Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Refugiados no país do futuro



Assista aqui ao primeiro programa desta série; o segundo programa está aqui e o terceiro, aqui.






A ascensão do regime nazista na Alemanha, em 1933, mudou a face da Europa. Progressivamente, os não arianos, sobretudo os judeus, passaram a ser perseguidos e exterminados. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939, o drama estendeu-se para os territórios ocupados pela Alemanha de Adolf Hitler. O visto de entrada para um país neutro ou aliado era a chance para uma nova vida longe dos campos de concentração.

Neste cenário, o Brasil converteu-se no sonho de


milhares de imigrantes que buscavam deixar a Europa. Entre 1933 e 1945, cerca de 20 mil foram autorizados a entrar no Brasil. Mas quantos foram excluídos? E que interesses pautavam os critérios de escolha do governo brasileiro?

O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (1/12) pela TV Brasil exibiu o quarto e último episódio – intitulado ‘Os refugiados no país do futuro’ – da série especial sobre os setenta anos do início da Segunda Guerra Mundial. Para contar esta história, Alberto Dines entrevistou exilados que vieram para o Brasil e historiadores.


No editorial que abriu o programa, Dines falou sobre o drama do mais célebre refugiado europeu que buscou abrigo no Brasil durante a guerra: o escritor austríaco Stefan Zweig. Autor consagrado, após passar um período na Inglaterra Zweig transferiu-se para o Brasil em busca de um lugar onde estivesse a salvo das atrocidades cometidas por Hitler. ‘Stefan Zweig foi caluniado e desprezado pela imprensa da capital quando lançou em seis idiomas, em plena guerra, a sua utopia Brasil, um país do futuro‘, afirmou Dines [ver íntegra abaixo]. Amedrontado pela a expansão do nazismo, seis meses após o lançamento do livro o escritor cometeu suicídio.


Em seguida ao editorial, Dines explicou que a ascensão de Hitler ao poder transformou a Europa no ‘continente da intolerância e do ódio racial’. Suzane Behrend, que se transferiu com a família para Rolândia (PR), ainda na década de 1930, relembrou quando sentiu o ‘terror nazista’ pela primeira vez.


‘Foi com 12 anos, na aula de Biologia. Quando o professor me chamou e falou perante a classe que `essa raça tem que sumir da face da terra´. Na vida cotidiana, as pedras voavam atrás da gente. E quando a gente entrava no bonde, não podia entrar na frente. `Judeu entra atrás´. `Judeu não senta no banco´. `Judeu não pode sentar com ariano, porque é raça inferior´. A gente sente isso, e como sente’, recordou. Eva Sopher, diretora do Teatro São Pedro, de Porto Alegre (RS), também chegou ao Brasil com a família no mesmo período. ‘A gente ia buscar o pão, aí dizia-se: `Juden sind hier Unerwünscht´, que quer dizer `não somos desejáveis´ ‘, disse.


Outra família que deixou a Europa nos anos 1930 foi a de Clara Ant, hoje assessora especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por conta das sanções impostas aos judeus, seus pais mudaram-se para a Bolívia. ‘Meu pai tinha um primo que sobreviveu da seguinte maneira: os alemães chegaram e enfileiraram todos os judeus. Estavam caminhando ali, como todo mundo já viu em filme. E, aí, o dono da padaria, que gostava muito daquela família, viu aquele menino indo, e falou assim para o alemão: `Soldado, deixa esse judeuzinho para mim, deixa que eu cuido dele´, como quem diz, `deixa eu matá-lo´. Deixaram, e foi assim que ele sobreviveu quase cinco anos no porão da padaria’, disse.


Sem saída


Na Áustria anexada por Hitler, o terror também foi logo implantado. Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego, contou a Dines como percebeu que o fato de ser judeu o diferenciava das outras crianças. ‘As crianças receberam bandeirinhas com a Cruz de Granada, para saudar as tropas de Hitler. E eu estava, obviamente, como meus amiguinhos, louquinho para ver as tropas com a bandeirinha. E fui falar com minha mãe que eu ia fazer isso e ela falou: `Não, você não pode ir´. Eu falei: `Mas por que eu não? Todas as crianças estão indo´. E ela falou: `Ah, porque você é judeu´. Então eu descobri que eu era alguma coisa diferente das outras crianças’, lembrou.


