Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Processo eleitoral e o império midiático

Talvez pela dedicação ao tema, sob a perspectiva do eleitor que crê em democracia, sou frequentemente consultado por jornalistas, outros especialistas e por parlamentares, sobre a segurança desses eleitores no processo eleitoral eletrônico [31]. Por este motivo julguei prudente, no final do ano passado, tentar obter esclarecimentos diretos da maior organização midiática no Brasil, sobre sua linha editorial para o tema. Particularmente em relação à mini-reforma eleitoral aprovada pelo Congresso Nacional – e sancionada pelo presidente da República com alguns vetos – em setembro de 2009.

Tentei obter esclarecimentos através de algum jornalista conhecido que pudesse também me informar, se fosse o caso, do desinteresse da organização em prestá-los ao público através dessa tentativa. Entrementes, depois de cinco semanas passadas sem resposta, o Jornal Nacional da Rede Globo surpreendeu com uma curiosa matéria. Pela primeira vez desde a informatização do processo eleitoral, a campeã de audiência pronunciava a expressão ‘fraude eleitoral’, para descrever fatos que passaria a narrar. Que tipo de fraude, baseada em quais fatos, e por que só agora, são questões motivam este artigo.

Os fatos preliminares foram os seguintes: quando a citada mini-reforma foi aprovada em primeira instância pela Câmara dos Deputados, o noticiário televisivo da Rede Globo sobre o tema omitiu qualquer menção a dois dispositivos que modificariam substancialmente o código eleitoral, de cujo valor jornalístico não caberia duvidar. Não caberia e não cabe, pois durante a tramitação no Senado, entre o Senado e a segunda votação na Câmara, e entre a aprovação final na Câmara e a sanção presidencial, esses dois dispositivos foram pomo de discórdia.

Os tais dispositivos haviam se tornado nó górdio de negociações desencontradas no Congresso, e assunto enviesado em várias edições do mesmo noticiário. E o jornalismo global, no seu viés, se prestou apenas a arejar intrigas referentes ao empenho de uma certa figura política em barrar os tais dispositivos e, com isso, a pautar outras. A tal figura política tentava influenciar, devida ou indevidamente, a tramitação da mini-reforma no Congresso Nacional [18] e, fracassando, influenciar a opção de veto presidencial desses dispositivos, quando da sanção do projeto aprovado no Congresso. Esse era o foco.

Repórter desinforma

Quando o projeto de mini-reforma foi modificado pelo Senado, o noticiário televisivo da Globo omitiu, dentre as modificações ali sofridas, a retirada dos dois dispositivos. Omitiu também que a dita influência política, com experiência comprovada em fraudes, havia aconselhado os senadores, em audiência pública onde falou pelo tempo que quis, a não mexerem em mais nada, a só retirarem os tais dispositivos para que o projeto não precisasse voltar à Câmara, onde poderiam ser reintroduzidos. Contrariando o conselho, o Senado retirou os tais dispositivos mas também introduziu 67 emendas, muitas de mérito, o que fez com que o projeto de lei tivesse que voltar à Câmara.

Quando o projeto de lei voltou à Câmara, e lá foi novamente apreciado e votado na madrugada de 17/09/2009, o Jornal Nacional mencionou, na chamada à matéria (por William Bonner), que a Câmara havia ‘modificado o projeto aprovado no Senado’, quando na verdade foi o contrário, pois o que a Câmara então decidira foi restaurar o que ela havia votado originalmente, usando sua prerrogativa de casa legislativa originadora da matéria. A Câmara restituiu os tais dispositivos, mantendo a versão original do projeto de lei, acrescido apenas de quatro das 67 emendas que o Senado havia tentado incluir, frustrando aquela influência política e o pragmatismo editorial da emissora, que assim lhe havia dado seu ‘valor jornalístico’.

Quem responde? Mas afinal, de que tratam esses dois dispositivos?

Suspense. Até que, vendo-se finalmente obrigada a mencionar o teor dos mesmos, para propalar que a tal influência política iria ao presidente da República pedir que fossem vetados quando a mini-reforma eleitoral lhe chegasse para sanção, a repórter da TV Globo, ao invés de informar, desinformou sobre o conteúdo de um deles – aquele que trata do voto impresso (o outro dispositivo trata do voto em trânsito). Délis Ortiz afirmou que o dispositivo em questão (artigo 5 do projeto de lei) obriga a impressão de parte dos votos, quando na verdade ele obriga a impressão da totalidade dos votos (caput, parágrafos 1 a 3) para recontagem manual de parte deles (parágrafo 4), a saber, os das urnas escolhidas por sorteio para efeito de validação da apuração eletrônica.

