Há momentos na vida em que a realidade não cabe nos parâmetros dos que são obrigados a conviver com ela. E é justamente um desses momentos que chegou agora para O Povo, ao ter de anunciar a morte de seu presidente, o jornalista Demócrito Dummar.
Não só a família, os integrantes do jornal e os amigos foram apanhados de surpresa, mas todos aqueles que tiveram o privilégio de, alguma vez, ser tocados – ainda que indiretamente – pelo seu entusiasmo vibrante e sua arguta capacidade de mobilizar energias para as melhores causas do Ceará – e, por que não dizer –, em favor de tudo que recendesse humanidade.
Não era para menos, Demócrito soube encarnar como ninguém a capacidade prospectiva de seu avô, e fundador do O Povo, Demócrito Rocha, e o seu amor pelo jornal – cultivado pelos sucessores deste: Creuza Rocha, Paulo Sarasate e Albanisa Sarasate. Mais do que isso: levou avante o compromisso de realizar um jornalismo crítico, pluralista e sensível à realidade social circundante, tarefa que pode entregar com orgulho aos que ficam.
Sua contribuição pessoal a esse legado foi a de incentivar um jornalismo que fosse além da simples observação, divulgação e interpretação dos fatos, mas atuasse igualmente como instrumento de mobilização e articulação das forças criativas da sociedade, contribuindo para que esta tivesse autoconsciência de seu próprio poder transformador.
Sementes de solidariedade
Demócrito tinha alma de poeta, audácia de visionário e sensibilidade de apaixonado pelo humano. Aliado a isso, uma profunda humildade e capacidade de escuta, que o levava a se colocar sempre na condição de quem acreditava que as pessoas (ainda as mais simples) tinham sempre alguma contribuição a dar.
Compreender sua partida é difícil. Mas resta o consolo de saber que não partiu de mãos vazias, pois quem soube espalhar sementes de solidariedade, como ele, ao derredor, jamais será recebido com indiferença pelo Eterno, quando disser: eis-me, aqui.
Para nós, resta a abissal saudade, mas também a gratidão por ter convivido com alguém de densidade humana tão transbordante.
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Morre Demócrito Dummar
Mozarly Almeida # Reproduzido do Diário do Nordeste (Fortaleza, CE), 26/4/2008
O diretor-presidente do Grupo de Comunicação O Povo, Demócrito Rocha Dummar, 63 anos, faleceu no início da tarde de ontem. A notícia de sua morte repentina consternou e trouxe perplexidade ao meio empresarial e à imprensa cearense. O corpo será velado na Assembléia Legislativa do Ceará a partir das 8 horas de hoje [sábado, 26/4]. E, ao meio-dia, levado para os jardins da sede do O Povo, na Avenida Aguanambi. O enterro ocorre às 16 horas, no Cemitério Parque da Paz.
Neto de Demócrito Rocha, fundador do jornal O Povo e filho de Lúcia Dummar e João Dummar, Demócrito Dummar era bacharel em Direito. Ingressou no O Povo aos 17 anos e assumiu a presidência em maio de 1985.
Demócrito Dummar era casado há 30 anos com Wânia Cysne Dummar e tinha quatro filhos: Georgiana, Luciana, Demócrito Filho e João Dummar Neto, e três enteados: Ronaldo Cysne, Lisiane e Tatiana.
O governo do Estado do Ceará decretou luto oficial de três dias em virtude do falecimento do presidente do grupo de Comunicação O Povo. As solenidades marcadas para a próxima segunda-feira foram adiadas para a terça-feira.
Ainda na tarde de ontem [sexta, 25], a direção do Grupo divulgou uma nota oficial sucinta sobre o falecimento. No início da noite, mais uma nota na qual explicava: ‘A família não quer se pronunciar neste momento de dor e pede a todos que guardem na lembrança não só o jornalista que durante quase 45 anos se dedicou ao jornal O Povo. Mas, acima de tudo, o homem que inspirou gerações de cearenses. E que continuará inspirando’.
