Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem matou o jornal?

A parte mais profícua da mídia está desaparecendo, motivo para preocupação, mas não para pânico. Em 1961, Arthur Miller cunhou para a história do jornalismo universal: ‘Um bom jornal, penso eu, é uma nação falando consigo mesma’. Uma década mais tarde, dois repórteres do Washington Post escreveram uma série de reportagens que levou à derrocada do presidente Nixon, e o jornalismo impresso ganhava maior prestígio. Na melhor das hipóteses, os jornais – que geralmente definem a pauta de notícias para as outras mídias – deveriam obrigar governos e empresas a prestar contas; mas em países ricos os jornais são agora uma espécie ameaçada de extinção. O negócio de vender a palavra aos leitores e estes aos anunciantes – papel pelo qual o jornal se sustenta na sociedade – está se deteriorando.


De todas as ‘antigas’ mídias, o jornal é o que mais tem a perder com a internet. Há décadas a circulação de jornais impressos tem tido queda nos Estados Unidos, na Europa Ocidental, na América Latina, Austrália e Nova Zelândia (em outros lugares, as vendas têm aumentado). Porém, nos últimos anos, a web tem acelerado esta baixa. Philip Meyer, autor do livro The Vanishing Newspaper (O desaparecimento do jornal), calcula que o primeiro trimestre de 2043 será o momento em que o texto impresso em papel desaparecerá nos Estados Unidos, assim que o último leitor esgotado jogar fora a última edição gasta e amassada.


Este tipo de inferência teria incomodado Beaverbrook ou Hearst, mas até o mais poderoso e cínico homem de notícias não poderia negar o fato de que cada vez mais os jovens estão buscando notícias pela internet. Jovens britânicos entre 15 e 24 anos dizem que passam quase 30% a menos de tempo lendo os jornais nacionais depois que começaram a usar a internet.


A propaganda está seguindo os leitores para fora de casa. A velocidade é quase incômoda, em grande parte, porque a internet é uma mídia atraente que supostamente aproxima compradores de vendedores e prova aos anunciantes que o dinheiro deles está sendo bem aplicado.


Papel degradado


Os anúncios de classificados, em particular, estão migrando rapidamente para a internet. Rupert Murdoch, o Beaverbrook de nossa época, descreveu-os uma vez como o rio de ouro da indústria – mas, segundo ele mesmo: ‘Às vezes, o rio seca’. Na Suíça e na Holanda, os jornais perderam metade dos seus anúncios de classificados para a internet. Ainda não há um grande número de jornais fechando as portas, mas isso é só uma questão de tempo. Ao longo das próximas décadas, metade dos jornais correntes dos países ricos vai encerrar suas atividades.


Os empregos já estão desaparecendo. Segundo o Newspaper Association of America, o número de pessoas empregadas na indústria caiu em 18% entre 1990 e 2004. As ações em baixa das empresas de jornais listadas na bolsa de valores têm despertado a exaltação dos investidores. Em 2005, um grupo de acionistas da Knight Ridder, proprietária de uma cadeia de jornais dos Estados Unidos, fez a firma vender seus jornais, acabando assim com uma história de 114 anos. Este ano, a Morgan Stanley, um banco de investimentos, atacou a New York Times Company – a instituição jornalística mais respeitável de todas – porque o preço de suas ações caiu quase à metade em quatro anos.


Enfim os jornais estão acordando, depois de anos ignorando a realidade. Muitos também estão tentando atrair jovens leitores direcionando o conteúdo de suas histórias para o entretenimento, estilos de vida e assuntos que pareçam mais relevantes à vida diária das pessoas do que as notícias internacionais e de política. Eles estão tentando criar novos negócios dentro e fora da internet, além de investir em jornais diários gratuitos, que não esgote nenhum de seus limitados recursos editoriais voltados para revelar a corrupção política ou a fraude empresarial. Até agora, esta explosão de atividades não parece ser a salvação de muitos deles. Mesmo se o for, ela anuncia a degradação do papel público da imprensa.


