A defesa feita pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e Associação Nacional de Jornais (ANJ) para a aplicação de restrições ao capital estrangeiro em veículos de comunicação que usam a internet como plataforma não convenceu o procurador da República Márcio Schusterschitz da Silva Araújo. A ação movida por estas entidades contra o portal Terra, do grupo espanhol Telefónica, na Procuradoria Geral da República (PGR) teve parecer contrário do procurador da República Márcio Schustershitz, que analisou o processo. O procurador sugeriu o arquivamento da ação, mas a decisão final ainda depende de um pronunciamento da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão da PGR. As entidades poderão recorrer caso o arquivamento seja homologado.
Schustershitz entendeu que a limitação à participação de empresas estrangeiras em veículos de comunicação, descrita no artigo 222 da Constituição Federal, não se aplica à internet, que é um ambiente caracterizado pela ‘heterogeneidade, excepcionalismo e globalidade’. O artigo 222 estabelece um limite de 30% de participação de capital estrangeiro em empresas de comunicação no Brasil e reserva a brasileiros natos ou naturalizados há 10 anos o controle administrativo e editorial dessas empresas. A íntegra da manifestação do procurador está disponível aqui.
Para a Abert e a ANJ, organizações como o portal Terra teriam que se adequar à mesma limitação por serem empresas de comunicação. Mas, para o procurador da República, os portais de internet não têm a mesma natureza das empresas de TV, rádio, TV por assinatura, jornais e revistas, considerados casos clássicos de ‘mídia tradicional’. ‘De fato, em comparação com as mídias tradicionais, a internet está associada a uma série de características responsáveis não apenas por sua novidade mas por lançar a rede como um novo modelo de organização das interações humanas’, avalia Schusterschitz. Uma das características típicas da internet listada pelo procurador em confronto com o perfil das mídias tradicionais é o fluxo peculiar de informações na rede, onde o agente gerador de informações se confunde com o receptor.
Passividade
Nos meios tratados como ‘comunicação social eletrônica’ pela Constituição – as mídias tradicionais no entendimento do procurador – uma das características mais flagrantes é a passividade de quem recebe a comunicação veiculada por esses sistemas. Por conta desse aspecto é que os legisladores teriam estabelecido limites para contornar ‘problemas do poder, do controle da opinião pública, da determinação da agenda pública de debate, de igualdade e exclusão’, nas palavras do procurador. Um dos mecanismos de controle é, sem dúvida, o artigo 222 da Constituição e sua limitação ao capital.
Comunicação livre
No entanto, no caso da internet, essas limitações para prevenir a influência da opinião pública não são necessárias por conta da própria natureza do meio, onde as informações são selecionadas pelos próprios leitores, reduzindo o poder dos veículos de comunicação no ciberespaço. ‘Não se pode isolar um agente comunicante do contexto maior da rede. Um portal de notícias é um nó a mais na rede, ainda que em maior fluxo de comunicação ou ligado a mais pessoas. Seu conteúdo pode ser repassado, criticado, confrontado, divulgado ou comentado em rede. Em tempo real’, frisa o procurador.
Sem exclusividade
‘Os portais, ainda que mantidos por pessoas jurídicas, não fazem a internet, não são nós exclusivos de informação, não dominam o que o público irá fazer com o conteúdo divulgado, como irá recebê-lo, repassá-lo, criticá-lo, ou ainda parodiar, comentar, alterar, incorporar ou associar. O portal é imerso. A rede permite voz ao seu leitor’, complementa mais adiante. Por conta dessa dispersão de poder que ocorre nessa nova mídia, a Advocacia Geral da União (AGU) entende que a limitação de capital não é necessária na internet.
‘Pode-se concluir que, sem necessitar de uma visão libertária ou de recusa de qualquer intervenção na internet, mas apenas para distinguir internet das mídias em um modelo tradicional que leva à categoria comunicação social, deve ser reconhecido o excepcionalismo da internet’, conclui Schusterschitz. Na prática, o procurador entende que a internet não é ‘comunicação social’ e sim um ‘novo meio de difusão’ cujas características afastam os riscos típicos do controle de poder existente nas mídias tradicionais.
Ongoing sob investigação
A ação da Abert e da ANJ questionava também a legalidade da operação no Brasil da Empresa Jornalística Econômico S/A, responsável pela edição do jornal Brasil Econômico. As entidades denunciam que a empresa seria controlada, na verdade, pelo grupo português Ongoing, que também ditariam a política editorial do jornal veiculado no Brasil, infringindo as limitações do artigo 222 da Constituição.
Este item da ação acabou sendo prejudicado pela existência de uma investigação idêntica em andamento na AGU. Assim, a sugestão de arquivamento vale para toda a ação movida pela Abert e pela ANJ, mas no caso da denúncia envolvendo o jornal Brasil Econômico não houve análise do mérito pois a AGU já analisa o caso em um processo separado.