Senhoras e senhores, esta é a terceira e última parte do EnBoBEsta. Porém, não se esgota por aqui o besteirol municipal e nem que este exista apenas nesta esfera – vigem também o das campanhas para os cargos estaduais e federais, que devem reflorescer daqui a dois anos.
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Educação
– Nos municípios a Educação é, basicamente, ensino fundamental, como está na Lei de Diretrizes e Bases e na Constituição. Os governos FFHHCC investiram uma nota preta neste nível de ensino, conseguiram a ‘quase universalização’ (cerca de 98% dos brasileiros entre 7 e 14 anos matriculados), e até ganharam uns pontos no IDH da ONU – mais ainda não deu para o então ministro da Educação, Paulo Renato, ser escolhido como candidato-herdeiro. Paciência. Grande parte desta ‘revolução silenciosa’ – como foi chamada, à época –, foi gerada pelo Fundo de Financiamento do Ensino Fundamental, o Fundef, já ouviu falar? O Fundef, em linhas gerais, consiste no seguinte: pela Constituição de 1988, 25% da arrecadação dos estados e municípios retorna para estas esferas administrativas, vinculados ao financiamento da educação. O Fundef destina (subvincula) 60% desta arrecadação ao ensino fundamental, ou seja, 15% do total da arrecadação dos estados e municípios retorna direta e especificamente para o financiamento deste nível de ensino. Destes recursos, 60% são destinados ao pagamento adicional de salários do professor em efetivo exercício em sala de aula, e o restante é distribuído pro rata número de matrículas.Às vésperas de sua implantação, o governo garantia um mínimo de 300 reais por aluno, por ano, ou seja, complementaria até este valor caso a divisão da arrecadação prevista do estado (e/ou do município) não atingisse esta quantia – e aí é que mora o perigo: o governo federal garantia (verbo no passado) e, realmente, nos primeiros tempos, pagou a diferença. Mas logo depois veio com aquela conversa de que ‘você (estado) pode pagar que depois a gente acerta’. O resultado você já pode adivinhar… Em julho de 2003, os governadores da Bahia, Pernambuco, Ceará e Alagoas entraram com ações no Supremo Tribunal Federal alegando que não estão recebendo o valor devido pelo Fundef, conforme foi previsto na lei. O valor retroativo entre 1999-2003 é estimado em 2,6 bilhões de reais. Segundo cálculos feitos pela Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), caso sejam considerados os tais valores mínimos por aluno/ano como deveria ser (de acordo com a lei do Fundef), o montante do que deixou de ser repassado aos estados sobe a cerca de 12 bilhões de reais. Este valor é equivalente a dois terços (!) de todo o orçamento do MEC para o ano passado – 18 bilhões de reais.
Em outubro passado, já no governo Lula e para o desespero do então ministro Cristovam Buarque, o reajuste dos valores mínimos por aluno foi de 3,6% (cerca de um terço da inflação acumulada nos 12 meses anteriores – não é esplêndido?). O tal valor mínimo foi a 462 reais (1ª à 4ª série) e 485,10 reais (5ª à 8ª série). Se a lei fosse cumprida, os valores mínimos seriam de 786,16 reais e 825,46 reais (1ª à 4ª série e 5ª à 8ª série, respectivamente), ou seja, ligeiros 70% a mais. Num gesto heróico, neste ano, o governo Lula reajustou os valores do Fundef em um ‘patamar histórico’: 20,56%, um aumento real de 13% em relação à inflação do período medida pelo IGP-DI, e os valores são 537,71 reais e 564,60 reais. Que tal essa fortuna? Dá uns 47,00 reais por aluno/mês. Está bom, não? Diante de tamanha numerário, não espanta que os alunos não queiram estudar e que os professores deixem de ensinar, e que resolvam todos passar o verão em Ibiza – e que a taxa de analfabetismo ‘puro’ fique agarrada nos 12%.
Ainda por cima, o que se viu foi que uma boa parte dos prefeitos resolveu maquiar os números (matrículas no ensino fundamental) para levar uns trocados a mais, na partilha da grana; e roubo, pura e simplesmente, por parte de alguns prefeitos, secretários e administradores de escolas. Chegou-se a ponto de se instalarem Comissões Parlamentares de Inquérito em 18 estados (CE, MG, SC, PR, AL, SE, PE e outros 11 estados), em vários municípios, e uma CPI ‘geral’ na Câmara Federal. Seria tedioso, aqui, enumerar as irregularidades e os crimes, mas um artigo da época da instalação da CPI, em meados de 2002, é bem ilustrativo:
‘A CPI do Fundef terá como alvos definidos as prefeituras e governos estaduais que desviam cerca de R$ 2 bilhões por ano do fundo e o governo federal, que subestima o cálculo do valor mínimo por aluno/ano para diminuir a complementação às regiões mais necessitadas. (…) A fraude mais comum é o desvio de recursos para outros fins, como para construção de obras públicas, por exemplo. Um dos autores do pedido de CPI, o deputado Wellington Dias (PT-PI), diz que a subcomissão especial criada pela Câmara, em 2001, para investigar as irregularidades do Fundef reuniu extensa documentação comprovando a existência de corrupção, desvio de recursos e outras ilegalidades em 19 estados. Foram identificadas fraudes em 359 municípios. Centenas de prefeitos foram alvo de ações judiciais ou investigações pelo Ministério Público. Muitos acabaram afastados por suspeita de desviar recursos. Outros, por pressão da comunidade, renunciaram ao cargo. O Tribunal de Contas da União (CTU) analisou até agora 241 processos em que a gestão do Fundef apresenta algum tipo de questionamento. (…) Na cidade de Araçás, na Bahia, as crianças continuavam a ser transportadas em carrocerias de caminhões, o que é proibido por lei, enquanto a prefeitura usou dinheiro do fundo para aquisição de um automóvel Vectra, no valor de R$ 31 mil’ [grifos nossos; ver ‘Bolsa-Escola, sim, esmola, não’ (http://www.uol.com.br/
aprendiz/n_colunas/g_piolla/id270201.htm)]
Desvios do verba do Fundef já pagaram desde despesas de motel e conta de celular da irmã do prefeito da cidade (Abel de Figueiredo, PA), até benfeitorias em sítio de secretário de Educação do município (Guaripe, SC). Em Alagoas, em maio de 2003, o professor Paulo Bandeira foi queimado vivo, dentro de seu próprio carro, depois de ter feito denúncias de desvio de dinheiro do Fundef em uma escola do município de Satuba. É impossível, obviamente, fiscalizar todos os 5.563 municípios do país, mas o governo federal tem a esperança de que, em 2005, cerca de 70% dos municípios terão as matrículas controladas. Deus seja louvado!