Dines explicou que as leis raciais de 1936 impunham que fossem carimbados com um ‘J’ vermelho os passaportes das famílias de origem judaica. ‘No passaporte dos homens era acrescentado o nome Israel. No das mulheres, Sara. Estavam impedidos de sair da Alemanha e tachados para sempre como indesejáveis’, disse. Outra marca imposta pelo regime nazista era o número tatuado no braço dos prisioneiros dos campos de concentração.


‘Tem até um senhor que veio junto com a gente para o Brasil, são duas famílias que saíram juntas da Bolívia, ele ainda está vivo e é o melhor amigo do meu pai. E aquele número nos afligia muito, às crianças. A gente perguntava o que era e eles não queriam contar. Então, brincavam, falavam que era número de telefone. Aí, a gente, muito curiosa, ia conferir. `Não, mas não é o seu número de telefone´ ‘, contou Clara Ant. O horror pelo o qual aquele senhor havia passado só foi revelado para as crianças tempos depois.


Regina Weinberg, fundadora da Fundação Vitae, considera que o primeiro ‘milagre’ que contribuiu para que sua família não fosse exterminada ocorreu em uma pequena cidade da Iugoslávia, ocupada por alemães. ‘Um dia, fomos todos avisados de que no fim da tarde, com uma pequena malinha, teríamos que esperar porque iriam nos buscar para nos transportar para um outro lugar. Ninguém sabia, naquela ocasião, o que significavam os transportes. Nós estávamos prontos, cada um com uma malinha, esperando na janela. Nós vimos uns judeus vizinhos subindo no caminhão, mas não vieram nos buscar’, recordou. Até hoje, ela não sabe se o caminhão estava lotado ou se os policiais esqueceram de sua família.


O programa mostrou que a maioria das famílias perseguidas não conseguiu escapar. ‘Levando em consideração a dimensão numérica das pessoas que tentavam fugir, a grande verdade é que a maioria das pessoas não conseguiu. Não tinham nem referencial, não tinham passaporte, não sabiam idiomas e pereceram no Holocausto’, explicou o historiador Fábio Koifman, autor de O Quixote nas trevas. Paul Singer lembrou que, à época, não havia uma saída legal para os judeus. ‘Meus avós, pais do meu pai, ficaram lá e desapareceram. Vários tios, primos desse lado da minha família, não puderam sair de lá’, disse.


Negócio lucrativo


Multidões faziam filas nas portas dos consulados e embaixadas . Diz Regina Weinberg: ‘Meu pai começou com as tentativas de nos trazer para o Brasil. E ele conseguiu nos mandar um passaporte haitiano, obviamente falso, com o visto para o Paraguai. O cônsul pegou o passaporte e disse: `Eu tenho que apreender esse passaporte, é falso´. Mamãe, a única coisa que ela sabia fazer naquele momento, era chorar. Ela disse `Olha, eu estou sozinha aqui com três crianças no meio da guerra e vou ficar sem documentos´. O cônsul levantou, pôs o passaporte na mesa e disse: `Eu vou sair um momento, a senhora faça o que quiser, nunca a vi´ ‘. Regina contou que sua mãe pegou os passaportes e saiu da sala rapidamente.


No Brasil, trancas pesadas dificultavam a entrada de refugiados. ‘Existia, já vindo da década de 1920, uma adaptação das idéias eugênicas muito em voga na Europa – e nos Estados Unidos – de que o desenvolvimento dos países estava relacionado com a formação étnica dos povos. Então, a imigração seletiva poderia ajudar melhorando a qualidade, o banco genético da população’, explicou Fábio Koifman. ‘A restrição de um modo geral a estrangeiros se iniciou a partir de 1934, foi tema debatido na Constituinte que começou em 1933. A partir dessa época, começou a se estabelecer cotas para certas nacionalidades entrarem no Brasil. Em 1937, houve uma circular determinada pelo governo Vargas para que, especificamente, não se concedessem determinado tipos de visto para os judeus’.


