Em recente cerimônia pública, Zileide Silva, da TV Globo, fez um discurso político de agradecimento ao prêmio de jornalismo político que ali recebia. ‘Este prêmio mostra que não precisamos de um Conselho Federal de Jornalismo’, disse ela perante câmeras globais, enquanto erguia seu troféu. Confesso que não entendi a relação entre o prêmio e a tese. Desconheço os juízes e os critérios de premiação; sei apenas que a proposta de fundação do Conselho originou-se da Federação Nacional de Jornalistas. Ao interagir com a curiosidade, minha ignorância levou-me à indagação que compartilho com o leitor: o que a fez merecer esse prêmio, de sorte a agradecê-lo com sua tese?
Como não sou jornalista, profissional ou empresário de mídia, não posso responder diretamente. Posso, entretanto, oferecer elementos que a observação em minha atividade profissional permite, em comum com a da premiada. Sou um acadêmico especialista em segurança computacional, investido da responsabilidade de representar a sociedade civil em atividades normativas relacionadas à segurança na informatização dos processos sociais. Desses processos, o que mais fortemente intersecta a atividade jornalística é o eleitoral, e é dele que colho elementos para tentar entender a relação entre o mérito e a tese da nossa premiada repórter da televisão.
Na quarta-feira (15/7), um senador da República foi por ela entrevistado, recebendo generoso espaço em horário nobre global. O nome de parentes próximos do político tucano cearense, num CD enviado pelo MTB Bank e vazado dos documentos da CPI do Banestado, não o fazia sentir-se intimidado. ‘Pior’, dizia ele, ‘é se o motivo do vazamento for o achaque ou a chantagem.’ Contudo, nem o senador, nem a reportagem identificaram qualquer chantagista, enquanto o tema era a tal hipótese intencional, já que várias autoridades foram depois entrevistadas a respeito, completando a matéria. Além do agradecimento pelo prêmio, tampouco essa matéria eu entendi direito.
A notícia era claramente o vazamento, ou quem teria vazado com intenção aventada pelo senador: o vazado em si, dados sobre o possível desvio de enormes quantias de dinheiro público, mero e banal detalhe do enredo. O CD, que continha mais de 400 mil registros de transações irregulares superando 17 bilhões de dólares, deveria ser mantido em sigilo pela CPI, presidida por outro tucano, colega do senador pautador. Desculpe-me pela pergunta, mas, e se o vazamento tiver sido motivado pelo interesse em se invalidar provas em futuros processos criminais? Para encontrar o sucesso, tal hipótese demandaria que a percepção pública considere a versão implausível. Danosa ao bem público mais que todas, esta hipótese de motivo nunca foi aventada na matéria. E se o foi por algum entrevistado, ao ar não foi.
Mágica da desinformação
Além disso, ao que se sabe, o banco brasileiro que mais aparece nos registros do CD – o Oportunity – nunca foi citado pela TV Globo em relação a esse escândalo de bilhões, escândalo que seu jornalismo ignorou completamente nos primeiros meses. Fiquei confuso porque, em caso assemelhado e recente, a premiada e sua emissora se fartaram, esta diuturnamente por mais de mês, na pauta da ‘corrupção política’ e suas ramificações, quando o valor envolvido era menor que a centésima parte disso. Ruminaram uma fita de vídeo com certa conversa de Waldomiro Diniz sem a mínima atenção ao fato do vazamento. Aliás, para o mesmo senador que agora preside a tal CPI.
A escolha do que é notícia, e de como pautá-las, faz parte do exercício da liberdade de expressão. As TVs, incluindo a da premiada, operam concessões estatais que pautam o exercício desta liberdade pelo interesse público. Mas o que vêm a ser interesse público? Quem o define e fiscaliza? Em nosso berço civilizatório, Sócrates descobriu que não pode haver liberdade sem responsabilidade. Sem ela, a autonomia da vontade vira libertinagem, que leva a abusos. Como a mídia gera suas pautas, e quão preso a elas fica o jornalista, de profissão desregulamentada e reputação reféns do processo? Esta – não a censura – é a questão que interessa na proposta pelo Conselho Federal de Jornalismo. É natural que os patrões dos jornalistas, intermediadores entre pautas e poderes, pautem doutra forma esse debate.
