Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Propaganda no país do faz-de-conta

Uma das mais poderosas armas de manipulação é a propaganda. Na contemporaneidade, essa máquina de transformar a realidade em ficção e líderes políticos em semideuses começou a ser utilizada maciçamente com o nazifascismo.

No Brasil, na década de 1940, a produção dos cinejornais foi uma máquina repetidora do discurso ideológico do Estado Novo. Segundo Paulo Barbosa, ‘eram a expressão acabada do culto à personalidade de Getúlio Vargas, da afirmação de um nacionalismo triunfalista típico dos governos autoritários e de um discutível alinhamento aos interesses da classe operária. E dá-lhe lágrimas e frenesi popular para sublinhar, nas telas, a missão gloriosa do ‘pai dos pobres’, guiando o povo rumo a um destino glorioso, no qual estariam extintas, enfim, todas as mazelas que assolam a nacionalidade. Se, naquele período, o populismo getulista ganhou forma áudiovisual na propaganda dos cinejornais (ao lado da censura perpetrada pelo famigerado DIP), no Brasil de hoje um outro populismo transparece, agora não somente na propaganda governista’, mas na utilização do marketing político em dose descomunal.

Nos dias atuais, com o avanço das tecnologias da informação, os big brothers que confundem a vida real com a vida artificialmente fabricada, onde a realidade se escamoteia no mundo virtual e vice-versa, a propaganda procura transformar a fantasia em ‘pura realidade’.

Políticos e marqueteiros de plantão sabem muito bem do poder da publicidade. Nas últimas campanhas eleitorais, por exemplo, percebe-se que o esforço marqueteiro é para a fabricação de ídolos e a transformação de realidades fantásticas em verdades quase absolutas. Lideranças políticas têm afirmado que, com propaganda eficiente, ‘elegem até postes’. E, às vezes, elegem mesmo!

Só um lado da notícia

Em Minas Gerais, por exemplo, nas últimas semanas observa-se farta publicidade patrocinada pelo governo estadual. Curiosamente, os filmes publicitários também são exibidos em canais fechados, nacionalmente. Fala-se de um ‘lugar de onde venho’, obviamente referindo-se a Minas. Mostra-se somente uma face da moeda, passando a idéia que a virtuosidade do crescimento do Estado, nos últimos anos, foi graças, somente, a um governo inconteste; um novo JK, moderno e eficiente.

Registre-se, a bem da verdade, que o estado (de Minas) passou, nos últimos anos, por uma transformação visível. Parte dos créditos deve ser direcionada a capacidade administrativa e ao bom desempenho da gestão do governo atual. Outra parte deve ser creditada ao crescimento econômico que experimentou o Brasil nesse período. Bons indicadores de crescimento e desempenho gerencial são observados em vários estados brasileiros.

Quem é bem informado e conhece um pouco sobre leitura crítica de comunicação já percebeu que a imprensa mineira, diga-se a grande mídia, há quase oito anos, só pauta um lado da notícia, quando se trata de ações do governo estadual. Tema amplamente debatido neste Observatório da Imprensa. Seria graças a benevolentes verbas do estado com as propagandas?

Cenário nababesco

As locações onde foi gravada a publicidade oficial do governo de Minas, exibida no final do ano, mostra um cenário grandioso: um enorme galpão, preparado minuciosa e cuidadosamente para apresentar as várias facetas dos programas governamentais. O local, transformado num enorme estúdio, quase aos moldes hollywoodianos, comporta a criação figurativa de estradas, fachadas de prédios públicos e automóveis de vários tamanhos.

No ‘lugar de onde venho’, a educação é apresentada como de primeiro mundo. Escolas com computadores de última geração; prédios novos; professores felizes. Por que, então, o governo de Minas foi contra o piso nacional para os professores? Por que no interior do estado existem escolas públicas em condições precárias? Por que milhares de professores temporários são contratados todos os anos e os concursos públicos para o preenchimento dessas vagas não acontecem? Por que professores concursados, de ensino médio, ganham menos que mil reais de salário?