Comunicação
Além do jornal O Povo – fundado em 7 de janeiro de 1928 –, pertencem ao grupo ainda três rádios AM, uma FM, a Fundação Demócrito Rocha e a TV O Povo, a mais recente.
Ontem, por volta das 16 horas, coube ao colunista político Fábio Campos, em nome da família, falar para imprensa sobre a morte de Demócrito Dummar, no pátio de acesso da empresa. Explicou que integrantes da família estavam viajando. Com o olhos marejados, como muitos dos funcionários ali, Fábio Campos respondeu, pacientemente, a todas as perguntas dos jornalistas.
Ele informou que Demócrito Dummar faleceu em sua residência, no Bairro Aldeota. Ressaltou que a família passa por um momento de profundo pesar, ‘com essa tragédia que abala, frontalmente, a todos nós’, ressaltou.
Fábio Campos lembrou que no período da manhã, como costumava ocorrer, trocou idéias com o presidente do jornal sobre o conteúdo da coluna Política que assina.
‘Ele acompanhava de perto o jornal, sempre com muito entusiasmo’, disse, reafirmando que uma das marcas de Demócrito era a luta pela liberdade de imprensa e de expressão.
‘Ele só pedia ponderação e era, antes de tudo, um entusiasta’, ratifica Fábio Campos, acrescentando que o diretor-presidente lia o jornal O Povo ‘com olhos do leitor’.
Para o colunista, a surpresa maior com a morte do proprietário de O Povo registra-se ‘porque este era o momento dele’. Fábio Campos disse isso referindo-se à alegria do empresário com as comemorações e as homenagens que o grupo vinha recebendo por conta dos 80 anos de existência do jornal.
A morte do proprietário do jornal O Povo atraiu aos jardins da empresa, além dos funcionários, curiosos e políticos. O deputado Nelson Martins, líder do governo na Assembléia, também esteve presente e destacou a grande importância da empresa para o setor de comunicação no Estado do Ceará.
‘A forma de fazer jornalismo de Demócrito Dummar e a maneira como O Povo tratava as questões cotidianas da cidade não podem deixar de ser reconhecidas’, disse.
Funcionários lamentam a perda
Na mais antiga empresa do grupo, o jornal O Povo – que este ano completou 80 anos –, o clima era de intensa tristeza na tarde ontem. Jornalistas admitidos há anos na empresa e os recém-chegados ao O Povo, funcionários de diversos setores, políticos e alguns poucos curiosos se aglutinaram no pátio de entrada. A dimensão da perda daquele por muitos considerado ‘o comandante’ de O Povo estava ali, indubitavelmente, retratada no semblante dos presentes.
Visivelmente abalado, o ombudsman de O Povo, Paulo Verlaine, admitiu que o corpo de jornalistas da empresa estava em estado de choque com a morte de Demócrito Dummar.
‘Ele foi uma pessoa que sempre estimulou o trabalho da gente, em todos os setores’, disse Paulo, lembrando que o cargo de ombudsman só existe no jornal por iniciativa de Demócrito Dummar. ‘Ele criou e fortaleceu o cargo’, ratificou, adiantando ainda, que o presidente da empresa não interferia em seu trabalho. ‘Fui eu que, em um momento, o alertei que iria criticar o editorial por considerá-lo muito elogioso e, noutro, quando fiz uma crítica durante a realização do Vida e Arte’, depõe Verlaine.
‘Estamos transtornados’, disse, em tom de tristeza, Gualter Jorge, editor executivo de Conjuntura de O Povo. Segundo Gualter, o relacionamento de Demócrito Dummar com a redação era o melhor possível. ‘Ele trocava idéias, apresentava pautas’, comentou. Ao final, declarou: ‘Vamos tentar agora nos reorganizar’.
Repórter policial e um dos funcionários mais antigos, Landry Pedrosa referiu-se ao chefe, ou melhor ‘ao comandante’, como uma pessoa amiga. ‘Tomei conhecimento de sua morte às 14 horas. Foi uma surpresa, um choque’, enfatizou.