Só o pautam como censura, e seria ingênuo não perceber aí conflito de interesses. O público é ingênuo, mas, até que ponto? ‘Fazer jornalismo político, em Brasília, é difícil. Mas nós sabemos fazer. Não precisamos de um Conselho para nos ensinar’, nos ensina a enigmática premiada, ainda em seu discurso de agradecimento. Nós, quem? Se o prêmio é individual, estaria ela falando da emissora que a emprega? Noutros tempos, isso seria peleguismo. Covardia não é sinônimo, foi acusação infeliz. Mas, como o poder se cria e se exerce cada vez mais com assimetria informacional, conforme explica o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, a questão se refaz: quem julga o que é jornalismo? A resposta aponta àquilo que o historiador Nicolau Sevcenko chama de ‘mágica da política do segredo e da desinformação’.
Função esvaziada
E o bom jornalismo? Difícil fazê-lo sobre política em Brasília? A dita matéria cita o presidente tucano da CPI alegando que o vazamento ‘aconteceu antes da CPI receber o CD da mão do relator, quem o trouxe de Nova York’, e o relator petista negando que tenha ele vazado. No dia seguinte, o Correio Braziliense cita o desentimidado senador insinuando suposta facção palaciana ‘stalinista’ como provável artífice do vazamento. Mas não só. Destemido, ele tentou ligar o tal stalinismo ao apoio do governo à iniciativa da Federação de Jornalistas. Dada tamanha destemperança me pergunto se, perante o contraditório, a premiada jornalista, ou colegas que seguem o brilho da sua vênus platinada, teriam investigado a cronologia oferecida.
Não se trata de paranóia com botões macetosos no painel eletrônico, trata-se de jornalismo como ensinado na faculdade. Seria desleixo aceitar sem questionar versão cronológica de algo tão sensível (exemplo: viagens da ex-ministra Benedita da Silva). Não bastassem as maracutaias que o painel do senado já vazou, depois de acompanhar o trâmite da nova lei eleitoral posso ensinar a qualquer um, até a jornalistas globais, porque o registro oficial da tramitação de documentos no Congresso não é confiável. A estória começa em janeiro de 2002, com a aprovação da Lei 10.408/02, introduzindo meios para recontagem nas eleições gerais, através de votos impressos em paralelo ao eletrônico. Mesmo sob o fugaz mal estar coletivo causado pelo escândalo do painel do senado, houve feroz resistência.
Proposta pelos senadores Roberto Requião e Romeu Tuma, a iniciativa foi alvo de ação desarticuladora do então presidente do TSE. Primeiro, ele pediu ao senado que aguardasse contribuições do Tribunal que presidia, para aprimorar o projeto de lei. Enviou-as cinco dias antes do prazo para a vigência já na eleição de 2002. Dentre as emendas propostas, uma esvaziava a função fiscalizatória do voto impresso, antecipando para a véspera a escolha das urnas a serem auditadas. O relator que votou em urgência a favor das emendas, seguido pela maioria, ganhou duas semanas depois do TSE o governo do Piauí, num processo de impugnação da eleição de 1998 à qual havia concorrido e perdido, processo que se arrastava há mais de ano. Por ironia semântica, o deposto era conhecido por ‘Mão Santa’.
Penduricalhos inócuos
Depois, na Câmara, estimulou acordo de lideranças para a votação urgente do projeto, sem alterações, sob o argumento de que a lei vigiria na eleição de 2002. Convidou a seu gabinete no STF congressistas interessados, para informar do seu engano sobre o prazo de vigência: a Lei 10.408/02 não vigiria em 2002. Para atenuar a confusão, oferecia seu empenho para que a Justiça Eleitoral ‘testasse’ o mecanismo de auditoria em 3% das urnas em 2002. Esta empreitada, em que a fiscalizada organizou ‘um teste’ do mecanismo que a sociedade havia escolhido para fiscalizá-la, foi seguido de perto pela grande mídia, Globo inclusive. Mas não para investigar as prováveis razões técnicas do que consideraram ter sido um fracasso: apenas para repassar a auto-avaliação do fiscalizado.
