Quem são os gênios que inventaram as sobrecapas com publicidade e achincalham aquilo que jornais e revistas têm de mais nobre? E aqueles esdrúxulos formatos de anúncios nas páginas internas que matam a informação à sua volta – em que laboratório de criatividade foram produzidos?
Terá sido o anunciante o responsável pela subversão dos paradigmas de respeito ao leitor que existem há décadas ou foram as agências de publicidade que, em nome do anunciante, aproveitam-se da crise que deixou os jornais e revistas com a língua de fora para comprometer a sua dignidade e impor a supremacia da matéria paga?
Há clientes e clientes, agências e agências, publicitários e publicitários, veículos e veículos – injusto generalizar. Mas não se pode ignorar que a mídia impressa no Brasil, no seu conjunto, perdeu a compostura. Poucos são os veículos que conseguem resistir à chantagem dos anunciantes-publicitários.
E nenhuma das entidades empresariais, no caso a ANJ (Associação Nacional de Jornais), a ANER (Associação Nacional dos Editores de Revistas) ou mesmo o Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), teve a coragem de reclamar contra a perigosa desfiguração que compromete precisamente o segmento da mídia mais fragilizado.
Sem qualquer blindagem corporativa capitulam aqueles que gostariam de resistir.Hoje, mais importante do que as mais importantes informações passou a ser a publicidade. Antigamente havia um certo pudor, mesmo quando os céticos afirmavam que a imprensa só existe no verso dos anúncios. Agora é o esculacho, o deboche.
O maior adversário
As manchetes, a hierarquização das informações, a busca do impacto visual e tudo o que a arte jornalística engendrou ao longo de pelo menos dois séculos vai por água abaixo quando um poderoso anunciante resolve torrar o seu estoque e, para isso, decide que o seu anúncio deve sobrepor-se à capa da revista ou à primeira página de um jornal, qualquer que seja a notícia nelas veiculadas.
No caso dos diários os algozes são as grandes redes de varejo, que, com as raras e honrosas exceções, parecem impermeáveis aos pruridos morais dos empresários médios. O varejo barra-pesada não se importa com o dumping, a concorrência desleal e a sonegação dos impostos – com eles arromba as portas do clube dos maiores anunciantes do país. E a imprensa, que deveria coibir os abusos, não apenas os aceita como se torna beneficiária e cúmplice.
As novas vedetes do mercado publicitário (operadoras de telefonia e fabricantes de celulares), também aderiram ao vale-tudo: além das sobrecapas ou falsas capas em jornais e revistas, corroem as páginas internas ao impor desenhos de anúncios flagrantemente prejudiciais à leitura das informações.
A quem pode recorrer o leitor que paga pelo seu exemplar para ter uma informação livre de manipulações e trambiques? O Ouvidor da Folha reclamou, antes dele este Observatório [veja remissões abaixo], mas a discussão não aparece nos semanários nem nas páginas de Meio & Mensagem.
E a quem recorrem as empresas jornalísticas quando, afinal, resolvem investir nos seus veículos? Ao mesmo mercado. Agências e anunciantes não escondem seu entusiasmo pela imprensa de abobrinhas e o jornalismo dito ‘leve’. O mesmo mercado que secundariza a informação em benefício do anúncio detesta noticiário internacional, colunas políticas, matérias de interpretação, jornalismo cultural e a-do-ra as matérias de comportamento & manias, páginas de medicina & saúde, seções de comes & bebes, cadernos de showbizz e, sobretudo, colunas de notinhas mundanas (nas quais os publicitários são assíduos freqüentadores).
Qual o maior adversário da imprensa livre?
Depois de tantas ditaduras e censuras, a maioria tenderá a apontar os governos. Errado: governos são derrotados nas eleições. O tal do ‘mercado’ fica e manda.