A cirurgia plástica foi exibida no domingo, 21/5. Exatas duas semanas depois, domingo (4/6), o jornalão parecia ter saído de nova cirurgia. Era outra coisa. Culpa do clima carnavalesco da Copa ou de algum vendaval intestino, a verdade é que a primeira página da ‘Folha-padrão-Hugo-Boss’ estava mais para Daslu, empetecada e embonecada.
E não apenas a capa: a página A 8 (comemorativa da pseudo-efeméride do primeiro aniversário do mensalão) parecia coisa do Miami Herald ou do USA Today nos seus piores dias. Aquele enorme infográfico, capaz de produzir orgasmos no pessoal da Universidade de Navarra, revelava o quanto o jornal distancia-se de uma definição no tocante à função do texto.
A reclamação de alguns corajosos colunistas nos primeiros dias da reforma contra a diminuição dos respectivos espaços tornou-se quase insignificante diante da exibição desinibida do desamor pelo jornalismo narrativo e pela reportagem organizada literariamente.
Existencialismo fashion
De nada valeu a sondagem do DataFolha garantindo que 86% dos leitores aprovaram a reforma gráfica do jornal (pág. A 6). A operação cosmética foi dirigida aos que não eram leitores do jornal. Sua opinião é a que interessa, mesmo que através de pesquisas qualitativas. Os que passaram a comprar o jornal depois da aplicação dos ‘efeitos especiais’ é que deveriam ser ouvidos. E se nestes 15 dias não houve aumento expressivo de circulação, então jogou-se dinheiro pela janela. Mais uma vez.
Jogou-se pela janela, principalmente, aquela noção de estabilidade e perseverança que acompanha os grandes diários ao longo de décadas.
Quando da reforma do Estadão, houve um prudente recuo nos dias seguintes. Poda nos exageros. Na Folha deu-se o oposto, o jornal soltou as frangas, ‘botou pra quebrar’.
Existem intervenções cosméticas que não chamam a atenção e, por isso, ajudam a preservação da imagem de uma criatura ou produto. A da Folha foi relutante, disputada e, por isso, parece tão atabalhoada e incompleta.
No entanto, está sendo extremamente útil para mostrar que a nossa mídia impressa não está preocupada com o seu futuro nem com o seu conteúdo. Aceita o apocalipse e, para esquecer a sua inevitabilidade, entrega-se a um existencialismo fashion: muda por mudar. Isto, em geral, custa caro.