Solicitação de esclarecimentos

Ainda, as matérias escritas sobre o tema no portal da Globo repetiam, até onde pude observar, todas o mesmo erro, inclusive pautando erradamente cientistas políticos e outros jornalistas, alguns dos quais nos procuraram para saber do porquê de um tal dispositivo na mini-reforma eleitoral, aparentemente sem sentido. Por que imprimir parte dos votos? Os jornalistas que nos questionavam se recusavam a ler o texto final aprovado na Câmara, tomando por fato o que diziam matérias pautantes equivocadas, para publicar futricas que depois soam ridículas (por exemplo, em [7]). Se o presidente da República atalhasse um exame cuidadoso do texto aprovado pelo Congresso, fiando-se no mesmo lixo noticioso, poderia até considerar razoável o veto ali propalado. Por que tanta confusão e rastreável inépcia jornalística?

Considerando que o dispositivo que introduz o voto impresso tem a função de impedir possíveis fraudes de origem interna de continuarem como estão, a saber, impossíveis de serem detectadas por eleitores ou por candidatos sob o regime atual; considerando que a desinformação em tela impede o telespectador ou leitor de compreender, mesmo tacitamente, a função fiscalizadora do dispositivo do voto impresso; considerando que esta função é a de proteger o direito de eleitores e candidatos de conhecer o fundamento contábil do resultado das eleições; e considerando meu papel social já citado, enviei em 23/9/2009 um e-mail, por intermédio de jornalista conhecido, solicitando, a quem pudesse responder pelas Organizações Globo, de preferência o diretor de jornalismo, Ali Kamel, os seguintes esclarecimentos.

1. A desinformação prestada por Delis Ortiz no Jornal Nacional de 17/09/2009, replicada em matérias do portal da Globo (e daí em outras mídias), teria sido acidental (descuido) ou proposital por decisão editorial (texto lido)?

2. A Globo estaria disposta a reconhecer que errou e onde errou, e disposta a corrigir o erro antes que o projeto fosse à sanção presidencial?

3. A Globo estaria disposta a explicar por que o assunto desse dispositivo – a saber, o voto impresso como mecanismo de fiscalização eleitoral controlado pelo eleitor – merece dela um tratamento tão atabalhoado, canhestro ou pouco profissional?

4. Caso contrário, estaria a empresa disposta a arcar com as consequências de ignorar esse pedido de esclarecimentos, dado o histórico conturbado de suas atuações anteriores em situações semelhantes, como no caso das Diretas Já em 1987 e no caso Proconsult em 1982, em que seus carros de reportagem foram apedrejados nas ruas do Rio de Janeiro?

Alguém disse ‘fraude eleitoral’?

O encaminhamento suscitou pedido de esclarecimentos: quem era eu?, com que credibilidade questionava a veracidade de matérias jornalísticas ou a posição editorial daquela organização? Embora do jornalismo sério imagina-se merecer atenção pela gravidade dos deslizes apontados, e não pelo cacife midiático de quem os aponta, atendi prontamente ao pedido. Em um segundo e-mail enviado ao contato, informei sobre mim [1], sobre minhas credenciais para questionar a organização [2], sobre a experiência da citada influência política com fraudes [3], sobre o conteúdo da mini-reforma aprovado originalmente na Câmara [4], sobre a derrubada dos dois dispositivos no Senado [5] e sobre o texto final que foi aprovado em segunda instância na Câmara [6].

Cinco semanas depois, ainda sem resposta, na véspera do feriado da Independência, assisti à dita matéria no Jornal Nacional, sobre fraude eleitoral. Ocorrida no município paulista de Glicério. E então comecei a escrever este artigo.

Abruptamente, a campeã de audiência passara a se interessar, sem deboche, por fraudes eleitorais no Brasil, ali referente a cadastro de eleitores. A matéria mostrava, com entrevistas de moradores e tomadas de imagem em endereços implausíveis, que, além de eleitores a mais que a população, havia lá eleitores registrados com endereços fraudulentos. Mas por que o interesse em Glicério, que tem só 3.900 eleitores? E por que em fraudes cadastrais, que são fraudes de varejo e auto-anuláveis (as de candidatos ao mesmo cargo tendem a se cancelar mutuamente), quando há outros tipos possíveis, por atacado e direcionáveis (quem fraudar por último pode direcionar o resultado), indevassáveis em votações puramente eletrônicas e portanto muito mais graves, mas que o dispositivo do voto impresso permite detectar?

A curiosidade aumentou, e voltei a acionar meu contato em 3 de outubro do ano passado. Teria ele enviado meus e-mails à direção de jornalismo da Globo? Teria ele obtido retorno sobre o recebimento? O contato me informou então que sim, que havia repassado meus e-mails imediatamente, mas que se quisesse garantias de recebimento eu teria que reenviar os questionamentos e os esclarecimentos formalmente, através do canal oficial de comunicação que a organização disponibiliza na web a respeito de seus noticiários. O endereço indicado, www.falecomaredeglobo.globo.com, requer cadastro prévio e o cadastro prévio requer – na ocasião e enquanto escrevo – que o cadastrante informe seu CPF e o CEP.

