Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Professora de RP retira seu nome da lista



Ninguém cometeu erro maior


do que aquele que nada fez,


só porque podia fazer muito pouco.


Edmund Blake


Menos de 24 horas depois de o OI ter publicado meu artigo ‘Os responsáveis pela bagunça são…’ [ver remissão abaixo], com os nomes de alguns acadêmicos listados como co-responsáveis pela balbúrdia hoje existente no mercado de trabalho da área de comunicações, onde o Brasil é uma triste exceção mundial por permitir que jornalistas atuem como assessores de imprensa, deixando-os diretamente submetidos ao poder econômico, uma relações-públicas e professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo conseguiu retirar o seu da lista. O nome e a referência a como é considerada na sua categoria profissional foram suprimidos do texto. Que ainda ganhou um adendo dos responsáveis pelo portal:




‘Nota do OI: Às 17h38 de 27/10/05 foi retirada uma frase deste artigo, por veicular conteúdo ofensivo, e modificada uma outra, por conter erro factual. A ofensa passou involuntariamente, e por ela o Observatório pede desculpas. E este registro é feito apenas para constar que este erro existiu. (Luiz Egypto)’


Atente-se ao fato de que não se tratava de nenhum palavrão, nenhuma expressão de baixo calão, mas o emprego simples e direto do termo comumente aplicado no noticiário político quando, por exemplo, alguém deixa de votar pela orientação do seu partido. E que ouvi, realmente, a mesma expressão com relação a referida professora da boca de vários profissionais de RP que consideram que ela joga contra os interesses da sua categoria.


É um insulto? É uma verdade? Pouco importa. O objetivo principal da professora de RP era retirar seu nome da lista. Oferecida a oportunidade para que escrevesse um artigo refutando minhas colocações, recusou afirmando que só o faria no momento apropriado. Quando? Aguardaremos ansiosos. Minha experiência profissional com RPs e assessores de imprensa (AIs) é de que a via democrática do debate nunca é o caminho escolhido. Preferem impor a censura, ameaçam com processos e o fazem efetivamente, já que a Justiça é o veículo ideal para postergar conflitos que duram anos. Mas jamais se submetem ao confronto de idéias e informações, ainda mais quando sabem que não favorecerão sua imagem.


Minha primeira reação de gaúcho pisado no poncho foi de pedir que retirassem meu artigo do portal. Carregar a pecha de ofensivo pelo resto da vida, com o respaldo de colegas jornalistas como eu, responsáveis por um site de grande prestígio no meu meio profissional, doeu no fundo da alma. Mas, por tomar atitudes do gênero, acabei passando por 36 redações ao longo de 44 anos de carreira, sempre caindo na armadilha de RPs e AIs que conseguem seu principal objetivo. Calar o jornalista que põe o dedo na ferida. Para tanto jogam sempre muito bem com a hierarquia estratificada em toda redação.


A paciência e a solicitude adquiridas na velhice me aconselharam a absorver mais esse golpe. A compreender que quem for tocado vai berrar e espernear quando alguém mexer no seu ferimento, mesmo que o faça com a intenção de ajudar a curá-lo. E que algum piedoso com sua dor vai aproveitar para demonstrar que ‘aqui quem manda sou eu’.


Forma de reparação


Por minha vontade, o nome e a adjetivação permaneceriam no texto. Afinal, por isso me responsabilizo. Se processado, levaria três ou quatro testemunhos que confirmariam a informação publicada e seria mais uma vez absolvido. Afinal, nunca perdi uma ação, mesmo quando enfrentei potentados como o militar ex-prefeito de Brasília de grande prestígio no regime então vigente. Chamei de ladrão, provei que era ladrão e os juízes em todas as instâncias a que ele recorreu não só me absolveram como mandaram abrir inquérito para apurar a denúncia que fiz. Inquérito que não andou, obviamente, mas estes são outros quinhentos.


Também discordo da mudança de classificação do marido da professora, de ex-jornalista, como havia colocado no artigo, para jornalista. Pelo meu critério e pelas leis em vigor no Brasil, assessor de imprensa não é função jornalística e todos que a exercem considero ex-jornalistas. Em Portugal, o jornalista que for trabalhar em assessoria deve devolver a carteira no sindicato. É por isso que me bato no Brasil. Se o OI tem outro critério não é problema meu. Meus textos devem sair de acordo com o que penso e defendo.