Falhas nas instruções para se montar as impressoras de votos, falhas no treinamento de eleitores e excesso de eleitores em sessões com urnas ‘de teste’, ignoradas na auto-avaliação e pela grande mídia. Auto-avaliação, aliás, apresentada solenemente ao Congresso por quem viria a confessar publicamente, oito meses depois, ter ‘pirateado’ dois artigos na constituição, enquanto congressista constituinte em 1988. As prováveis razões para o suposto fracasso desse ‘teste’ só encontraram espaço importante um ano e meio depois, em um congresso internacional patrocinado pelo centro de pesquisa em computação teórica da Fundação de Ciência dos EUA, o Dimacs. Convidado, apresentei meu parecer em http://dimacs.rutgers.edu/Workshops/Voting/rezende.html.
Quanto ao teste da função fiscalizatória propriamente dita, nem pensar. No TRE-DF, onde todas as urnas de 2002 estavam sob o ‘teste’ do mecanismo de recontagem por voto impresso, o pedido de recontagem do candidato derrotado por 0,2% para governador foi rechaçado por sete a zero. Justificativa? A recontagem poderia ‘colocar sob suspeita as eleições nacionais’. Entrementes, o senador tucano Eduardo Azeredo apresenta projeto para uma nova lei eleitoral acabando com a auditoria por voto impresso, tendo por justificativa a auto-avaliação do TSE. Segundo essa nova lei, a recontagem se daria pela divulgação de uma lista ‘embaralhada’ dos votos da urna, e outros penduricalhos a título de autenticação por assinatura digital, sem nenhuma eficácia fiscalizatória externa.
Silêncio cúmplice
Seguindo o que se anunciou como uma espécie de acordo, o projeto Azeredo foi à votação na Comissão de Constituição e Justiça do senado sem alterações e sem nenhuma audiência pública sobre seus méritos. Dentre os mais vocais na defesa da nova lei, apresentou-se o desentimidado senador tucano pelo Ceará. Ele nos exortou a confiar nas máquinas, já que hoje temos que confiar em aviões, aparelhos hospitalares e outros. Para o nosso desconstrangimento, ele omitiu o sistema eletrônico de votação do senado da sua lista. Com um voto contra e, depois, um abaixo assinado para que o projeto fosse a plenário, surge nas mãos do presidente do Senado, no último minuto, quatro faxes solicitando a retirada de assinaturas do abaixo assinado: projeto assim declarado aprovado e encaminhado para a Câmara.
Na Câmara, o projeto iniciava uma estranha dança. Entrava e saía da pauta de votação da Comissão de Constituição e Justiça. Entrando, pulava de baixo para cima ou de cima para baixo. E saindo voltava, em aparente sincronia com certas presenças ou ausências na sessão. Sabe-se lá se algum deputado vai pedir vistas? Assim foi até que um abaixo assinado de professores solicitando audiência pública sobre o projeto entrou na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT). O presidente desta comissão, do PFL, em nome seu e da CCT solicitou à mesa da Câmara que o processo fosse ali enviado para audiência e parecer, no que foi atendido pelo presidente da Câmara. O presidente da CCT se recusou então a receber signatários do abaixo-assinado, enquanto o último ato desta estranha dança se ensaiava.
Finalmente, faltando poucos dias para se esgotar o prazo de vigência da nova lei nas eleições municipais de 2004, em 24/9/03, o projeto Azeredo dormiu na CCT e acordou no plenário da Câmara. Não só fisicamente, mas também conforme o sistema eletrônico de acompanhamento de documentos, sem que nenhum ato processual lhe provocasse o sonambulismo. Logo votado por acordo de lideranças, foi aprovado em 1/10/03. Em meio ao silêncio cúmplice de membros da CCT, a protestos isolados de um único partido, e a cínicas mentiras de pelo menos um deputado do PFL-CE, em discurso sobre malefícios do voto impresso que era assim extinto (www.brunazo.eng.br/voto-e/textos/PLazeredo.htm).
História reescrita
Enquanto isso, a fornecedora de urnas eletrônicas do TSE – Diebold – começa a se meter em apuros. Parte do software da urna que vende nos EUA, semelhante ao das que vende aqui, vaza na internet e é analisada por professores das universidades de Johns Hopkins e Rice. A análise aponta inúmeras e gravíssimas vulnerabilidades a fraudes de origem interna, causando, em pelo menos seis estados, o descredenciamento dessas urnas. Parte do software usado nas urnas do Brasil em 2000 também vaza e é analisada por mim. Corroborada pela do único perito externo já admitido em impugnações eletrônicas no Brasil, chegam a conclusões semelhantes, divulgadas em (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=293ENO002) e em (www.brunazo.eng.br/voto-e/arquivos/StoE-laudofinal.zip).