Aí eu não entendi. Como um formulário eletrônico na web pode dar melhor garantia de recebimento que o testemunho oral de um contato pessoal? Pior, pois entendi o contrário. Formalmente, propuseram-me outra incerteza, noutro canal de comunicação, este puramente eletrônico e impessoal, mas ao preço da minha privacidade. Por que um império midiático precisa de CPF e CEP de quem quer saber os motivos de seus deslizes? Seria por hábito? Mas se não posso acreditar em notícias que veicula, por que haveria de acreditar na política de privacidade oferecida no cadastramento? Decidi então aguardar por resposta ao que já enviara pelo canal pessoal, ou por outras matérias, com ou sem ‘valor jornalístico’ para o jornalismo global, que pudessem elucidar minha crescente curiosidade. Nada de respostas, mas as matérias vieram.

Erosão da privacidade

Três semanas depois, por exemplo, o jornalismo global seguiu o lead de um recadastramento em Canoas (RS). Tacitamente justificado pelo ‘perigo’ – agora real, pois enganchado no Jornal Nacional – do tipo de fraude encontrada em Glicério, a captura de dados biométricos dos eleitores serviu de mote à afiliada gaúcha para publicar, no jornal Zero Hora, matéria indistinguível de propaganda divulgada pelo TSE [8]. Nessa matéria, Zero Hora tece loas à biometria nas urnas eletrônicas, apresentando-a como ‘uma inovação mundial no processo eleitoral’, sem nenhuma crítica ou análise própria. Análise de custos e benefícios? Nem traço. Como se eleitores suspeitos de serem fantasmas, ensejando fraudes auto-anuláveis em grotões, fosse o mal maior da nossa democracia, a ser combatido a qualquer preço.

Nuporanga, outro município paulista, também foi recentemente forçado ao recadastramento de eleitores. O sistema escolhido para a captura e tratamento dos dados biométricos de todo cidadão maior de idade, lá e em todo o Brasil, foi o ‘Sagem ILSS, versão 6i’, conforme os editais 42 e 79/2009 do Tribunal Superior Eleitoral (para aquisição de 2 mil ‘kit bios’ e 250 mil urnas, respectivamente) a ele direcionados [9]. Sagem é o nome de uma empresa francesa que desenvolve sistemas destinados a obter, armazenar, catalogar e recuperar dados biométricos de alta precisão para fins forenses e criminais. O produto citado em edital (o ILSS) é um software multimodal fornecido pela Sagem, homologado e usado pelo FBI e pela Interpol.

Como se trata de software proprietário, quem quiser usar o sistema, e quem quiser vender ‘kit bios’ e novas urnas ao TSE, terá que firmar contrato ou parceria com a empresa fornecedora Sagem. E quiçá também com outras, ‘para suporte’. Em 2010, o FBI buscou outra empresa para gerir seu gigantesco banco de dados biométricos: contratou para isso a Lockheed, maior conglomerado industrial-militar do planeta. Segundo matéria do Washington Post [10], o novo banco do FBI armazenará dados tais como padrões da íris e da mão, fotos em alta resolução sob vários ângulos e outras marcas pessoais. A iniciativa tem preocupado algumas autoridades devido à iminente erosão da privacidade dos cidadãos, que poderiam ter seus dados adicionados indiscriminadamente e o banco acessado também por ‘parceiros’ com interesses espúrios.

Sistema proprietário direcionado

Dessas preocupações, o FBI teria se esquivado com uma mera declaração de que apenas dados de criminosos, detentos, imigrantes e suspeitos são mantidos no sistema. A declaração do FBI é tomada pela matéria do Washington Post como garantia tácita para o futuro. Coincidência ou não, o ‘kit bio’ usado pelo TRE-SC [11] para a captura de dados biométricos no ‘recadastramento piloto’ de 2008 (antes que uma lei a autorizasse) tinha a marca Lockheed, com etiqueta da Itautec colada por cima, e capturava dados dos tipos citados na matéria do Washington Post. Cabe aqui perguntar: suspeitos de quê? De querer eleger candidato errado, eventualmente? Ou bastará a suspeita de que são suspeitos, para a coação de eleitores?

Menos mal para os leitores do Washington Post, onde efeitos colaterais da biometria têm seu valor jornalístico, ao contrário do nosso jornalismo global. Mas os leitores do WP estão apenas um passo além do jardim de infância de Homer Simpson [14], das maravilhas goebellianas da propaganda institucional tupiniquim. Pois o FBI garante o que, mesmo? Possíveis respostas deixam rastro quando se procura no Google por ‘Total Information Awareness’. No Brasil, o TSE quer usar o ILSS 6i no recadastramento eleitoral para capturar dados biométricos de natureza forênsico-criminal, digitais de alta precisão dos dez dedos do eleitor e uma foto de alta resolução que permite a identificação automatizada da face. Porém, nas suas urnas os sensores têm precisão bem menor e a foto deve ser de baixa resolução. E não há outro jeito devido aos limites de processamento da urna, que opera por bateria e tem tido vida útil de menos de 100 horas.