Se meu ‘insulto’ tivesse sido tolhido na casca, esse ladrão jamais seria reconhecido como tal. Um dos juízes escreveu, inclusive, que, diante da impunidade existente no país, as minhas colocações sobre ele nas reportagens publicadas seriam a única forma de reparação que as vítimas desse estelionatário, oficial de alta patente e até então com grande prestígio na imprensa corrompida, teriam em suas vidas.


Prova do conflito


No meu entendimento, não é possível fazer jornalismo com a preocupação de não ser ofensivo. Se pretendesse ser gentil e cavalheiresco com todo mundo teria optado pelo curso de Relações Públicas no segundo semestre. Opção que recomendo, hoje, a todos os que pretendem trabalhar como AI no futuro, porque essa função é restrita aos diplomados em RP, conforme a legislação vigente no país.


O fato de as lideranças sindicais pelegas terem conseguido manter a obrigatoriedade do diploma na área do jornalismo, o que considero um terrível retrocesso e erro de estratégia, vai acirrar ainda mais o confronto com os RPs. Se eles não podem trabalhar como jornalistas, como poderemos exigir que aceitem a invasão do seu mercado por todos aqueles que não conseguirem um emprego na imprensa? A desregulamentação do jornalismo poderia ser o caminho para se conseguir também a desregulamentação da área de relações públicas, como acontece em países como Estados Unidos, Portugal, França, Itália e outras democracias avançadas. Agora, o confronto corporativista ficará ainda mais contundente.


A reação da professora de RP é mais uma prova cabal do conflito entre jornalismo e assessoria de imprensa. Nossos preceitos éticos são muito diferentes, jamais as duas profissões poderiam ser confundidas, como se faz aqui, com o amparo discursivo de muitos acadêmicos. Nem todos, porém, seguem essa toada, tanto que na própria ECA, onde a professora leciona, ainda não se conseguiu introduzir a cadeira de AI no currículo básico. Professores apegados à velha escola e estudantes que entraram na faculdade pretendendo ser jornalista resistem às pressões de um grupo minoritário que luta por isso.


Sagrado direito


No meio desse pega, entro eu, meio de gaiato, sem nunca ter tido propensões para o ensino, para lembrar que nos códigos de ética das democracias avançadas se impede que jornalista trabalhe como AI. Alguns pretendem que, com essa bagunça no nosso mercado, com parte dos diplomados em Jornalismo submetidos diretamente ao poder econômico, contratados ou com a possibilidade de serem contratados como assessores de imprensa de políticos, empresários, instituições e personalidades que podem pagar para ter sua versão valorizada, o Brasil dá um exemplo de modernismo. Ledo engano.


Os políticos com interesse em manter os jornalistas em AIs já teriam modificado a legislação se não soubessem que isso derrubaria a posição do Brasil no ranking dos países com liberdade de imprensa. Despencaríamos do nada honroso 54º lugar para um patamar no fim da lista, junto com Cuba e China. Por isso a proposta do Conselho Federal dos Jornalistas, tecida pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) nos umbrais palacianos acabou engavetada sem chegar ao plenário e inúmeros outros projetos de lei com o mesmo objetivo tramitam há décadas sem jamais serem votados.


Tenho absoluta convicção de que quando esse debate que consigo, a grande custo, manter em alguns sites restritos, chegar ao conhecimento da opinião pública, crescerá a pressão para que a situação dos milhares de diplomados em jornalismo que trabalham como AIs seja regularizada. Porque a população tem o sagrado direito de receber informações isentas e reconhece no jornalista o único profissional capaz de lhe prestar esse serviço. Esse é um direito que não pode ser conspurcado pelo poder econômico e é em nome dele que no resto do mundo democrático vige um princípio básico: jornalista não pode fazer assessoria de imprensa.


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Nota do OI: O autor tem razão e não tem. Sua razão reside em que, por equívoco meu, ao cortar do texto a tal expressão ofensiva deletei inadvertidamente o nome da professora Margarida K. Kunsh, o que tirou o sentido original da frase do artigo e pelo que me penitencio. E não tem razão em reclamar da eliminação do termo ofensivo: embora garanta o direito de opinião de seus colaboradores, o OI não publica ofensas pessoais – muito menos aquelas resguardadas entre aspas atribuídas a ninguém. (Luiz Egypto)

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Jornalista