Naquele ‘lugar’, parece existir a melhor segurança pública do Brasil. Policiais felizes desfilando em viaturas supermodernas; cidadãos caminhando sorridentes ao lado dos policiais; unidades prisionais que mais parecem hotéis. E por que Belo Horizonte, tem uma taxa de 32 homicídios por 100 mil habitantes quando, São Paulo, por exemplo, tem 12 por 100 mil? Por que homens, mulheres e adolescentes morreram este ano em várias penitenciárias e centros socioeducativos do Estado? Por que, no interior do estado, existem estabelecimentos prisionais superlotados, com adolescentes presos – ao arrepio da lei? E as tentativas de greves de policiais e agentes penitenciários?

A saúde pública mineira aparece na propaganda como se fosse saúde pública inglesa. Hospitais bem equipados; médicos sorridentes; tecnologia hospitalar de última geração integrando a rede pública estadual. E por que o governo investiu tanto na ‘ambulanciaterapia’, distribuindo centenas de veículos para que as prefeituras do interior transportem seus doentes para a capital? Por que esses veículos foram transformados em verdadeiros outdoors ambulantes, com logomarcas do governo decalcadas em toda a sua extensão? Por que as filas continuam imensas nos hospitais públicos? Por que profissionais de saúde, de hospitais referência, como o Pronto Socorro João 23 – de Belo Horizonte –, ameaçam greve?

Tudo parece virar ouro

As obras de infraestrutura do governo de Minas são apresentadas como modelares. Porém, o Centro Administrativo do Estado, obra faraônica erguida no atual governo, teve seu orçamento majorado várias vezes. O custo inicial da obra fora estimado em cerca de 500 milhões de reais e, efetivamente, deverá superar 1,2 bilhão de reais. Isso é eficiência administrativa? E por que o assunto não foi pautado e apurado pela imprensa?

A história de Midas é conhecida: era um rei, filho de Górdio, um camponês que foi feito soberano pelo povo. Certa vez, o mestre e pai de criação do deus Baco, Sileno, embriagou-se e se perdeu. Foi encontrado pelo rei Midas que o tratou muito bem, oferecendo banquetes e cuidando dele. Baco resolveu presentear Midas, oferecendo a ele a oportunidade de escolher uma recompensa.

O que Midas escolheu foi o poder de transformar tudo que ele tocava em ouro. Seu pedido foi atendido; porém, Sileno ficou um pouco contrariado, pois achou uma péssima escolha. Midas ficou feliz, transformando tudo em ouro e riquezas, até o momento em que ele percebeu que não podia mais comer, pois toda comida e bebida que ele pegava se transformava em ouro. Midas passou a odiar seu poder e pediu a Baco para livrá-lo daquela situação. Baco atendeu ao pedido e disse para Midas se lavar em um riacho e, assim, acabar com o seu poder. Midas então se livrou daquilo e passou a ser um camponês, a odiar as riquezas e a adorar o deus Pã.

A mídia via publicidade, é o Midas na contemporaneidade. Tudo que é exibido, de maneira cada vez mais requintada, parece virar ouro. O mercado publicitário em 2008 cresceu 13%. Em 2007 a fatura foi de 27 bilhões de reais. Fontes confiáveis informam que o governo federal gastou quase 1 bilhão de reais em publicidade, somente no ano passado. Em Minas, a cifra chegou a quase 40 milhões de reais.

Bondosa mãezona

E os políticos profissionais sabem disso. Segundo a Folha on-line, os governos tucanos de Minas Gerais e de São Paulo pretendem aumentar em 21% e 158%, respectivamente, os gastos com publicidade governamental no ano eleitoral de 2010, comparado com 2006, segundo reportagem de Paulo Peixoto e Breno Costa. A reportagem informa que a previsão de gastos para 2010, no caso do governo de São Paulo, ultrapassa a evolução real do orçamento do estado desde 2006. Nesse período de quatro anos, o valor total do orçamento paulista cresceu 26,9%. Já a evolução do orçamento de Minas foi de 25,1%. A Folha informa que, considerando o valor dos orçamentos de SP (R$ 125,5 bilhões) e de Minas (R$ 41,1 bilhões) para o próximo ano, a proporção dos gastos com publicidade previstos por Serra e Aécio é exatamente igual: 0,1%.

No caso da política, os dividendos da publicidade não aparecem reluzentes à primeira vista. Mas com bastante insistência, o marketing político consegue transformar sapos em príncipes. E, óbvio, a conta do milagre é salgada. Mas quem paga a fatura, como sempre, é o cidadão. Quando se apoderam do ‘óbolo da viúva’, ou seja, da chave dos cofres públicos, numa democracia ainda pouco transparente, na qual a prestação de contas ainda não faz parte dos princípios basilares da gestão pública, os governantes, de imediato, injetam grandes dividendos para a publicidade a fim de manter sempre funcionando essa relação de compadrio.