Para votar, conforme o atual do projeto de biometrização, os brasileiros serão identificados por comparação das digitais de até quatro dedos com representações em baixa resolução, e uma reles foto 2×2. As dos demais dedos e demais dados de alta precisão serão capturados pelo TSE, mas não serão utilizados em eleições. Por quem, como, quando e para que serão utilizados então? Tem-se o seguinte: um órgão estatal que estranhamente acumula funções dos três poderes republicanos e a prerrogativa de julgar seus próprios atos único no mundo ‘democrático’ a concentrar tais poderes –, procede à captura obrigatória, através de sistema proprietário direcionado, de dados forênsico-criminais de todo cidadão maior de idade, dos quais vai usar apenas ínfima parte, e a cruzá-los com dados pessoais como endereço etc.

Mais por comodidade do que por segurança

Cabe perguntar o que autoriza essa instituição a proceder desta forma. Qual o princípio de racionalidade funcional e de eficácia administrativa por trás dessa empreitada e da propaganda institucional a respeito? Estas são, pelo visto, perguntas sem valor jornalístico para a emissora preferida dos Homers. Mas este artigo não é para Homers, pelo que passamos a buscar respostas e a examinar efeitos indiretos das escolhas nesse proceder.

A autorização para uso de biometria em eleições surge com a citada mini-reforma eleitoral, mas a lei correspondente (Lei n° 12.034/09), sancionada em 29/09/2009, pouco detalha sobre como pode ser este uso. Na forma em que está sendo implementado este uso, identificamos dois problemas principais: 1) indefinição das condições técnicas que justifiquem, a partir de uma análise criteriosa (e não facciosa, superficial ou secundária) de função e eficácia, de custos e benefícios, a adoção do sistema licitado para a finalidade proposta; e, 2) indefinição das condições sob as quais os dados colhidos nesta empreitada poderão ser técnica ou juridicamente acessados, por quem, por quais razões e com quais medidas fiscalizatórias que garantam o direito constitucional à privacidade dos cidadãos arrolados.

Comecemos pelo primeiro. A identificação automática por biometria (por impressão digital, imagem da íris, face etc.) se dá por conjuntos de técnicas probabilísticas, por meio de algorítmico de dados que representam reconhecimento de formas aproximadas, o que significa que sua acuidade nunca será 100%. Por isso as tecnologias eletrônicas que buscam mais acuidade têm custo exorbitante. Também por isso, essas (as mais caras) são mais adequadas em forênsica (investigação de autoria de crimes) do que em controle de acesso (no caso, para votar). Biometria para controle de acesso se justifica mais pela comodidade, por não exigir documento, do que pela segurança. Para segurança, o uso de biometria se justifica apenas em casos em que o risco de falsificação de documento identificador é inaceitável.

Salvaguardas contra quê?

Para controle de acesso, a biometria não impede formas não-documentais de fraude justamente porque sua função identificadora é probabilística: alguém já viu alguma catraca ou fechadura biométrica que não tenha um mecanismo ou cancela lateral para exceções (falsos negativos, erros ou falhas de cadastro etc.), ou seja, para liberações manuais? Quanto a esta limitação natural das técnicas biométricas, as urnas eletrônicas com sensores biométricos – todas as 250 mil licitadas pelo TSE em 2009 – não são nem poderiam ser diferentes. A única diferença é que nelas a cancela lateral, para votação sem identificação biométrica (em tese, para contornar falsos negativos), é invisível ao eleitor, pois é virtual. Pode ser liberada com oito tecladas no terminal de controle, oito a mais que nas urnas sem sensor biométrico.

Portanto, fraudes por meio da liberação indevida da urna eletrônica por um mesário desonesto são possíveis com ou sem biometria. O mesário pode digitar, e continuará podendo, no terminal que controla a urna o número do título de um eleitor que ainda não apareceu para votar, como se tivesse acabado de conferir a sua presença, para que um intruso no aguardo vote em nome dele. O que muda com a biometria é apenas o passo adicional do mesário ter de cancelar a identificação de quatro impressões digitais do intruso, como se estas fossem falsos negativos do eleitor ausente. A única ‘salvaguarda’ oferecida pelo TSE contra esse tipo de fraude com biometria é o armazenamento das digitais canceladas para posterior averiguação. Mas será que essa ‘salvaguarda’ teria eficácia? Ilustremos a dúvida com alguns casos reais e recentes.

Na eleição de 2008, em vários municípios da Bahia, mais da metade dos mesários foi substituída no dia eleição: cedo surgiram pessoas dizendo-se substitutos do mesário nomeado e ausente, que presidiram seções eleitorais e controlaram as urnas (a senha, a mesma em todas as urnas, está no manual da urna e até na internet). Muitos desses substitutos, ao final, remeteram o disquete e a papelada sem assinar nada, nem a ata de votação [12]. A questão de qual disquete teria chegado à totalização é porta para o tipo de fraude conhecido como ‘urna clonada’ [21], mas tais irregularidades não foram investigadas. Não é à toa que nunca ninguém provou ter havido fraude com esse sistema. Em Timon (PI), também em 2008, um eleitor lambuzou o teclado da urna com fezes [13] e a averiguação da autoria do feito não deu em nada.

