Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Provérbios e poemas oráculos

Esta novidade recente, a seção de Comportamento que encontramos nos meios de comunicação, deveria e poderia ser o pano de fundo para todas as notícias.

Por exemplo, fico imaginando ao lado de cada notícia no jornal um box assinado por uma terapeuta:

‘Contrastando com o comportamento de Nero na Roma Antiga – que mandava prender e soltar, matar ou incensar este ou aquele sem se preocupar com as repercussões populares – como se vê, este novo presidente mongol desenvolveu grande capacidade de manipular o inconsciente dos eleitores.

Ao discursar abordando temas que nunca serão solucionados (justamente porque fazem parte do repertório da sordidez humana) ele acaba por repisar e reforçar aquela imagem nossa velha conhecida: a do homem mesquinho e egocêntrico que faz da hipocrisia e a mentira uma meta de vida para perpetuar-se no poder.’

Claro que é um exemplo ficcional, mas que serve para exemplificar.

Para o ‘distinto público’ ou ‘caro leitor’, interpretar os fatos através de uma ótica mais psicológica ou histórica e, acertadamente, volatilizar seu sentido concreto, poderia ser muito esclarecedor e interessante. Teríamos mais informações interessantes, esclarecedoras e espelháveis sobre nosso comportamento.

Druidas medievais

Filmes velhos, reedições de fatos conhecidos, por mais contundentes que sejam não têm o poder de mudar nada. O humano carece de uma readaptação comportamental e, segundo os especialistas, o mundo precisa mudar muito, antes que seja tarde demais.

Penso que ao ampliar a sua consciência com informações mais abrangentes, portanto, capazes de, por repetição, relativizar os fatos, este mesmo humano poderia tornar-se mais solidário e produtivo.

Aliás, pensando bem, até um astrólogo poderia ajudar:

‘Rochiminov, presidente da Mongólia, está passando por uma fase difícil: Marte (Deus da Guerra) e Saturno (Deus do Tempo) fazem em seu mapa astral uma quadratura que justifica e faz prever muita violência em seus atos nos próximos três anos.’

Assim, colocada de forma um tanto ou quanto brincalhona, a idéia parece absurda e utópica. Mas, se atentarmos para as opiniões de especialistas políticos ou financeiros, futebolísticos ou meteorológicos, pensamos o que fazem eles? Embora sem embasamento profundo algum, é exatamente isto. Comentar e antever fatos como verdadeiros druidas medievais usando poções adivinhatórias e oráculos que, na maioria das vezes, estão com defeito de fabricação.

O quilombo de Negro Lúcio

Tanto é que ninguém previu nem o fiasco da Copa de 2006, a crise financeira mundial ou mais esta guerra de Israel com o Hamas. Só a história do comportamento humano poderia nos ensinar mais sobre algumas antigas e velhas lições sobre ganância e soberba.

Procurando uma forma de exemplificar bem, e de forma contrastante, o que imagino, lembro-me dos provérbios populares que nada mais são que geniais depositórios deste tipo de sabedoria. Neles estão séculos e séculos de história sobre o comportamento humano e, sem presunção alguma, qualquer pessoa simplória e atenta poderia fazer uso de seus ensinamentos.

Jayme Caetano Braun, poeta e payador gaúcho morto em 1999, não sei se inspirado pelo nome de um quilombo gaúcho (quilombo do Negro Lucio) eternizou este nome.

Apesar do uso de um linguajar muito típico, e que em alguns casos tento aqui ‘traduzir’, e mesmo que um pouco datada, a poesia evidencia a importância daquilo que me ocorre.

A ilhapa do dia

Negro Lúcio (espécie de Pai Tomás norte-americano), enquanto trabalha, com calma, trançando tiras de couro cru, num sábado de janeiro com a estância vazia, conversa com o narrador:

‘Mateando – meio solito
porque o patrão e a peonada
já saíram pra invernada,
há muito tempo – cedito,
o sábado está bonito
e a indiada aqui da fazenda
de tarde se vai à venda
e aos bolichos do caminho,
ou então beber carinho
nos braços de alguma prenda!

(bolichos são pequenos armazéns que servem bebidas…)

Mas enquanto eu chimarreio
neste morrer de janeiro,
meu pensamento chasqueiro
se aviva – mascando o freio
e sai – a pedir rodeio
nas lembranças – retoçando
eu me paro – recordando
as falas do negro Lúcio,
muito maior que Confúcio
pra filosofar trançando!

(pensamento vivo e alegre como os bons cavalos de montaria…)

E ele sempre me dizia,
enquanto tirava um tento,
naquele linguajar lento
cheio de sabedoria:
`A noite é a ilhapa do dia
na argola da escuridão,
e é quem garante o tirão
em todas as lidas sérias,
neste varal de misérias
que é a existência do cristão!´

(A ilhapa é a parte de couro trançado que vai apresilhada à argola do laço. Ela é que segura o esticar do laço quando muito tencionado… A noite-ilhapa, certamente seria a grande companheira do homem em seus momentos de dúvida, tensão e reflexão, quem lhe daria mais segurança em suas ponderações…)

Deus não fez rico nem pobre,
peão – patrão ou capataz,
isso é o destino quem faz
e – como é – não se descobre,
o nobre que nasce nobre
nem sempre assim continua;
pra beleza da xirua
ou cavalo de carreira
não adianta benzedeira,
nem reza ou quarto de lua!

Dele mil vezes ouvi
o que tem que ser, será,
por longe que o homem vá
jamais fugirá de si
e com ele eu aprendi
as cousas da natureza,
a fidalguia – a franqueza
e aquela velha sentença:
`Atrás da cinza mais densa
existe uma brasa acesa!´

E chego a ouvi-lo fazer
junto dum fogo de chão,
uma grande distinção
entre existir e viver;
filho, dizia, morrer
não é mais do que uma viagem,
por isso não é vantagem
o forte fazer alarde
que – às vezes – pra ser covarde,
precisa muita coragem!

Inda vejo o conselheiro
que evoco com devoção
naquele estilo pagão
de Confúcio galponeiro
que me dizia: parceiro
nesta existência brasina,
cada qual traz uma sina
que força alguma desvia
e nada tem mais valia
que as coisas que a vida ensina!’

O longo poema, que critica o comportamento político do presidente Fernando Henrique – numa época em que o Brasil estava importando carne da Argentina e havia uma grande crise num estado com pecuária tão importante –, termina assim:

‘Que lindo se o presidente –
em vez de passear na Europa,
passasse em revista a tropa
deste país continente
e num gesto inteligente
viesse ao Rio Grande fronteiro
que já era brasileiro
antes mesmo de Vespúcio
e levasse o negro Lúcio
pra servir de conselheiro!’

Noves fora minha imaginação, quem sabe algum dia, tenhamos vários Negros Lúcios comentando as notícias do dia-a-dia.

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Compositor, educador e jornalista; Delfinópolis, MG