Na última semana do verão (europeu) de 2006, o velho The Economist – que orgulhosamente se apresenta como newspaper, jornal – ocupou sua capa com um caso aparentemente policial (ver aqui).
Não é preciso ser um Sherlok Holmes para identificar o assassino. Quem matou o jornal foi a sociologia de botequim, acumpliciada com a pressa dos marqueteiros de modismos e novidades. O instrumento letal foi a proverbial falta de assunto no verão setentrional.
Cinco anos depois, na primeira semana do verão de 2011, o Economist reconhece que foi apressado: o jornalismo impresso nos EUA tem problemas, nos mercados emergentes, porém, a indústria jornalística está bombando.
Na matéria de 2006 todos os entrevistados eram consultores de marketing ou de empresas de tecnologia. Exceto um jornalista – aliás, brasileiro, da Zero Hora (Porto Alegre) – que nada fez para contestar a apressada conclusão do semanário.
Erro de diagnóstico
A matéria de capa desta semana (um especial de 14 páginas) é muito mais densa, mais bem articulada historicamente: “Back to the coffee-house”, em português “De volta aos cafés”. Parte da idéia de que no início do século 19, a conversa dos cafés reverberava e dava seqüência ao que saía na imprensa. A metáfora faz algum sentido, mas não todo o sentido: a socialização e a sociabilidade na Europa e EUA não se fazia apenas em cafés e casas de pasto. Outros espaços públicos funcionavam como câmaras de eco e até mais democraticamente.
A idéia serve perfeitamente à mensagem do texto: as redes sociais fazem hoje o que os cafés faziam há 200 anos. Desta vez, foram ouvidos poucos consultores e vendedores de serviços, as fontes eram mais pertinentes e competentes. Mas a pressão das férias iminentes levou os redatores a deixar alguns espaços em branco no panorama que pretendiam traçar do jornalismo na primeira década do século 21. Os senões foram agravados pelo desfecho do caso News of the World, que coincidiu com o dia do fechamento da edição. Não houve tempo para examiná-lo com mais detalhes e melhor perspectiva.
De qualquer forma, houve o reconhecimento formal de um grave erro de diagnóstico que, espera-se, não precisará ser corrigido em 2016.
Trecho do que foi publicado por este observador neste Observatório em em 29/8/2006, sob o subtítulo “A ação dos assassinos”:
A matéria da Economist é um modelo de falta de assunto. Saiu na última semana de agosto, fim das férias do verão europeu, quando as gavetas dos editores já estão vazias, raspadas ao longo de, pelo menos, quatro semanas de abobrinhas e pautas mixurucas.
Cascata socioeconômica desprovida de qualquer fato novo, repetição do que já vem sendo dito há um par de anos sobre o inevitável fim dos jornais e a sua substituição pela internet. Parcial e preconceituosa do princípio ao fim. Desfibrada pelo calor do verão, a mais inteligente das revistas da atualidade optou pela simploriedade, saiu burra.
O título “More media, less news” – mais veículos, menos notícias – é capcioso e perigoso. Se é constatação, está liminarmente errado (hoje há menos veículos e menos informação). Como proposta é suspeita porque parte do princípio de que é positiva a fragmentação dos meios de informação.
O subtítulo é enganoso: a não ser na utilização das ferramentas de busca os jornais não estão fazendo progressos no uso da internet. E nem poderiam fazê-lo de forma ilimitada, já que os diários são periódicos, necessariamente intermitentes, e a internet funciona em tempo real, em fluxo contínuo.
Mas o que chama a atenção imediatamente é a ambigüidade da palavra newspaper. Como a Economist começou como jornal semanal há 163 anos, continua referindo-se a si mesmo como newspaper. Tem até a palavra newspaper na razão social. Chique, very British.
Mas se os newspapers estão mortos ou sendo mortos como proclama na capa, onde se situa The Economist – entre as vítimas, quase-vítimas ou sobreviventes?
Todas as soluções para salvar a imprensa mencionadas na reportagem são sopradas por consultores e analistas que jamais meteram a mão na massa. Não aparece um único jornalista eletrônico explicando as vantagens da internet sobre os jornais impressos
A internet poderá roubar grande parte dos classificados dos jornalões, mas perderá sempre nos anúncios do tipo display. Os pop-ups dos portais de notícias já foram febre, hoje são praga. Não vendem, afugentam.
Os jornais gratuitos, os metronews, apontados como solução para a crise dos jornais, são formas alternativas de informação impressa destinados à prestação de serviços e noticiário ligeiro. Até agora não conseguiram encontrar a necessária entonação e a imperiosa credibilidade para se transformarem em efetivos mediadores. Descartáveis a partir da sua própria natureza.
Um consultor afirma que os leitores hoje querem informações capazes de fazê-los mais ricos. E um editor brasileiro afirma categórico que os leitores querem mais suplementos de culinária e decoração e menos Hezbollah e terremotos.
Quem matou o jornal (ou a revista)?
Não é preciso ser um Sherlock Holmes para afirmar que os assassinos agiram em bando – são as férias de verão e a irresponsabilidade de publicar qualquer coisa antes do dia 1º de setembro. (Íntegra aqui.)