Se as irregularidades com os súbitos substitutos na Bahia (que na verdade são ilegalidades flagrantes, pois ocorreram fora do prazo) não foram investigadas, por que as liberações de voto por suposta falha biométrica na identificação de eleitores, que são apenas suspeitas, seria? Se o protesto de um eleitor em Timon (que deixou rastro abjeto na urna) suscitou investigação que não deu em nada, por que a investigação de digitais biométricas canceladas, que nem fedem nem cheiram, daria? E mesmo que – contrariando os padrões observados – elas venham a dar, para um intruso ‘fantasma’ se garantir com a biometria basta lambuzar quatro dedos com cosmético para apagar seu rastro e legitimar falsos negativos na identificação do votante que ‘inocentam’ qualquer mesário. E ainda sair perfumado.

Alguém comparou custos com benefícios?

E tem mais. O que a biometria é capaz de fazer com o onipresente risco de fraude cadastral é concentrá-lo, centralizando seus meios na preparação do software das urnas. Com a biometria, os verdadeiros negativos podem ser antes furtivamente desprogramados para seções eleitorais selecionadas, o que permitiria nelas o voto fantasma, que o leigo Homer agora acredita ser impossível devido à biometria, em fraudes tornadas invisíveis e indevassáveis por via de colusão interna. A crença de que o uso de biometria impede eleitores de votar por outros é, além de ingênua, também perigosa, pois erode o senso cívico do papel da cidadania numa democracia.

O papel do cidadão numa democracia não é apenas o de votar, é também o de fiscalizar. Fiscalizar não só o exercício dos mandatos eletivos, mas também – na era digital, principalmente – o processo eleitoral. Existem técnicas certeiras, simples e baratas, amplamente testadas, tão antigas quanto a democracia moderna, para neutralizar tentativas de alguém votar mais de uma vez numa eleição. E, também, técnicas contra tentativas de contá-los ou inseri-los indevidamente [35]. Técnicas que são fiscalizáveis por todos, com ou sem doutorado em computação, tanto mais eficazes quanto mais fiscalizadas. Por que essas técnicas foram combatidas na mini-reforma, ou descartadas pelo administrador eleitoral nessa empreitada pelo ‘aprimoramento do sistema’?

Um regime eleitoral não pode tratar o eleitor como se fosse bandido em potencial sem cercear seu direito – e dever cívico – de fiscalizar eleições. Uma administração eleitoral que assim procede não apenas cerceia esse direito, mas também fere a dignidade do eleitor, deseducando-o sobre democracia e contaminando a mesma com concentração de riscos. Qualquer propaganda que induza crença contrária, de que tal procedimento ‘aprimora a democracia’, além de enganosa, é também perigosa. Pode levar à sensação de que um sistema eleitoral assim administrado é infalível, programado e operado por seres angelicais, enquanto blinda seus agentes contra fiscalização efetiva e transforma a fiscalização permitida em puro teatro [15]. O que pode corroer a democracia por dentro. Os recadastramentos de Canoas e Nuporanga foram precedidos por massiva campanha publicitária nesse sentido, de origem institucional e alcance nacional, que deve ter carreado vultosa receita à emissora campeã de audiência.

Mas o jornalismo não precisa – e o jornalismo sério não deve – confundir publicidade com notícia, como na citada matéria sobre o recadastramento em Canoas. Onde a propaganda diz ‘o poder em suas mãos’, a notícia é o poder sobre suas mãos. Se a confusão é contumaz [16], a pecha de emissora ‘do Homer’ [14] faz jus ao auto-apelido, mormente para conspiracionistas. Como essa pecha já me foi lançada pela citada figura política quando já combatia o voto impresso em 2002 [17], resta-nos prosseguir. Já discorremos sobre a nulidade de benefícios que a identificação biométrica poderia trazer para a finalidade alardeada em propaganda institucional, benefícios esses confundidos com notícia sob pretexto de tratar-se de ‘inovação mundial’, o que nem é, pois há regimes de inclinação totalitarista que já adotaram a identificação biométrica em seus processos eleitorais (como os da Venezuela e da Bolívia). Cabe ainda discorrer sobre os custos.

R$ 800 milhões por eleição

Para termos um cenário indicador de plausíveis respostas ao primeiro problema (sobre a real utilidade desta empreitada), um aspecto orientador diz respeito aos custos operacionais, diretos e indiretos, do uso de biometria para a finalidade alardeada. Sob o comando da mesma influência política que ainda segue combatendo o voto impresso, o ‘teste’ de impressão de votos em 2002 foi marcado por erros operacionais que causaram muitas filas e atrasos na votação, e a medida foi depois descartada sob pretexto da complexidade e do custo excessivo. Todavia, diferentemente daqueles erros, que foram contingentes mas evitáveis ou propositais [19], com a identificação biométrica as muitas filas e atrasos na votação serão causadas, basicamente, por limitações técnicas incontornáveis.

