Sete de Setembro. Pedro Bial, da Caravana do Jornal Nacional pelas estradas do país, destinada a reportar os desejos dos brasileiros neste período pré-eleitoral, fala da triste situação da rodovia BR-116 e sugere que os candidatos à presidência façam uma viagem cumprindo todo o percurso. Pena que o jornalismo não possa fazer um mea-culpa e confessar que está cumprindo pautas muito atrasadas.
O jornalismo, principalmente o econômico, parece ter se especializado em reportar a atuação do Brasil na macroeconomia e abandonado a infra-estrutura necessária para o país crescer. Superávit, risco-país, Bovespa, Copom, investimento externo são os grandes temas diários da grande imprensa e dos telejornais. O que se lê e se ouve são entrevistas com especialistas que ora dão resultados em números, ora emitem opiniões baseadas em suas pesquisas e experiências. Esqueceram a economia local, das lanchonetes que fecham por falta de veículos nas estradas, do turismo, dos hotéis, do artesanato etc. Só interessa o agronegócio e a garantia de sua produção para a nossa balança comercial e comércio internacional.
Brasil de contrastes
Quem gosta de viajar de carro e percorre as estradas deste imenso país sabe que a situação que causou tanta indignação a Pedro Bial não é nada nova. Percorri muitas vezes as estradas do Norte-Nordeste, desde o fim da década de 70 até meados dos anos 90, quando resolvemos parar de colocar as férias da família em risco de terminar em tragédia. Bial precisava conhecer, na BR-010, conhecida como Belém-Brasília, o trecho que se pega para cortar caminho, do interior do Maranhão, Açailândia-Santa Inês, até a capital do estado, São Luís. Sempre foi péssimo, com extensões muito maiores do que as imagens exibidas na reportagem global. Falta infra-estrutura para escoar a produção do agronegócio?! Sim, mas falta muita infra para o nosso desenvolvimento sustentável.
Em 1995, quando retornei nhde longa viagem ao Nordeste, fui à missa no Mosteiro de São Bento em Brasília para, na hora das preces, pedir orações pelos caminhoneiros que trabalhavam nas estradas esburacadas e mal sinalizadas deste país. Nosso carro quebrou na estrada e tivemos que nos hospedar numa pousada em pequeníssima cidade. Foi lá que, enquanto esperava socorro, ouvi histórias terríveis numa roda de motoristas sobre o estresse e o cansaço a que são submetidos e sobre a ingestão de uma mistura de café, refrigerante e remédio para mantê-los acesos na direção.
Engraçada a situação que vivemos neste Brasil de contrastes. Nos grandes centros urbanos vemos carros caríssimos, nas estradas, nada. Para que máquinas poderosas se não podemos viajar de carro com a família e usufruir as belas paisagens deste nosso lindo país?! No Primeiro Mundo também é assim?! Claro que não. Quem gosta de viajar e alugar carro para conhecer lugares com certeza sabe que a situação do primeiro mundo é invejável. Quanto representa para a economia dos continentes europeu e norte-americano a boa condição de suas estradas e o grande fluxo de carros de passeio e caminhões? E as frotas de veículos de carga pesada do Primeiro Mundo, como são? Cada veículo enorme, convivendo democraticamente com carros leves, de passeio, de turismo.
Concertação mundial
Haja caminhões velhos nas estradas do Brasil! No início do governo Lula, mais ou menos em agosto de 2003, lembro-me do ministro Furlan anunciar entusiasticamente o projeto Modecarga, de renovação da frota de veículos de carga pesada. Como anunciar um projeto desses se não há estradas para esses veículos? Nenhum jornalista econômico, nenhum grande telejornal lembrou de aproveitar o anúncio e fazer uma grande matéria sobre as estradas para os novos veículos do Modecarga, um projeto que poderia dar grandes resultados para economias regionais se tivéssemos estradas para ele.
Falta dinheiro para jornalistas viajarem? Será preciso muitos deslocamentos? E as TVs regionais, por que não cumprem uma pauta conjunta para mostrar outras realidades deste país continental? A inovação da caravana do Jornal Nacional da TV Globo é plausível, mas seria mais plausível ainda se pudéssemos vislumbrar um jornalismo mais criativo, inteirado da reorganização que o mundo está vivendo e que o país urge viver.
Não basta ao Brasil inserir-se na macroeconomia, temos que conquistar mais igualdade e melhor distribuição de renda. Os trabalhadores do Primeiro Mundo sabem se organizar para cobrar isso nas negociações comerciais internacionais. Esse não é um trabalho que depende somente de governos. Se o jornalismo aproveitar o espaço que tem, certamente crescerá em audiência e leitura. Precisamos enxergar um futuro mais democrático, em que todos tenham voz e participem dessa concertação mundial.
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Servidora pública federal, pós-graduada em Ciência Política, e especialista em políticas públicas no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)