Como não poderia deixar de ser, os jornais destacam nesta quarta-feira, dia 11, o julgamento do senador Demóstenes Torres no plenário do Senado. As reportagens e opiniões manifestadas através da imprensa não deixavam dúvida de que ele teria seu mandato cassado.
Paralelamente, a imprensa alimenta a imaginação do leitor com notícias complementares, como a confirmação de que a construtora Delta, uma das principais operadoras do esquema controlado pelo bicheiro Carlos Cachoeira, sócio de Torres nas falcatruas, usava empresas de fachada para desviar dinheiro de obras superfaturadas.
Também se pode ler, em notas curtas, que o governador de Goiás, Marconi Perillo, esteve em Brasília para tentar convencer senadores a aliviar a situação de Demóstenes Torres. Como se sabe, Perillo também é apontado como participante do grupo.
Trata-se, portanto, de um jogo sem muitas dissimulações, no qual tanto acusadores como acusados têm direito a influenciar o processo em favor de suas posições específicas.
Mas o noticiário também demonstra que a corrupção parece ter sido absorvida como fato natural na vida política – apenas se discute quando é o caso de sacrificar um ou outro jogador, para o jogo poder ser retomado.
De Goiás vem a informação de que Demóstenes Torres tinha pouca esperança de vir a ser poupado, e tratava de se prevenir para o futuro. Sua principal cartada é trabalhar pela manutenção de seu irmão Benedito Torres Neto como procurador-geral de Justiça de Goiás. Benedito, também citado em conversações gravadas pela Polícia Federal como envolvido no esquema de Cachoeira, é o procurador-geral desde março de 2011. Sua permanência ou a escolha de um aliado para o cargo torna mais tranquila para Demóstenes a volta à carreira de procurador, para manter o foro privilegiado e em seguida pedir aposentadoria.
Quem vai escolher, numa lista tríplice, o futuro procurador-chefe é o governador Marconi Perillo. Relações cruzadas desse tipo se repetem por todo o país, onde esquemas semelhantes àquele que foi montado por Carlos Cachoeira em Goiás determinam os sistemas de poder, influenciando o resultado das urnas.
Veja-se, por exemplo, como a ação de Cachoeira alcançou o governo do Distrito Federal e chegou a outros estados, como mostra o vídeo que envolve o prefeito de Palmas, capital do Tocantins. Aliás, a exibição do vídeo no Fantástico, da TV Globo, é claramente parte das manobras de Cachoeira para manter calados seus ex-aliados e deixar claro que, se for condenado, vai levar muita gente com ele.
No altar do sacrifício
Certos detalhes do noticiário são reveladores do fato de que muitas instituições públicas foram tomadas por gente do mais rasteiro escalão moral. Aquele grupo que, durante as discussões da Constituinte de 1988, era chamado de “baixo clero”, tornou-se dominante na política, e a própria política deixou de ser em grande parte uma atividade nobre para se transformar em negócio privado no seio do Estado.
Menos mau que a imprensa se mantenha atenta para denunciar os casos mais escandalosos. No entanto, ainda faz falta um trabalho mais profundo no interior desses esquemas.
A desfaçatez com que os personagens do caso Demóstenes-Cachoeira se apresentam ao público, tentando justificar suas falcatruas, demonstra como eles acreditam na impunidade. Acontece que, para se manter dominante, o sistema da corrupção precisa de vez em quando fazer alguns sacrifícios no altar da Justiça.
Então, esses protagonistas tratam de lançar dúvidas no processo, na esperança de se beneficiar da relatividade das culpas expostas pela imprensa. E a mídia – todos eles sabem – atua segundo critérios partidários. Basta observar a subjetividade presente nas escolhas de manchetes para se constatar que existe uma métrica especial para os escândalos. Uma vez que o caso deixa de ser prioridade da mídia nacional, esses personagens se recolhem a suas províncias, onde tratam de reconstruir suas carreiras.
A leitura da imprensa regional nos informa que Demóstenes contava como certa sua cassação há algumas semanas e preparava seu retorno a Goiânia, onde o sistema tem meios para aliviar suas dores. Porque confia que, uma vez saindo do foco principal, a imprensa nacional vai se esquecer dele. Na imprensa regional, quase sempre manietada pela publicidade oficial, são raros os casos de independência em relação ao poder político.
Mesmo cassado, Demóstenes ainda pode sonhar em retornar a Brasília oito anos depois. Enquanto isso, seus parceiros haverão de lhe dar meios de se consolar da abstinência de poder