Filas e atrasos serão causados por inapeláveis dificuldades e erros na leitura biométrica decorrentes da técnica identificatória, da limitação de processamento e de resolução no equipamento de votação, já muito oneroso. Mesmo antes das urnas eletrônicas agregarem sensores biométricos, elas já apresentavam custo geral (aquisição, manutenção etc.) por hora de vida útil absurdos, indicando a irracionalidade de se tentar contornar tais limitações com mais troca de equipamentos. Ainda mais por razões mal explicadas. No teste oficial da biometria licitada, conduzido na eleição de 2008 em Colorado D´Oeste (RO), estas obviedades técnicas já se manifestaram, e de uma forma que o tecno-triunfalismo ingênuo-ufanista não poderá escondê-las. Citando matéria do portal ‘Convergência Digital’ [20]:

‘A votação pelo sistema biométrico em Colorado D´Oeste, em Rondônia, chegou a atrasar a apuração. Mas o motivo foi a demora na identificação das impressões digitais de algumas eleitores. Isso fez com que fosse preciso captar as digitais de outros dedos. Só depois a urna foi liberada para votação. (…) O excesso de eleitores em um mesmo local somada às dificuldades do novo sistema provocaram filas de dezenas de eleitores. A média de espera nessas seções foi de três horas e meia por eleitor.’

Do custo indireto ao direto: os gastos com o processo de introdução e uso da biometria (equipamentos, coleta, arquivamento etc.) não estão sendo oficialmente divulgados, mas pode-se estimá-los acima de R$ 3 bilhões. Apenas para o batimento no cadastramento de eleitores (conferência contra duplicidades), passo fundamental para qualquer utilização eficaz desses dados visando à finalidade alardeada, empresas fornecedoras desses sistemas costumam cobrar em torno de US$ 3 (três dólares) por registro, o que resultaria em quase R$ 800 milhões por eleição no Brasil. Isso se as baterias atuais aguentarem.

Devemos lembrar que a natureza probabilística das técnicas de identificação biométrica exige mecanismo de exceção para contornar os inevitáveis falsos negativos, o que deixa o risco de fraudes com mesários desonestos exatamente onde sempre esteve, quando não o concentra. E também ter em mente que o direcionamento para um sistema proprietário fechado (Sagem ILSS 6i), e a qualificação de um só intermediador na licitação [9], podem explodir esses custos (pelo vendor lock-in) quando essa base de dados e o uso (legítimo ou não, secreto ou não) que dela venha a ser feito já estiverem consolidados. Resumindo, a complexidade eletrônica e o custo inicial da biometria superam em muito a complexidade mecânica e o custo da impressão do voto; a eficácia da biometria para o finalidade alardeada é irrisória, se não negativa (concentra riscos), e seu custo subsequente desconhecido, mas nas condições impostas propensamente crescente.

Práticas abusivas

Para a finalidade anunciada em propaganda institucional (qual seja, a de impedir fraudes na identificação do eleitor), existem alternativas à biometria. Alternativas mais coerentes e racionais, bem mais baratas e amplamente testadas, usadas em vários países democráticos, tais como o uso de tinta indelével para pintar o dedo dos eleitores que já votaram. Porém, as alternativas não parecem ter sido consideradas no processo decisório que deu marcha à atual biometrização. O que nos remete à questão de fundo que pode vincular os dois problemas levantados. Quem decidiu assim, e por quê? As respostas oficiais, todas mágico-fetichistas, circulam pelos canais dos Homers. Tipo assim, abracadabra: ‘É a modernização!’, ‘Inovação mundial!’ etc. Puro tecno-triunfalismo ingênuo-ufanista. Cabe então ao zeloso cidadão, aos netos da revolução de 1930 e conspiracionistas assumidos, ler nas entrelinhas.

Um aspecto que logo chama atenção nas entrelinhas é a responsabilidade criminal do eleitor pela correção dos dados pessoais (endereço etc.) que se agregarão aos biométricos. Por se tratar de dados ‘para cadastro eleitoral’, o código eleitoral impõe tal responsabilidade sob pena de até cinco anos de reclusão (artigo 350 da Lei 4737/65). Se a polícia obrigasse diretamente todo maior de idade a fornecer os mesmos dados, a cada dois ou quatro anos sob as mesmas condições, alguém poderia considerar isso uma violação constitucional do direito à privacidade, e uma tentativa de instalação de regime policialesco. Mas não os que alucinam com o chá do santo byte, consumido no circo tecno-triunfalista das eleições-como-espetáculo [23], mesmo sabendo que é a polícia que está sendo escalada para gerir esses dados.