Desemprego
– Existem várias maneiras estatísticas de medir o desemprego, todas elas deprimentes (vide Nota 4). Todo candidato fala desta ‘chaga social’, cita meia dúzia de porcentuais (variando de grau conforme seja da situação ou da oposição) e, em seguida, muda de assunto. Uns prometem 10 milhões de empregos, outros um pouco menos ou um pouco mais. A taxa nacional, segundo o IBGE, está em torno de 11% (já foi 13%, ano passado) da PEA (População Economicamente Ativa). Em São Paulo, beira os 20%, o que dá, mais ou menos, uns 2 milhões de paulistanos passando por esta tragédia.O que um prefeito pode fazer, e um candidato a prefeito pode prometer? Pode prometer atrair indústrias para a sua cidade, mediante uma troca de favores políticos ou financeiros (ou os dois) com as outras esferas, e promover uma isenção de taxas e impostos municipais por, digamos, 10 anos, com quem se dispor a praticar um ato de caridade cristã e instalar na cidade sua fábrica ou uma filial de sua rede comercial. Irá gerar mais uns 2 mil empregos diretos e indiretos, e todos ficaremos felizes (exceto as pequenas indústrias municipais que já estão no bico do urubu, e que não contam com tanta generosidade administrativa). Outra forma de garantir um bom número de empregos é, dadas as mesmas condições, construir, com o beneplácito estadual e/ou federal, uma obra faraônica a longo prazo, como uma represa do tamanho do Amazonas, ou um aeroporto internacional (você acha que estou exagerando?). Na próxima campanha de reeleição, já entra no cardápio das ‘obras que precisamos terminar’. Enfim, tudo é progresso.
Nota 4 – Na pesquisa do Seade/Dieese (PED), por exemplo, o desemprego é classificado em ‘aberto’ (as pessoas que procuraram, em vão, trabalho no mês passado), ‘oculto pelo trabalho precário’ (fizeram algum bico, mas nada regular), e o ‘oculto pelo desalento’ (ficaram de saco cheio e desistiram de procurar emprego no último mês, e foram cuidar da vida com outras coisas que rendem alguma grana como, quem sabe, uma ‘colocação’ na prefeitura).
Segurança
– Prefeitos pouco podem fazer pelo combate à criminalidade, apesar deste ser um item citado pela quase totalidade das pesquisas sobre ‘perfil do eleitor’. Segurança é assunto estadual ou federal, e, como se vê diariamente, está mais nas mãos dos bandidos do que dos mocinhos. Um exemplo disso é o ‘estado paralelo’ montado e disputado pelos traficantes de drogas e atividades indiretas associadas no Brasil, do qual sua face mais explícita é a guerra contínua pelo domínio das favelas do Rio. Guerra civil não-declarada, e que está crescendo a todo vapor, imune à clava forte da Justiça ou seja lá do que for: no primeiro ano do governo Lula, os registros de crimes aumentaram 18%. Isto não quer dizer que o presidente esteja incentivando o roubo de ou o tráfico de jujubas com cocaína, mas mostra que este país desventurado não conta com absolutamente nenhuma política coordenada e inteligente de segurança pública.Prefeitos das capitais tentam manter a postura de heróicos e indignados paladinos do Bem, mas tremem ao pensar em mais um massacre de inocentes ou na enésima fuga de presos dos presídios de ‘segurança máxima’, pois a pior coisa que poderia acontecer (com eles, os prefeitos) é sofrer uma intervenção federal no município: seria uma espécie de atestado definitivo de incompetência. O remédio é fingir que ‘isto não existe cá na nossa cidade’ (nas pequenas) ou mostrar o ‘rigor das medidas que foram tomadas na repressão’ (nas grandes cidades, geralmente quando a polícia consegue prender um meliante famoso). No mais, é colocar meia-dúzia de ameaças aos criminosos em geral, ou dizer que ‘é do ramo’, como fazia Paulo Maluf e como afirma o candidato (e ex-delegado da PF) Moroni Torgan (PFL): ‘Fortaleza vai ganhar um prefeito e levar um técnico de segurança junto’. Por outros motivos, alguns prefeitos estão até mais expostos e indefesos do que nós, os comuns, e acabam como réus ou vítimas nas cidades perdidas dos grotões, onde os assassinatos ‘políticos’ ainda subsistem, resíduos de rixas familiares que vêm desde o tempo do Império e da República Velha.
Este país é tão maluco…