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O que pensam dele
** É com pesar que o Governo do Estado se solidariza com a família Rocha Dummar nesse momento. A perda de Demócrito é irreparável pelo cidadão e profissional brilhante que sempre foi. Sua história deixa um legado de luta em defesa dos direitos e da liberdade de expressão, na construção de uma sociedade democrática. Que o Grupo O Povo consiga superar esse momento e continue sendo forte na construção de um Ceará mais verdadeiro. (Cid Gomes, Governador do Estado)
** Como prefeita e jornalista me solidarizo com a família Rocha Dummar e colaboradores d´O Povo. Demócrito foi grande líder e deixará a marca do seu trabalho. Em mais de 40 anos, assumiu a luta pela cidadania e desenvolvimento político, cultural e econômico de Fortaleza e do Ceará. Honrou a tradição de um Grupo de Comunicação que chega aos 80 anos, mister de um dos mais importantes capítulos do jornalismo, não só regional, mas brasileiro. (Luizianne Lins, Prefeita de Fortaleza)
** Estou muito abalada com a morte de Demócrito, tanto como presidente da ACI, entidade da qual ele participou ativamente, e também como profissional que trabalhou durante 25 anos no jornal O Povo. Tínhamos uma relação marcada pelo respeito e pelo afeto. Estou muito triste. Perdemos uma pessoa de muito valor, um homem que fez do jornal um veículo de comunicação que esteve sempre na vanguarda do jornalismo. (Ivonete Maia, Presidente da ACI)
** A imprensa brasileira está de luto. Demócrito foi um dos fundadores da ANJ e era um entusiasta das modernizações dos jornais brasileiros. Fez d´O Povo uma das mais vibrantes publicações do País. Era um homem generoso, que dentro da nossa entidade sempre batalhou pelas ações de caráter social, sobretudo na educação e melhoria da alfabetização brasileira. A ANJ perdeu um companheiro valoroso e eu perdi um amigo. (Nelson Sirotsky, Presidente da ANJ)
** Tomados pela perda de um de seus baluartes, os radiodifusores cearenses expressam imenso pesar por Demócrito Rocha Dummar. Ele marcou a história da radiodifusão pelo exemplo de empreendedorismo no setor da comunicação e como imbatível defensor da imprensa. Registra-se o profundo pesar dos radiodifusores cearenses à família Dummar. Sua partida deixa um espaço impreenchível na radiodifusão brasileira. (Edilmar Norões, Presidente da Acert)
** É uma perda muito triste para mim, porque também é a perda de um amigo. Demócrito era uma pessoa que colocava amor e dedicação em tudo o que fazia. Buscava o diálogo, a troca de idéias que permitia um nível elaborado na cobertura jornalística. Como pessoa, era doce, otimista. Todos estão muito tristes com sua morte. Sinto essa perda como empresário e amigo da família. A ele rendo todas as homenagens. (Roberto Macedo, Presidente da Fiec)
** É uma perda inestimável, não só para quem trabalhou e conviveu com ele, mas também para a empresa que ele conduzia. A imprensa brasileira e cearense hoje estão desfalcadas, num momento em que O Povo era glorificado pela sua história. Sua morte deixa uma lacuna, mas seu legado será continuado por muito tempo para que ainda possamos comemorar 100 anos de jornal, seu grande sonho. (Adísia Sá, Jornalista)
** Encerra-se um ciclo depois de perder-se Edson Queiroz, José Afonso Sancho e Venelouis Xavier. É uma perda irreparável. Demócrito era um homem de projetos arrojados. Suas idéias não tinham limites. Nunca se distanciava de suas bandeiras e seus sonhos. Solidarizo-me com os funcionários d´O Povo e com a família Rocha Dummar. O Povo era a menina dos olhos dele. Demócrito tinha um amor especial pelo jornal. (Deborah Lima, Presidente do Sindjorce)
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Editor-sênior de O Povo