O perigo no meio


No futuro, quando os jornais desaparecerem e se transformarem, poderão os políticos violar e roubar o escritório de seus inimigos sem ser punidos? E os bandidos corporativos rirão enquanto pisam em suas vítimas? As escolas de jornalismo e think-tanks (grupos de estudo independentes), principalmente nos Estados Unidos, estão preocupadas com o efeito de uma desagregação do ‘quarto poder’. As organizações de notícias de hoje ‘estarão à altura para manter os cidadãos informados, sobre a qual a democracia se sustenta?’, perguntou recente reportagem sobre os jornais da Carnegie Corporation de Nova York, uma fundação de pesquisas beneficente.


Ninguém gostaria de morrer com títulos importantes no passado. Entretanto, o declínio do jornal não será tão prejudicial à sociedade quanto alguns pensam. A democracia, lembre-se, já sobrevivera ao enorme declínio gerado pela televisão, em circulação desde os anos 50; sobrevivera quando os leitores desprezaram os jornais e estes desprezaram o que em tempos mais difíceis era tido como notícia séria, e certamente sobreviverá ao declínio que está por vir. Isto se deve, em parte, aos poucos títulos que investem no tipo de estórias investigativas muitas vezes benéficas à sociedade – a maioria tem boas chances de sobreviver, contanto que seus proprietários façam um bom serviço na hora de se ajustarem aos tempos de mudança.


Publicações como o New York Times e o Wall Street Journal poderiam elevar o preço de seus jornais para compensar a perda de ganhos publicitários para a internet – especialmente quando direcionados a um leitor mais global. Como em muitas indústrias, são aquelas que estão no meio – nem muito marrom, nem muito populista – as mais prováveis de morrerem no caminho. A função da imprensa vai muito além de investigar abusos ou mesmo divulgar notícias gerais; trata-se de responsabilizar governos e submetê-los ao julgamento da opinião pública. A internet expandiu este julgamento. Qualquer pessoa interessada em informação nunca esteve tão bem-equipada. Elas não precisam mais acreditar num punhado de jornais nacionais ou, pior, no jornal local de sua cidade.


Vários sinais


Sites de agrupamento de notícias, como o Google News, reúne fontes do mundo todo. O website do jornal britânico Guardian tem agora quase a metade dos muitos leitores nos Estados Unidos quanto em seu próprio país. Além disso, uma nova força de jornalistas ‘cidadãos’ e bloggers está ávida por obrigar os políticos a prestarem contas. A web abriu o mundo fechado dos editores e repórteres profissionais a qualquer um com teclado e uma conexão à internet. Várias companhias são repreendidas por postings amadores – de chamas saindo de laptops da Dell ou de um funcionário da empresa de TV a cabo dormindo no sofá. Cada blogger pode influenciar e espalhar notícias falsas, porém, ao todo, os bloggers oferecem ao pesquisador – atrás da notícia – material ilimitado para se pensar a respeito. Claro, a internet explora a curiosidade de mentes fechadas; mas assim tem feito a maior parte da imprensa.


Para a reportagem de notícias e coberturas mais densas – como oposição à opinião – os resultados do jornalismo na internet foram, de fato, limitados. A maioria dos bloggers opera de suas poltronas, não na linha de frente, e jornalistas cidadãos tendem a não fugir das questões locais. Mas ainda é muito cedo. Novos modelos online aparecerão enquanto os jornais podem desaparecer. Um grupo sem fins lucrativos, o NewAssignment.Net, planeja combinar o trabalho de amadores e profissionais com o intuito de produzir histórias investigativas na internet. Em boa hora, 10 mil dólares em espécie para o projeto vieram da Craig Newmark, da Craiglist, um grupo de websites de anúncios classificados grátis, que provavelmente fez de tudo para acabar com o ganho dos jornais. No futuro, afirma Carnegie, qualquer jornalismo de alta qualidade será endossado por organizações sem fins lucrativos. Já existem algumas organizações de notícias que se sustentam desta maneira – incluindo The Guardian, The Christian Science Monitor e a National Public Radio.


Um grupo de elite com sérios jornais disponíveis online em qualquer lugar, jornalismo independente apoiado por instituições beneficentes, milhares de bloggers entusiasmados e jornalistas cidadãos bem-informados: existem vários sinais mostrando que o diálogo nacional de Arthur Miller será mais ouvido do que nunca.