A ‘modernização’ da nossa fiscalização – a lista eletrônica ‘embaralhada’ de votos da urna – se mostra capaz de revelar votantes a quem sabe fazer contas. Tal qual bode na sala, provoca assim uma resolução do TSE cancelando a entrega dessas listas aos partidos em 2004, mas o programa que as gera permanece na urna. Um pedido de retirada desse programa da urna é negado pelo plenário do TSE, que não revela justificativas para a negação. Para a imprensa que ruge contra o Conselho, para seus pelegos e fantoches do stalinismo, nada disso tem valor jornalístico ou político. Os sofismas abundam para quem quer esconder o sol com peneira. A mais enigmática dessas peneiras é a seguinte pergunta retórica: ‘Se houvesse fraude, Lula não teria ganho a eleição’. Com ela peneiraremos respostas à indagação inicial.
O que fez Zileide Silva – indagava-se – para merecer o prêmio de melhor jornalista política do ano, de sorte a agradecê-lo com sua tese pelega? O grande perigo para uma democracia que confia demais em tecnologia é a extensão da ignorância na avaliação de riscos. Tecnologias da informação são armas de poder onde o poder se faz com assimetrias informacionais. Passados menos de dois anos da eleição de Lula, já começamos a ver a reescrita da história, à moda de Orwell. Palpiteiros dizendo que o episódio ocorrido por volta das 23 horas do dia 6/10/02, quando a apuração oficial do primeiro turno da eleição de 2002 fez despencar o total de votos de Lula para 41 mil negativos, causando o desligamento temporário dos computadores de totalização no TSE, não passa de boato da internet.
Poder de abusar
Ao que se sabe, naquele momento Zileide Silva estava no recinto que o TSE reservara à imprensa e a ‘fiscais’ de partido, para acompanharem a apuração em tempo real num telão. Ela comandava a externa da eleição presidencial para a Rede Globo. Quando o telão passou a mostrar os 41 mil negativos e o alvoroço se alastrou pelo recinto, ela tomou sozinha a decisão de não transmitir imagens daquela cena para sua emissora. Para ela, aquilo certamente não tinha o que na faculdade se chama ‘valor jornalístico’. Mas como a rede Bandeirantes de televisão mostrou, e o chefe de jornalismo da emissora de Zileide soube que a Band mostrou e ela não, deu-lhe de pronto uma bronca pelo celular. Nossa premiada repórter estaria tentando ser mais católica que o papa!
Porém, o que no calor da emoção vira bronca, na frio da lógica pode virar prêmio. O que poderia estar por trás do episódio dos 41 mil votos negativos, se a ninguém de fora do sistema é dado saber o que acontece dentro? Se talvez nem mesmo responsáveis e ladinos podem saber, haja vista a dimensão dos problemas levantados na análise do sistema a partir do software vazado na internet? Como avaliar a hipótese levantada pelo jornalista Laerte Braga em seu blog à época, de que este poderia ser mais um ‘sinal’ a Lula, para que aceitasse as pressões de submissão aos ditames do FMI, se quisesse governar? Nenhuma especulação pode ser útil quando nem mesmo o tal episódio ganha valor jornalístico. No jornalismo, a questão do julgamento da significância antecede à da liberdade de expressão.
O que poderia, afinal, se configurar em abuso da liberdade de expressão jornalística, num ordenamento jurídico onde a função principal do jornalismo é cada vez mais a de formar opiniões, opiniões que moldam a percepção do real, percepção que cria costumes, costumes que guiam a interpretação das leis, leis que dão função ao Estado? Apenas aquilo que o detentor do poder de abusar deseje. Agindo em consonância com seus interesses, de intermediador entre os poderes econômico e político, o poder da mídia no cenário tecnológico atual abre a caixa de pandora digital em curtos-circuitos de interesses que se alastram até a função mesma do Estado. Para que serve o Estado, e o que o legitima? Gostamos de pensar que seja a democracia, mas esta é a primeira a sofrer os efeitos desses curtos-circuitos.