Dines ressaltou que no período crítico da guerra, entre 1938 e 1941, entraram no Brasil apenas nove mil refugiados. ‘Por conta desta irrisória cifra, houve quem tentasse responsabilizar o ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha. Na verdade, a partir de 1938, a questão imigratória foi transferida para a alçada do Ministério da Justiça e entregue ao fascista Francisco Campos e seus asseclas’, sublinhou.


As autoridades começaram a aprimorar a burocracia para impedir a vinda de imigrantes que não se encaixavam no padrão almejado pelo governo brasileiro. Fábio Koifman disse que em 1938 foi emitida uma lei – o decreto 3.010 – que era um ‘manual completo’ de como proceder para concessão de vistos. Além de toda a documentação que anteriormente já era exigida, para obter um visto passou a ser necessário um ‘nada consta’ das autoridades policiais locais, e um atestado médico. O cônsul tinha que examinar a pessoa para verificar a cor da pele e os traços físicos. A cada dia ficava mais difícil aos imigrantes comuns obter um visto. Mas as dificuldades não chegavam a afetar diretamente os mais abastados ou famosos, desde que não fossem portadores de ‘idéias dissolventes’.


A atitude de outros países do continente em relação aos refugiados foi examinada por Dines. ‘Pequenos países das Américas foram mais generosos ou mais espertos: o Uruguai recebeu quase onze mil refugiados, o mesmo que a pequena Cuba de Fulgêncio Batista. A Bolívia recebeu no período crítico, de 1938 a 1941, vinte mil refugiados contra os nove mil entrados no Brasil. Haiti e República Dominicana fizeram negócios duplamente lucrativos: primeiro facilitavam a entrada de judeus e, em seguida, a sua saída para os Estados Unidos’, disse.


Conservadorismo americano


No segundo bloco do Observatório, Dines explicou que em 1940, quando Paris foi ocupada pelos nazistas, o governo francês se transferiu para Vichy, e nesta cidade passou a funcionar ‘a base de operações do Schindler brasileiro’, o embaixador Souza Dantas. Fábio Koifman disse que o embaixador concedia vistos de próprio punho. ‘Eram todos vistos diplomáticos. Como a concessão do visto obedecia um rigor extremo que nenhum refugiado tinha condição de obter, ele deu vistos que constavam só o carimbo da embaixada, a assinatura dele e os dizeres em francês: `Válido para o Brasil´ ‘, disse.


Um embaixador, normalmente, não concede vistos. Koifman explicou que ao saber que estava sendo processado, Souza Dantas argumentou que, na ausência de serviço consular, também assumiu essa função. ‘Na verdade, ele assumiu essa tarefa porque se viu diante do drama daquelas pessoas e achou necessário intervir. Então ele foi concedendo vistos em diversos locais, como restaurantes, e deu vistos para cerca de mil pessoas’, disse. Para o historiador, o diferencial de Souza Dantas é que as pessoas para as quais o embaixador concedia os vistos eram, em geral, ‘pessoas comuns’ e não apenas refugiados de maior expressão política ou intelectual.


Murillo Mello Martins, cônsul-geral em Marselha, atuou em sintonia com o embaixador Souza Dantas. ‘A minha mãe pegou nossos vistos, pegou um trem noturno para Marselha e no outro dia foi lá no consulado. Não tinha ninguém, o cônsul perguntou o que ela queria, e ela disse: `Eu quero um visto para mim, meu marido, meus dois filhos, para o Brasil´. E o homem sem falar nada, pegou aquela borrachinha e os passaportes e carimbou: `Visto válido por 90 dias, sem licença de trabalhar´. Naquela época, um simples carimbo de borracha era a diferença entre a morte e a vida’, lembrou Klaus Oliven, filho de Fritz Olven.


Outro diplomata que se recusou a obedecer aos rígidos padrões para emigração durante a guerra foi Aristides Souza Mendes, o cônsul português em Bornéus. Dines destacou que Lisboa era o único porto neutro do Atlântico, mas o ditador português Oliveira Salazar, fascista, controlava pessoalmente o Ministério do Exterior e agia em estreita colaboração com a Gestapo, a polícia secreta alemã.