Outro aspecto inquietante é o das condições contratuais para uso dos componentes do sistema Sagem. Um sistema constituído por software proprietário nunca é ‘adquirido’, ele é licenciado. Nesse caso as licenças, os termos contratuais pelos quais o TSE adquire o direito de usar os componentes de software que exigiu em edital, e pelos quais o fornecedor desses componentes se reserva os direitos que lhe convém, inclusive para condicionar, limitar e monitorar o uso do sistema, são os principais objetos da licitação. Todavia, parece que os editais do TSE descuidaram de qualquer condição contratual que vise a preservar a soberania do Estado brasileiro em empreitada tão sensível. Salvo melhor juízo, dada a prática comum, esses termos ficarão por conta do fornecedor, já agraciado com milionário edital direcionado, através de contrato ‘de adesão’. Mesmo com o licitante sabendo, ou devendo saber, de práticas contratuais e executórias corriqueiramente abusivas por parte de fornecedores monopolistas de software proprietário [29]. Aliás, esta não seria a primeira vez que o TSE comete esse tipo de descuido [30].

Malandragem migrou para a informática

A respeito desse tipo de descuido, se parecer picuinha podemos citar dois exemplos desastrosos. Um, na licitação para o sistema de radares da Amazônica (Sivam). Outro, relativo ao sistema de controle do Veículo Lançador de Satélites (VLS). No caso Sivam, a concorrência entre fornecedores pré-qualificados pelo edital licitatório foi sacrificada: a empresa Thompson foi desqualificada, sobrando apenas a Raetheon. Para licenciar os softwares que controlam os radares, o fornecedor sobrante, até onde se sabe, emplacou as condições contratuais que quis. Em consequência, hoje não sabemos como seus softwares caixa-preta processam os dados dos nossos radares, nem quem mais acessa esses dados e como, nem quem controla tudo em última instância. Mesmo tendo o contribuinte pago os olhos da cara, não temos o direito de adaptar ou evoluir o controle desses radares para nossas necessidades. Não temos nem mesmo meios técnicos viáveis, já que o acesso editável ao código-fonte de software proprietário é normalmente bloqueado pelo fornecedor, e o correspondente código executável muitas vezes é ofuscado.

No caso Sivam, ocorreu a desqualificação da concorrente por exposição pública de tráfego de influência, indicando corrupção no processo licitatório. Mensagens comprometedoras vazaram para a imprensa através – suprema ironia – de espionagem eletrônica privada. Já no caso VLS, ocorreram quatro acidentes seguidos, o último imolando boa parte das melhores mentes do Programa Espacial Brasileiro, acidentes sobre os quais a investigação oficial nada pôde concluir. Quatro tentativas consecutivas de lançamento de foguetes falhando com acidentes catastróficos deveria levantar a suspeita de sabotagem, mas talvez porque o software que controla os lançamentos tenha componentes essenciais que são proprietários e inauditáveis [22], nada se concluiu. Aqui a suprema ironia é que nem isso – se o sistema digital que controlava os lançamentos é auditável ou não – a investigação divulgou.

Nada disso, obviamente, nada relativo às conexões subterrâneas entre informática e poder, tem valor jornalístico para os Homers e sua favorita organização midiática. A não ser na medida em que se prestem a miúdas politicagens. Como, por exemplo, onde ao final de fevereiro desde ano Elio Gaspari escrevia, em coluna publicada em vários jornais afiliados:

‘Aquilo que num pedaço do mundo é progresso, no Brasil tornou-se avenida de inépcia e da ação de atravessadores. Boa parte das roubalheiras do governo José Roberto Arruda passava pela contratação de serviços de informática. […] Um pedaço da malandragem que se nutria vendendo serviços de segurança, manutenção e logística migrou para a informática. Nela ainda é fácil maquiar preços, aditivos e contratos de assistência.’ [34]

Simples dissonância cognitiva

Não, o colunista global não está se referindo, no geral, a estranhas atravessagens envolvendo a empresa Lockheed, a velhacas espionagens digitais privadas, ou a obscuras terceirizações no processo eleitoral. Nem mesmo em tese: o título da coluna é ‘A privataria petista é diferente, e pior’ e a bronca é por conta da proposta de se reativar a Telebrás com o intuito de prover serviço de banda larga nos rincões onde as empresas de telecomunicação privatizadas não querem ir. Arruda e suas parceiras de informática foram apenas um bom gancho, emprestando-lhe visível atualidade sob um verniz apartidário. A bronca do colunista não tem nada a ver com possíveis conexões entre prestadoras de serviço de informática metidas em ‘roubalheiras do governo’ e aquilo mais em que elas poderiam estar metidas, como por exemplo em prestações de serviços terceirizados de informática para votações que ‘elegem’ esses mesmos governos.

