A revista Veja da semana passada (que destacou o maior terremoto ocorrido na história do Japão) traz um artigo de Mario Sabino intitulado ‘Quando Deus tremeu’. Logo abaixo do título, há o seguinte olho:
‘Em 1755, o terremoto de Lisboa propiciou aos iluministas a oportunidade de demonstrar a irracionalidade religiosa. Passados dois séculos e meio, já não se acredita tanto que vivemos no melhor dos mundos. Mas é grande a crença de que um dia sobrepujaremos a natureza por meio da ciência e da tecnologia. Trocamos apenas de religião.’
No fundo, é um texto depressivo que procura mostrar a ‘inutilidade’ da religião e a pretensão inalcançável da ciência de salvar a espécie humana dos caprichos da natureza – aliás, como sustenta reportagem publicada na Veja da semana anterior, nosso Sol vai torrar a Terra daqui a cinco bilhões de anos. O que nos resta, então? Você estranha que, para os naturalistas, a máxima seja mesmo ‘comamos e bebamos, porque amanhã morreremos’? Que sentido há em se discutir ética, segurança, direitos humanos ou fraternidade num mundo regido pelas inexoráveis leis da biologia darwinista? Que sentido há em perder tempo com esse papo humanista se, no fim das contas, vamos todos desaparecer? Queremos adiar (ou não pensar) no inevitável, ou apenas garantir uma vida mais confortável enquanto aguardamos o fim?
O que Sabino escreveu ilustra a típica reação traumática que acomete alguns pensadores depois de ver ou viver um evento catastrófico. É o tipo de vazio que implode a alma, causa desconforto e faz com que alguns forçosamente parem para pensar em algo mais do que as preocupações do dia-a-dia. Sabino relembra a tragédia que foi o terremoto de Lisboa. O sismo (considerado por alguns estudantes das profecias bíblicas como um dos marcos do começo do tempo do fim) alcançou estimados 9 pontos na escala Richter, gerou tsunamis e levou à morte mais de 50 mil pessoas em Portugal e outras 10 mil na África. A ironia, para muitos, é que o tremor aconteceu justamente no feriado católico do Dia de Todos os Santos, quando as igrejas estavam lotadas de fieis.
Os disparates de correntes religiosas
Após o terremoto, o iluminista Voltaire escreveu o romance satírico Cândido, ou o Otimismo, no qual sobressai o personagem Dr. Pangloss, personificação caricatural do pensamento do filósofo Gottfried Leibniz. Segundo Sabino, ‘esse alemão [Leibniz] poderia ter passado à história somente como um dos maiores matemáticos de todos os tempos, mas caiu nas presas de Voltaire ao concluir, depois de analisar uma série de relações de causa e efeito, que `vivemos no melhor dos universos possíveis criados por um Deus´’.
Erraram Leibniz e Voltaire. Leibniz errou porque não entendeu que este não é o melhor dos mundos justamente porque não é o mundo que Deus criou – ou pelo menos não o criou para ser deste jeito. Segundo o livro bíblico de Gênesis (que muitos insistem em desacreditar comparando-a a uma fábula justamente para atribuir a Deus todo o mal derivado do pecado que Ele não originou), no mundo que Deus criou para a humanidade eram inexistentes a morte, a dor, a tristeza, a solidão, a incompreensão e todas as coisas ruins que caracterizam este mundo pós-pecado. Deus jamais planejou que terremotos, nevascas, secas, tornados e injustiças ceifassem vidas humanas, assim como não planejou que Adão e Eva fizessem uma escolha errada motivados pelos enganos de um anjo que tomou, ele também, a terrível decisão de se rebelar contra o Criador.
Por sua vez, Voltaire errou ao bater num espantalho (erro típico de muitos críticos da religião atuais). Assim como fazem os neoateus fundamentalistas Richard Dawkins, Sam Harris, Christopher Hitchens e outros, Voltaire atacou um arremedo de religião baseado em crendices e dogmas humanos. Se Leibniz e Voltaire tivessem entendido corretamente as doutrinas bíblicas da criação, da queda e da redenção, haveriam poupado o mundo de seus comentários infelizes que ainda hoje influenciam muitos que incorrem no mesmo erro: desconhecem a Bíblia e julgam o cristianismo pelos disparates de algumas correntes religiosas que posam de cristãs.
