A ‘Declaração de Campinas’ vai entrar para a história da imprensa brasileira. No sábado (18/9), num comício ao lado da sua candidata, o presidente Lula afirmou que além de derrotar os adversários políticos derrotará ‘alguns jornais e revistas que se comportam como partidos políticos’. Disse mais: ‘A opinião pública somos nós’.
Preferiu não particularizar, generalizou ‘alguns jornais e revistas’; em compensação, aumentou o tom dos seus ataques à imprensa com a ameaça de acabar com os veículos que denunciam os recentes escândalos. Teve o cuidado de avisar que não aplicará a censura, ‘quem vai censurar é o telespectador, o ouvinte, o leitor’ insatisfeitos com as coberturas.
Não foi um arroubo palanqueiro, retórico: foi pensado. Minutos antes consultou o publicitário que orienta a campanha. Deveria ter consultado o ministro Franklin Martins, da Secretaria da Comunicação Social, que além de respeitado jornalista tem procurado evitar a anexação da equação venezuelana ao processo político brasileiro.
O presidente também errou ao convocar os jornalistas a abandonar a neutralidade (‘não existe ninguém neutro’, disse textualmente) para enfrentar a parcialidade do empresariado jornalístico. A convocação talvez seja ainda mais grave porque sugere uma subversão do processo jornalístico, baseado na busca do equilíbrio da informação.
O radicalismo da ‘Declaração de Campinas’ tem lógica e justificativa: ao dar a mão à palmatória e levar em conta as denúncias da imprensa, afastando a ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, o passo seguinte seria a desqualificação de jornais e revistas – sobretudo estas, causadoras da crise.
Pesos e medidas
O protesto imediato da Associação Nacional de Jornais (ANJ) era esperado, mas a histórica Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) viu na ‘Declaração de Campinas’ algo mais do que um ataque à indústria jornalística: uma intimidação ao Quarto Poder, teoricamente livre para tomar partido e opinar [ver ‘Entidades reagem a ataques de Lula‘, O Estado de S.Paulo, 20/9].
O novo round na queda de braço governo-imprensa poderá chamar a atenção da mídia internacional, que até agora sequer tomou conhecimento da nova onda de denúncias. Este é um bumerangue que, evidentemente, não tira nem acrescenta votos mas afeta a credibilidade.
Esta indiferença, quase fleuma, da mídia internacional com relação às denúncias iniciadas no penúltimo fim de semana de certa forma confirma as acusações do presidente Lula – sim, a mídia tem interesses; a mídia, sim, é parcial. A prova está no desempenho dos dois veículos internacionais com maior penetração no Brasil: a inglesa The Economist e o diário espanhol El País. A primeira por intermédio da sua principal acionista, a Pearson, acaba de fazer pesados investimentos no ensino privado brasileiro e obviamente não está interessada em valorizar os eventuais riscos da operação. Já o El País, que não esconde o seu desapreço pelo casal Kirchner na Argentina, sempre denotou grande empatia pelo presidente Lula. Na sua edição impressa de segunda-feira (20/9), na seção internacional, El País noticia ‘la sorprendente caída de José Serra’ e ao longo de uma matéria de dois terços de página, no meio do último parágrafo, dedica sete linhas à crise.
A mídia privada brasileira não é inteiramente anti-lulista: o portal de notícias Último Segundo apóia claramente o governo, assim também o grupo português Ongoing, que vem aumentando a sua presença no mercado jornalístico nacional (é proprietário do popular O Dia do Rio, do diário Brasil Econômico e do diário esportivo Marca Campeão). O semanário CartaCapital foi instado pelo Ministério Público Eleitoral a fornecer informações sobre os contratos de publicidade que mantém com o governo e empresas estatais [ver ‘Procuradoria pede informações sobre publicidade de revista‘, Folha de S.Paulo (18/9, para assinantes) e ‘Mino Carta responde à procuradora: ‘essa é uma atitude indevida’‘ (portal Terra, 17/9)].