A bronca global não tem nada a ver com certos políticos estarem cada vez mais atrevidos, alardeando convictos que mesmo enlameados por denúncias de corrupção irão se reeleger… com essas urnas. Nada a ver com o ‘dono’ dessas urnas estar judicando em causa própria e legislando através de resoluções e ‘acordos de cooperação técnica’ [24], para não só transformar o direito do eleitor fiscalizar eleições em teatro inócuo [26] e perigoso (veja [33]), mas agora também para montar um banco de dados pessoais e biométricos de natureza forênsico-criminal, a ser controlado pela Polícia Federal [24] e sabe-se lá mais quem, sob pena de se imputar crime eleitoral a quem fornecê-los incorretamente. Por outro lado, nisso o secretário de informática do TSE deve ter algum mérito, pois também foi ele recentemente agraciado com um cobiçado prêmio de ‘personalidade mais inovadora do ano’ [25].

Tudo isso, ao contrário das iniciativas governamentais para prover banda larga a desvalidos, é tabu no jornalismo global (e na OAB?). Mas, na dúvida, cabe perguntar se a maior organização midiática no Brasil teria mesmo um tal viés maquiavélico. Ou se seriam as opiniões aqui vertidas mera paranóia conspiracionista. E esse artigo, simples dissonância cognitiva.

Os ‘teóricos da conspiração’

Será? Quando foi o Instituto Millenium a convidá-lo para se manifestar, o diretor de jornalismo da TV Globo Ali Kamel teve algo a dizer publicamente (em 16/06/2009). Não diretamente sobre a linha editorial que pratica com os temas aqui ventilados, mas sobre certa dissonância cognitiva que os envolve, como frutos do mesmo avanço tecnológico. No que então disse Kamel, pela leitura do sociólogo Sergio Amadeu [27], ele estaria ‘destila[ndo] as premissas ideológicas de combate à internet e prepara[ndo] o discurso de suas tropas de desembarque no mundo das redes’:

‘Contribuiu largamente para isso [para a estratégia de ocupação do ciberespaço pela sua organização não ter dado certo] a crença de que a internet, por natureza, é um espaço sem dono, livre, democrático. Não é verdade: não existem terras de ninguém. O que tem prevalecido é uma terra com novos donos que, até aqui, têm tido êxito em chamar de liberdade o que é puro roubo.’

No ciberespaço (comparado por Kamel à ‘terra’) tem prevalecido que continuo ‘dono’ das opiniões que lá expresso. Até aqui, tenho tido êxito em lá exercer minha autonomia de autor. Autonomia outorgada por lei – nº 9610/98 – que me dá o direito de lá circular tais opiniões com as liberdades que me convenha chamar sobre elas. As opiniões nesse artigo, por exemplo, lá eu as circulo com as liberdades chamadas pela licença CC BY-NC/BR 2.5. Para isso eu não preciso roubar. Não roubo galinha, nem computador, não roubo conexão de rede, não roubo espaço em servidor web, não roubo nome de domínio ou endereço IP, muito menos as opiniões mesmas. É tudo pura e simplesmente adquirido, expresso, fixado e circulado na legalidade atual. Tudo parte da minha missão docente.

Portanto, só posso entender essa diatribe de Kamel como ameaça de cibergrilagem [28] – por quem detém armas midiáticas de manipulação em massa –, como calúnia difusa, ou como ambas. Kamel não é o primeiro nem o único soldado dos barões da mídia a perfilar-se nesse combate. Por dez anos essas tropas ocuparam a OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual), na tentativa de legitimar cibergrilagens através da aprovação forçada de um ‘tratado de broadcasting‘. Mas houve resistência, e eles, impacientes, debandaram em 2007 para negociar em segredo – entre um restrito grupo que passou a incluir outros grandes interessados – um tratado mais amplo, agora ‘contra falsificação’ (ACTA), o qual depois tentarão, atropelando parlamentos, impor sobre os atores do ‘livre comércio’ mundial [32].

Como se sintonizam ou se articulam os que se sentem donos ‘da terra’, e qual interesse maior nutrem em comum, são questões escamoteáveis só até certo ponto. Se o dispositivo do voto impresso – que entrará em vigor só em 2014 – vier a ser apenas um ‘bode na sala’, para que essa autorização de uso da biometria acabasse passando, tal manobra não será novidade, e condiz com sua cobertura midiática (e com a sagacidade de Michel Temer). O mesmo bode já esteve na Lei 10.408/02, revogado em 2003, para que a centralização completa da apuração de votos (RDV) então passasse [26], capitaneada pelo mentor dos mensalões.

O maior interesse comum entre os que se acham donos da terra é por mais e mais controle e mais e mais poder, e para isso eles contam com as tecnologias digitais; em algum momento, os frutos disto se farão óbvios. Debochar dos ‘teóricos da conspiração’ soará cada vez menos engraçado. Doutra feita, para quem quiser já conhecer esses frutos e suas sementes, as profecias bíblicas soam cada vez mais cristalinas.

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Matemático, professor de Ciência da Computação na Universidade de Brasília, coordenador do Programa de Extensão em Criptografia e Segurança Computacional da UnB, conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito e Política de Informática, ex-conselheiro da Free Software Foundation América Latina, ex-representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Infra-estrutura de Chaves Públicas brasileira; www.cic.unb.br/docentes/pedro/sd.php