Deus previu, mas não determinou
As promessas do racionalismo iluminista falharam, dando origem à desilusão pós-moderna, ao relativismo e ao desprezo das grandes metanarrativas. A religião, de certa forma, abraçou o relativismo ao defender a teologia liberal, que reinterpreta a Bíblia e lhe minimiza o aspecto sobrenatural. As pessoas estão sem rumo, sem esperança e se dão conta disso de modo muito claro quando as tragédias lhes arrancam de sob os pés o chão que antes lhes parecia tão firme. Sabino resume bem esse mal-estar na conclusão de seu texto que mais parece um desabafo:
‘Dois séculos e meio depois do terremoto na Europa, diante de catástrofes como a que nocauteou o Japão, a maioria das pessoas talvez já não acredite que vivemos no melhor dos mundos ou universos. Mas é grande a crença de que um dia poderemos sobrepujar a natureza, por meio da ciência e tecnologia, em que pesem as evidências de que suas adversidades são apenas mitigáveis. Trocou-se o Deus de Leibniz pela Razão iluminista. Voltaire adquiriu algumas feições de Pangloss.’
Mas quer saber de uma coisa? É bom mesmo que a maioria das pessoas não mais acredite que vivemos no melhor dos mundos. Por quê? Porque de fato não vivemos. Na verdade – a triste verdade –, este é o pior dos mundos para se viver. Aqui, desgraçadamente, o pecado criou raízes, virou metástase num planeta agonizante. Antes que esse câncer seja finalmente extirpado, este mundo jamais será o melhor. Continuará, sim, sendo a maçã podre do Universo.
Infelizmente, muita gente como Sabino entende que aqui não é um bom lugar, mas conclui que ‘está tudo bem’ porque só temos este lugar para morar e esta vida para viver. Passado o trauma do terremoto; sepultados os mortos; reconstruídas as cidades, tudo volta ao ‘normal’. Cada um retoma sua vidinha e pronto. E os prazeres da carne e as ilusões da mídia estão aí para anestesiar quem prefere viver na caverna, na Matrix (lembra-se do filme?).
Por meio de Seus profetas, Deus anunciou que o aumento das convulsões deste mundo doente que ‘suporta angústias até agora’ (Rm 8:22) seriam sinais de que a solução definitiva – a volta de Jesus – estaria mais próxima. Note bem: Deus previu, mas não determinou, assim como previu o pecado e tomou providências redentivas antes mesmo de o mal se manifestar no Universo.
‘A bandeira da verdade’
Alguns dizem: ‘Tudo bem. Deus não causa as tragédias. Mas por que Ele tem que se valer delas para chamar a atenção das pessoas? Ele não poderia usar meios mais pacíficos, como um arco-íris ou algo assim?’
Não só poderia como o fez. Que meio seria mais pacífico do que entregar a própria vida e morrer a mais humilhante das mortes para mostrar que ama a todos? Jesus, o ‘Príncipe da paz’, o ‘servo sofredor’, é a suprema expressão do amor de Deus. Mas o que tem feito a humanidade a esse respeito, haja vista que existem tantas evidências da existência, morte e ressurreição do Deus-homem Jesus Cristo? Transformaram-nO num personagem meramente histórico, num grande profeta, num sábio judeu – como se fosse possível considerar profeta e sábio quem se dissesse Deus… Ou Ele era e é Deus, ou foi o maior impostor da história. Não existe meio-termo. E se Ele foi mesmo Deus, essa é a maior revelação com a qual todo ser humano poderá se deparar. Só que, infelizmente, muitos a ignoram e levam a vida como se nada de especial houvesse acontecido lá no monte Calvário.
Por esse e outros motivos que evidenciam a indiferença humana, Deus Se vale das tragédias como Seu ‘megafone’. É assim que o ex-ateu C. S. Lewis define a dor em seu livro O Problema do Sofrimento. Veja o que ele escreveu: ‘Enquanto o homem mau não toma, na forma de sofrimento, consciência do mal inequivocamente presente em sua existência, ele está preso na ilusão. Uma vez despertado pelo sofrimento, ele sabe que, de uma forma ou de outra, está `face a face´ com o Universo real. Assim, ou se rebela (com a possibilidade de uma vazão mais evidente e de um arrependimento mais profundo em algum estágio posterior) ou faz alguma tentativa de adaptação, a qual se for buscada, haverá de leva-lo à religião. […] Não resta dúvida de que o sofrimento, na forma de megafone de Deus, é um instrumento terrível, pois pode levar à rebelião definitiva e sem arrependimento. Ele propicia, contudo, a única oportunidade que o homem mau pode ter para se emendar. Ele retira o véu ou finca a bandeira da verdade na fortaleza da alma rebelde’ (p. 108, 109).
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Jornalista e mestre em teologia; seu blog