Vale, aqui, lembrar a polêmica acerca do filme Lula, o filho do Brasil. A produção apresenta tudo misturado numa espécie de caixa de pandora: empresas patrocinadoras que têm contrato com o governo, interesses político-eleitorais, publicidade avassaladora para a beatificação in vita do herói-personagem-presidente, entre outras mazelas. E há pouco tempo, o príncipe era conhecido como ‘sapo barbudo’. O que faz uma boa publicidade!

No programa político do PT exibido recentemente, a tentativa foi transformar a ‘insossa’ ministra da Casa Civil em ‘palatável’ e bondosa mãezona: do PAC, do programa Minha Casa, Minha Vida etc. Poderemos acreditar em milagre publicitário? Ano que vem teremos esta resposta, mas pesquisa de intenção de voto divulgada neste domingo (20/12) pela Folha de S.Paulo já mostrou um crescimento nos índices da possível candidata do Planalto.

Caixa da Pandora?

Lula, que já percebeu o poder persuasivo de suas palavras, gosta de repetir que ‘nunca antes nesse país’. Em Minas, o esforço publicitário é para apresentar que tudo o que realizado pelo atual governo é ‘inédito’ e ‘inovador’. É como se dissesse: ‘nunca antes neste estado…’ A cada dia inventa-se uma nova roda. Tudo é apresentado como novidade, nunca antes experimentada nas Alterosas, quiçá no Brasil. Porém algo preocupante começa a ser cada vez mais normal e corriqueiro. A junção de publicidade e jornalismo. No caso de Minas Gerais, algumas relações entre publicidade e possíveis objetivos pouco confessáveis também podem ser observados.

Recordando: caixa de Pandora é uma expressão muito utilizada quando se quer fazer referência a algo que gera curiosidade, mas que é melhor não ser revelado ou estudado, sob pena de se vir a mostrar algo terrível, que possa fugir de controle. Esta expressão vem do mito grego que conta sobre a caixa que foi enviada com Pandora a Epimeteu.

Mas voltemos às plagas das Alterosas: sem adentrar numa análise mais aprofundada da política de segurança mineira, que está longe de um modelo-ideal, coincidentemente, no programa partidário do tucanato, exibido nos primórdios de dezembro em rede nacional, a primeira (entre tantas) entradas do governador mineiro foi para falar da ‘eficiência’ dessa política em seu governo.

Como anteriormente mencionado, há uma estranha relação dos veículos de comunicação mineiros com o governo estadual. Porém, parece que agora essa onda espraiou-se. Nas semanas anteriores ao programa partidário do PSDB, apresentado em 03/12, uma série de matérias publicitárias e jornalísticas sobre o sistema de defesa social do Estado foram exibidas em veículos nacionais. Além da publicidade, várias reportagens, em praticamente todas as revistas e jornais de circulação nacional, mostraram uma espécie de revolução nessa área.

Seria também uma coincidência que jornalistas de várias revistas e jornais de circulação nacional vieram a Minas – patrocinados pelo governo estadual – para cobrirem atividades na área da segurança pública nas semanas anteriores ao programa do PSDB? (Alguns jornais e revistas, eximindo-me de qualquer ação tendenciosa – será que isso é possível em relação à grande mídia? -, colocaram em suas matérias a famosa frase, em notas de rodapé: ‘o repórter viajou a Belo Horizonte a convite do governo de Minas’).

Mais uma dúvida a ser esclarecida: três dias após o programa tucano, divulga-se uma pesquisa eleitoral na qual, entre outros quesitos, avaliou-se a maior preocupação do brasileiro em relação ao próximo governo. Adivinhem o primeiro lugar: Segurança Pública. Realmente, trata-se de muita coincidência!

Mas, por que será que houve tanta publicidade associada a reportagens jornalísticas sobre o sistema de segurança pública mineiro? Os créditos devem ser dados a Midas ou a Pandora?

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Filósofo, especialista em comunicação e em sociologia da criminalidade, mestre em Administração Pública e professor da PUC-Minas