50.000 livros no Brasil sem precisar mudar sua ortografia.

“Qual era a necessidade de unificar?”, pergunta-se a professora de português Suzanna Mora. “Entendemo-nos perfeitamente, não há problema algum. Deveriam respeitar o português daqui e o do Brasil. O Acordo só dificulta o ensino com seu contexto arbitrário e suas muitas opções facultativas”.

Se a pátria da língua se reduz a números, tudo parece mais prosaico. As mudanças afetam 1,6% das palavras portuguesas e 0,5% das brasileiras. Antes do Acordo, 96% do léxico era igual em qualquer esquina lusófona, agora chega a 98%. Algarismos mínimos para justificar as paixões exaltadas, principalmente em Portugal, que estreia a novas regras enquanto no Brasil, a presidenta Dilma Rousseff estica o período de aplicação de 2012 a 2016.

O deputado José Ribeiro discorda da posição favorável de seu partido (CDs): “Não sou contra; sou a favor da revisão do Acordo. Deveria haver uma maior proteção da variante europeia do português”.

A capitulação da Europa frente ao Brasil é uma crítica comum do lado português. “Não é verdade”, contrapõe Malaca. “Nós eliminamos as consonantes mudas c e p em algumas palavras, e eles suprimiram o trema. Todos cedemos”.

“É mais fácil tirar letras do que exigir que as coloquem, como se tentou fazer no Brasil em 1945”, justifica-se Malaca. Ainda assim, também não há unanimidade no Brasil. O professor Ernâni Pimentel quer levar a simplificação ortográfica mais à frente, até o ponto de escrever chuva como xuva.

A língua é feita pelos povos, lembra o acadêmico brasileiro Carlos Heitor Cony, e não pelos Governos; mas está claro que, a ortografia, é mais de academias. “Não há nada pior para minha língua que os 140 caracteres do Twitter”, reconhece o deputado Ribeiro, “mas continua sendo minha língua”.

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Javier Martín, do El País, em Lisboa