Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quanto vale uma pesquisa

A julgar pelos resultados da pesquisa Datafolha publicada no domingo (5/6) pela Folha de S.Paulo, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu ajustar sua imagem pública ao viés que lhe vem imputando a imprensa há cerca de um ano. Entre os pontos abordados na pesquisa, Lula perde em praticamente todos aqueles que têm sido escolhidos como temas principais pela mídia nos últimos meses. Assim, fica muito claro o desgaste provocado na figura do presidente – que, por seu estilo personalista, encarna o governo como um todo – por notícias sobre corrupção, negociações obscuras com a base de apoio no Congresso e frustrações na área social.

Embora ainda lhe reste o consolo de ter seu governo de dois anos e meio considerado melhor do que o de seu antecessor – que teve dois anos no ministério do governo Itamar Franco e dois mandatos de quatro anos cada para criar um legado –, Lula se vê colocado no ponto que alguns analistas costumam chamar de vértice da parábola. É quando, perdendo o impulso inicial do apoio obtido na eleição e nas primeiras ações de governo, a relação de empatia entre o objeto de estudo e a opinião pública começa a reverter o curso, caminhando para a deterioração.

Os números absolutos não são propriamente um desastre para os planos petistas de reeleição, mas eles não representam o dado mais importante na análise. O que realmente conta, nesta altura do processo de formação da imagem pública, é a tendência que evidencia o desgaste de um relacionamento construído basicamente sobre emoções e administrado por meio de metáforas redundantes ou malabarismos de marqueteiros.

O governo perde credibilidade e confiança justamente nos temas pontuais sobre os quais tem sofrido o malho da imprensa e não consegue sustentar sua popularidade com base nos resultados econômicos, de mais difícil percepção.

Se Duda Mendonça personifica a estratégia da comunicação emocional e o ministro Antônio Palocci representa a estratégia da comunicação objetiva do ‘balanço de resultados’, o governo está duplamente desfalcado. Nem Duda é um especialista em mídia – sua expertise pende mais para a criação do que para a análise – nem Palocci é o comunicador habilitado para transformar em boa notícia e otimismo o que lhe parece um bom resultado em termos do declarado objetivo de estabilidade e crescimento.

O ponto da virada

Um dia alguém ainda irá explicar aos leitores que critérios o editor utiliza para destacar os números de uma pesquisa e fazer sua manchete. Se compara os últimos resultados com o semestre anterior, estará ignorando os fatores sazonais, como, por exemplo, o tempo que falta ou o que já se sucedeu ao recebimento do 13º salário, o período imediatamente anterior à realização de eleições, as festas de fim de ano e o carnaval etc, que inevitavelmente afetam o julgamento do cidadão. Se dá apenas os números absolutos, deixa o leitor sem referência. Se faz a comparação com o início do governo, estará omitindo os efeitos da campanha eleitoral.

De qualquer forma, uma queda de dez pontos percentuais em seis meses, como a destacada pela Folha de S.Paulo ao apresentar a presente pesquisa, é discutível em termos – pois leva em conta apenas as respostas para a avaliação de ótimo/bom, que caiu de 45% em dezembro passado para 35% nesta última consulta, índice igual ao de agosto de 2004, quando Lula sofria efeitos dos tiros cruzados nas campanhas municipais.

Nesse caso, é importante avaliar aqueles que consideram o governo apenas regular, pois é nessa faixa que se vai decidir se ele tem chance de recuperar algum prestígio antes da escalada da campanha de 2006, ou se vai se consolidar o processo de desencanto que parece tomar conta da população. Esse é o ponto central do vértice.

Com 35% de cidadãos considerando seu governo ótimo ou bom, os 45% que o apontam como regular se tornam o objetivo preferencial, tanto dos comunicadores do Planalto quanto de seus inimigos, dos quais os mais visíveis e eficientes são os tucanos.

É na ampla faixa dos cidadãos que parecem refletir antes de se entregar às avaliações extremadas que se vai definir o jogo da reeleição. Dado o histórico apresentado pelas consultas do Datafolha desde 2003, é válido considerar que essa fatia da opinião pública quer encontrar razões para continuar apoiando o governo.

Hora de reflexão

A rigor, as pesquisas ainda não oferecem elementos para uma análise sobre o estado de espírito que irá predominar no eleitorado durante a campanha do ano que vem. Alguns sinais de amadurecimento no comportamento da população quanto a endividamento e gastos em geral, que podem ser tomados como medida da propensão da opinião pública a mais ponderação e visão de mais longo prazo, não são suficientes para qualquer afirmação a respeito do teor que os marqueteiros irão imprimir à propaganda eleitoral.

Pode-se, porém, conjeturar que, a se manter uma grande porcentagem da opinião pública considerando o governo ‘regular’, o enredo não deverá oferecer papéis principais para os arautos da esperança nem para os cavaleiros do apocalipse.

Restaria, portanto, um bom espaço para o debate franco e a reflexão, e aí entra o papel da imprensa. Como é provável que a oposição irá manter o jogo pesado da oferta de conversas grampeadas e outras fontes de manchetes – e como sabemos da precariedade de recursos nas redações para a investigação e a reportagem de fôlego –, não há como esperar uma grande contribuição da mídia nos próximos meses para fornecer aos cidadãos os melhores recursos para formar sua opinião.

Com a blindagem que se impôs o Planalto e a aparente incapacidade da imprensa para penetrar o núcleo do pensamento petista, não se sabe que estratégia o presidente Lula irá adotar para tentar recuperar a imagem de seu governo. A rigor, só lhe restam como recurso a possibilidade de resultados inequivocamente positivos na economia até o final deste ano e algum milagre de eficiência nos indicadores sociais.

Ainda assim, o fracionamento do noticiário econômico não lhe garante a fatura do resultado, e mesmo bons indicadores de crescimento, se vierem nos próximos meses, só são considerados em prazos mais longos como semestres ou anos fiscais.

Com o péssimo hábito do presidente de discursar em vez de dialogar e a aparente ojeriza de seus mais próximos conselheiros ao relacionamento aberto com jornalistas, uma coisa a imprensa pode comemorar com antecipação: vai crescer nos próximos meses a participação das verbas oficiais no bolo de publicidade.

BNDES e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Petrobras e Ministério das Minas e Energia já contribuíram com o caixa dos grandes jornais neste domingo. A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil fizeram a alegria das revistas semanais. Pode ser que estejamos ingressando num estranho período em que o governo se explica, a mídia fatura e o leitor fica a ver navios.

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Jornalista