Saindo de moda
A tese de que a Justiça Comum já basta para coibir abusos no exercício jornalístico ignora intrínsecos conflitos de velocidade, precedência e interesse. A ignorância desses conflitos, por sua vez, erode a possibilidade do jornalista exercer um papel social que lhe seja próprio. Inclusive num Conselho Federal de classe. Um papel que envolva a sua consciência acima da sua robotização. Nesse ponto, há que se observar a experiência estranha da Globo com processos eleitorais. Por um lado, é uma das maiores responsáveis pelo ufanismo generalizado e ingênuo em torno do nosso sistema eleitoral eletrônico, ufanismo que, na verdade, é apenas uma nova roupa para o atual fascínio da sociedade com a tecnologia. Um modelito tecno-eleitoral tipo preto-básico.
Quem conhece esse modelito apenas através das teclas e do jornalismo global não pode pensar noutro atributo que não seja a perfeição. Todo e qualquer problema decorreria de falhas culturais em quem usa. Daí segue que, em havendo algum esquema de fraude explorável por quem controla o sistema, o maior valor desse esquema estaria no fato da maioria não acreditar, ou não querer acreditar na sua possibilidade. Muitos não acreditam porque não conseguem entender como funcionaria, e desses, muitos só conseguem entender o que a TV mostra. Em havendo um tal esquema, se Lula fosse fraudado no segundo turno esta possibilidade se faria crível, e adeus galinha dos ovos de ouro. Melhor tentar negociar, como sugeriu Laerte Braga, a presidência por sete governadores e um FMI.
Enquanto a Globo persegue seus interesses, que por acaso se parecem com os do capital, o império que sustenta os interesses do capital começa a ecoar problemas com o fascínio tecno-eleitoral pelo preto-básico. O modelito está saindo de moda para quem valoriza a democracia, mas a vênus platinada prefere seguir ignorando esses ecos. Por outro lado, tem o hábito de exercer truculenta liberdade semântica onde seus interesses são desservidos. No jornalismo, não se pode abusar da hipocrisia sem ofender a inteligência coletiva, e isso, em momentos de crise, pode ser perigoso.
Que tirem a máscara
Enquanto vai ignorando as mazelas do nosso sistema eleitoral, e com ele fazendo jornalismo chapa-branca, seus âncoras são obrigados a citar levianas denúncias de ‘monstruosas fraudes’ no recente referendo presidencial na Venezuela. Enquanto vai ignorando a fórmula do cala-boca para essas denúncias perante observadores internacionais, fórmula também adotada por quem valoriza a democracia nos EUA – a auditagem do sistema eletrônico por meio de voto impresso –, sua premiada repórter é pilhada tentando venezualizar a política brasileira, animando fantoches de fantasmas. Os sinais são inquietantes, pois a Venezuela foi palco recente da primeira tentativa de golpe de Estado aplicado pela mídia.
No primeiro episódio de fraude eleitoral eletrônica no Brasil, há 18 anos, a Globo agiu de forma semelhante e a experiência não foi agradável. Emplacou sua chapa-branca na apuração oficial contratada à empresa Proconsult, que fez um porco trabalho na eleição de 1986 para governador do estado do Rio. Abusou da hipocrisia e ofendeu a inteligência coletiva, escudando-se numa oficialidade que se esboroou com a tenacidade, o ativismo e o carisma de Leonel Brizola. Ao final da farsa eleitoral, seus carros de reportagem estavam sendo apedrejados pela turba brizolista enraivecida.
Entre lá e cá, a experiência de afastar o perigo vermelho com a confecção de uma estampa garbosa e collorida de presidente pasteurizado deu com os burros n´água e caras-pintadas nas ruas. Deposto, felizmente, com civismo. Mas os rancores são hoje outros. Antes de aumentar a estridência pela venezualização do Brasil, a vênus platinada e suas pelegas que ponham suas madeixas de molho. Quem não quiser a democracia, que tire a máscara que mostra a liberdade de um lado e a libertinagem do outro. Quem quiser a democracia, que aprendamos juntos a construí-la, cada vez mais difícil.
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Professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília