Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Que liberdade defende a grande mídia?

Em seu discurso de posse, o governador do Paraná, Roberto Requião, enfatizou a necessidade da construção de um novo modelo de comunicação para o país: ‘Hoje, apenas seis redes privadas controlam 667 veículos, atingindo 87% dos domicílios, em 98% dos municípios brasileiros’, disse o governador.

As declarações de Roberto Requião vieram antes do fechamento do canal RCTV, na Venezuela, que gerou um verdadeiro ‘pavor’ em alguns dos grandes meios de comunicação brasileiros e que saíram imediatamente em defesa de valores como ‘liberdade de imprensa’, ‘democracia dos meios de comunicação’ etc. O debate é oportuno e coincide com a iniciativa governamental de criar uma TV pública com a abrangência em todo o país.

A volúpia de alguns grandes meios de comunicação em ‘denunciar’ a ‘falta de democracia’ na Venezuela pelo fechamento da RCTV revela, na verdade, o desejo de continuarem ditando as regras da TV aberta sem se submeterem a qualquer critério democrático. Nem é preciso lembrar que a edição parcial do debate entre Lula e Collor, nas eleições de 1989, pela Rede Globo, é o exemplo clássico do mau jornalismo praticado pelas redes chamadas (por elas mesmas, claro) de ‘livres e democráticas’.

Imprensa passa incólume

Acontece que, submetida a um critério essencialmente jornalístico, e portanto imparcial, a própria defesa dos interesses particulares da RCTV da Venezuela por parte da grande mídia brasileira omite a escandalosa participação da RCTV de modo a influenciar a opinião pública contra o governo daquele país. Longe de ser somente uma ‘TV de oposição’, como querem alguns grandes meios de comunicação, a RCTV ‘manipulou’ imagens, distorceu e omitiu fatos e empenhou-se na articulação de um golpe de Estado. Isso é liberdade de imprensa? Não é, por mais que os atores e jornalistas da RCTV deitem lágrimas diante das câmaras e posem para fotógrafos mais interessados no lado sentimental da notícia do que na veracidade dos acontecimentos. Em todo caso, cabe aos venezuelanos decidirem seu destino, regulamentarem suas leis e optarem por qual modelo de televisão acharem melhor.

Nós, brasileiros, temos nossos próprios problemas, entre eles a completa ausência de um jornalismo investigativo que tivesse possibilitado, no curso da história, uma cobertura eficiente dos inúmeros casos de corrupção que agora estão vindo à tona em todos os setores da vida pública e privada, sem que tivessem sido ‘descobertos’ ou ‘denunciados’ pelas mídias ‘democráticas e livres’ nas últimas décadas. Ou será que a vigorosa imprensa ‘democrática’ nunca viu, nos anos anteriores ao governo Luiz Inácio Lula da Silva, qualquer sinal de mensalões, navalhas, sanguessugas etc.? A levar em consideração a cobertura da imprensa, toda a corrupção do país surgiu nestes últimos cinco anos.

Onde estava a mídia ‘democrática’ que não encontrava indícios tão evidentes e volumosos de corrupção em tantos setores do país? Ou a própria mídia faz parte desse rol? Se for o caso, deveríamos instalar imediatamente a CPI dos Grandes Meios de Comunicação. Mas isto talvez não seja necessário pois, apesar da corrupção estar visivelmente instalada em todos os setores, a imprensa passa incólume: não se vê uma lista de jornalistas, repórteres e meios de comunicação corruptos. A julgar pela cobertura que damos a nós mesmos, estamos entre os profissionais de imprensa mais ‘cândidos’ do mundo.

TV gratuita é ilusão

Os dados fornecidos pelo governador do Paraná são reveladores e dão um forte indício do monopólio da mídia televisiva. A pergunta que deve ser feita é: a que interesses servem alguns dos grandes meios de comunicação brasileiros? Ao povo, à democracia, à liberdade de imprensa ou a eles mesmos? Esta pergunta deve ser respondida porque as concessões de TV, no Brasil (como na Venezuela), são públicas e não propriedade privada, como querem acreditar alguns.

Pela ênfase dos grandes meios de comunicação em determinar ao povo brasileiro qual o modelo energético que devemos seguir, qual modelo econômico devemos adotar, quem são os vilões da América Latina, se devemos ‘invadir’ ou não a Bolívia, acabar com a Previdência pública, investir menos em educação, diminuir o tamanho do Estado ou pagar os banqueiros, entre outros temas, percebemos que os meios de comunicação não querem simplesmente o papel de ‘imprensa livre e democrática’, mas o papel de governar através da mídia para uma minoria, sem dar voz para quem discorda deste ou daquele modelo.

De resto, ao povo, sobram os programas de ‘qualidade duvidosa’ chamados de entretenimento: receitas de bolo, venda de produtos, fofocas de celebridades, novelas fajutas nacionais e importadas, enlatados de quinta categoria que não contribuem em coisa alguma para a formação cultural e moral dos brasileiros. Não que a televisão deva seguir padrões pré-determinados de conduta, mas acontece que o conteúdo é muito ruim mesmo. Bem espremidos, se incluirmos o futebol, documentários, minisséries, conteúdo jornalístico e outros, sobra quanto de televisão de boa qualidade? 10%? 20%? E quem paga a conta? Nós, os consumidores da publicidade vinculada nessas redes, pois a TV gratuita não passa de uma ilusão fabricada pelo cartel.

Defesa da democracia

Se os proprietários dos grandes meios de comunicação estiverem realmente interessados na defesa dos valores ‘democráticos’, ao invés de se preocuparem com a Venezuela, deveriam atentar para a qualidade da televisão que estão fazendo para os milhões de brasileiros. Uma televisão, em geral, de péssima qualidade. E não adianta dizer que exportamos o lixo, como justificativa, porque nós importamos muito ‘lixo’ também e isto não quer dizer que ele tenha algum valor. Apostam os defensores do modelo atual que ninguém pode determinar o que é bom e ruim, somente o povo.

Recomendamos então, que se realizasse no país um grande plebiscito sobre a qualidade da TV brasileira; que trouxessem para as telas destas mesmas TVs, que acreditam tanto na opinião pública, o debate sobre o conteúdo que apresentam, de forma imparcial e democrática. Aí estaríamos defendendo realmente a democracia e o interesse de todo o povo brasileiro.

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Jornalista e escritor, Curitiba, PR