Eleição faz mal a jornal. A hipótese poderia ser criada após a observação dos grandes diários brasileiros nas últimas quatro semanas. Depois de dois anos em que claramente se engajou numa cruzada pela desestabilização do governo do presidente Lula da Silva, a chamada grande imprensa brasileira – aquela que supostamente valida a agenda nacional – passou, em novembro, a cobrir uma variedade maior de temas e a destinar mais espaço para o noticiário econômico desvinculado do viés partidário, as notícias de negócios e os assuntos chamados nacionais, como educação, saúde e serviços.
Até mesmo o noticiário metropolitano, que vinha perdendo espaço nas primeiras páginas, ganhou maior destaque. Com exceção do Globo, que entre os grandes mostrava-se um pouco menos obsessivo durante a campanha eleitoral, a diferença de qualidade é claramente perceptível nestas três semanas que sucedem a definição da disputa pela presidência da República.
Escândalos sumiram
Personagens que habitavam o noticiário quase permanentemente, simplesmente desapareceram, deixando a impressão de que, ou deixaram de ser relevantes, ou sua importância era artificialmente inflada pela conveniência de suas intervenções no noticiário político-eleitoral. Dos escândalos que pareciam a única razão de existir da imprensa, quase não se ouve falar, o que deve produzir nos leitores um certo desconforto: estávamos sendo enganados o tempo todo ou terá havido um acordo geral pelo qual nos será negado o direito de conhecer a verdade sobre toda a estressante sucessão de ruidosas ‘revelações’ que nos foram impostas durante dois anos?
Outra constatação instigante é que os jornais parecem ter recuperado a capacidade de fazer títulos coerentes e equilibrados. A leitura, de modo geral, se tornou mais agradável pela percepção de que os editores demonstram maior cuidado, tanto na definição dos temas quanto na escolha das palavras. Expressões sentenciosas e afirmações apressadas deram lugar a versões mais ponderadas e respeitosas com relação à inteligência e ao discernimento do leitor.
Controladores da mídia
É possível que o fim da disputa eleitoral tenha aliviado a pressão dos controladores da mídia sobre os editores, ou pode ser que a proximidade do final de ano, quando os analistas de mídia a serviço de empresas anunciantes concluem estudos para distribuição das verbas de publicidade do varejo, estejam na origem dessa perceptível melhoria de qualidade. Afinal, jornal tem que produzir receita e não apenas satisfazer os desejos de poder e influência de seus proprietários.
Além disso, começa agora o planejamento das agências de publicidade e a futura safra de balanços promete encher os cofres da imprensa. Afinal de contas, a política econômica do governo que até ontem precisava ser derrubado parece estar dando bons resultados e deveremos ter um final de ano recheado de anúncios. Não apenas porque as recentes medidas de ampliação do crédito estão consolidando a insersão de muitas famílias na nova classe média, mas também porque algumas medidas pontuais, como a maior facilidade para aquisição de casa pópria, tendem a aquecer a economia e aumentar a variedade de setores em expansão.
Os jornais já combinam notícias otimistas quanto ao próximo Natal com os primeiros encartes do comércio. Os cadernos de automóveis chegam recheados e percebe-se um aumento na presença de anunciantes de ‘semi-novos’ de qualidade, sempre um sinal da presença de consumidores ascendentes no mercado – ao contrário dos períodos mais magros, em que as ofertas se dividem em dois extremos; o mercado de luxo e o dos populares. Na área de eletrônicos, cresce o espaço destinado a anúncios dos novos aparelhos de TV, com preços até 50% menores do que os de um ano atrás.
Pode ser que o visível efeito de maior qualidade nas páginas editoriais seja resultado de uma equação na qual tenhamos que considerar o fim da febre eleitoral e a realidade econômica mais estável e otimista. Mas, se levarmos em conta outros tempos de eleições recentes, poderemos ser levados a concluir que nossos jornais mais importantes ainda têm alguma dificuldade para definir para si mesmos um padrão ideal de protagonismo. Quando deixam de agir como partidos políticos e voltam a ser úteis na interpretação da realidade, retornam os leitores e não faltam anunciantes.
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Jornalista