O homem é o único animal que ri e este particularismo faz do humor um tema da maior seriedade. Socrátes, São Tomás de Aquino, Immanuel Kant debruçaram-se sobre as diferentes formas de humor, mas Sigmund Freud parece ter encontrado a melhor interpretação – ou, pelo menos, a mais política – ao constatar que o riso é resultado da remoção de uma censura interna. Alívio.
O riso é libertário. Impossível suprimi-lo, sufocá-lo. Graças ao riso o rei infalível aparece nu, inexpugnáveis muralhas mostram-se feitas de barro e vilões mal-encarados ficam ridículos sentados na privada. Comédias derrubaram déspotas ainda no império romano, sátiras desarmaram a ignorância da Inquisição portuguesa, os pequenos pasquins do Renascimento sugeriram piadas que de outra forma não poderiam ser engendradas.
Contra a ignorância
Caricatura vem do italiano caricare, carregar, exagerar, buscar o grotesco; charge vem do francês, charger, forçar; cartum vem do inglês, cartoon, cartão, onde se fazem desenhos humorísticos. O Ocidente fez do riso uma arma a um tempo destruidora e enriquecedora, agressiva e benfazeja, ponte e ruptura.
De qualquer forma, a caricatura é essencialmente jornalística, como escreveu Henry James, porque é “a crítica do momento no exato momento”. O que nos leva a concluir que as charges anti-islâmicas do semanário satírico francês Charlie Hebdo não são engraçadas porque se mostraram flagrantemente oportunistas, extemporâneas, obrigatórias.
Se o paroxismo produzido pelo clipe anti-Maomé escancarou a distância do mundo islâmico da noção elementar de liberdade de expressão, o sensacionalismo do Charlie Hebdo mostra como a “imprensa livre” tripudia sobre as regras de convivência democrática. Se o mau humor não consegue produzir bom humor, algo desandou – no traço, na letra ou no espírito do gozador.
Inexiste um conflito entre as civilizações quando o Oriente deixa-se levar pelo delírio e o Ocidente pelo vaudeville.
Caricaturistas, uni-vos contra a simploriedade. Abaixo a repetição, vamos gozar os chargistas sem inspiração.