A jornalista portuguesa Diana Andringa destacou que o cônsul era um conservador, mas confrontado com o dilema de obedecer ao governo e negar o visto para os que batiam à sua porta, escolheu salvar vidas. Demitido sumariamente do serviço público, passou fome com os 13 filhos. ‘Souza Mendes nunca se queixou, pelo contrário. Disse sempre: `Se tantos judeus puderam sofrer por causa de um católico, referindo-se a Hitler, também eu que sou católico posso sofrer para salvar milhares de judeus´’, anotou Diana Andringa.


Outra amostra de como a diplomacia podia empenhar-se na salvação de vidas foi a atitude do diplomata polonês Jan Karsky. Depois de ver o que se passava no Gueto de Varsóvia, ajudado por grupos da resistência buscou ajuda em Londres e Washington. ‘Apelou para que se iniciasse o bombardeio dos campos de extermínio, de forma a interromper o genocídio em curso. O presidente Roosevelt o recebeu e ele até conseguiu contornar algumas restrições à entrada de refugiados, mas o conservadorismo americano já era muito forte’, comentou Dines.


‘Bico calado’


O católico antinazista Hermann Görgen é um dos ‘heróis’ que permanecem desconhecidos. Ele e sua companheira Dorli Schindel, que atualmente vive na Alemanha, organizaram a fuga para o Brasil de 45 refugiados. ‘Em Genebra, nós trabalhamos intensamente com o Comitê de Refugiados Intelectuais e lá nós encontramos os refugiados que foram acolhidos pela Caritas, pela comunidade judaica, pelos políticos e pelos evangélicos. E foi esse comitê que organizou e buscou um lugar para que essas pessoas pudessem emigrar. Foi graças ao delegado brasileiro na Liga das Nações, na Suíça, o senhor Weguelin Vieira, que nós conseguimos obter os vistos. A ele nós devemos a vida dessas 45 pessoas e das 3 crianças’, contou Dorli Schindel.


‘O Brasil nessa altura não aceitava mais nenhum judeu; todos nós precisávamos mostrar a certidão de batismo e comprovar que éramos todos católicos. E essa pobre gente não podia fazer isso. Então, os padres da comunidade católica suíça emitiram para nós as certidões de batismo comprovando que éramos batizados e católicos. Com essas certidões, a gente pode receber os vistos de trânsito para passar pela Espanha’, relembrou.


No Brasil, uma pequena cidade no Paraná, fundada no início da década de 1930, abrigou tanto nazistas como refugiados do nazismo. O professor Marco Antônio Neves Soares, da Universidade de Londrina, explicou que uma companhia colonizadora alemã comprou uma grande porção de terras e ali fundou a Gleba Colônia Roland – que deu origem à cidade de Rolândia. A partir de 1933, com a vitória eleitoral do Partido Nacional Socialista e a ascensão de Hitler ao poder, começam a emigrar para Rolândia judeus ameaçados ou perseguidos na Alemanha. Mas, a partir da Noite dos Cristais, em1938, as viagens para fora da Alemanha passam a ser extremamente difíceis. Os novos moradores de Rolândia viram-se impossibilitados de trazer seus bens e valores. Sem dinheiro, ficou difícil o acesso a terra. Um dos funcionários da companhia colonizadora não disfarçava a simpatia pelo regime nazista.


Suzane Behrend contou que a viagem da Alemanha para o Brasil foi ‘terrível’. Seu pai, que estivera preso em um campo de concentração, obteve a difícil autorização para migrar para Rolândia. O regime nazista queria deixar claro que não se limitava aos territórios ocupados. ‘Nós tínhamos que viajar no navio alemão porque tinha que pagar em marcos. Logo na entrada, a polícia falou: `Fica de bico calado. Nós alcançamos vocês em qualquer canto do mundo´’, contou. Em Rolândia, apesar da proximidade, nazistas e refugiados evitavam a convivência.


Campanha implacável


No terceiro bloco do programa, Dines explicou que Stefan Zweig começou a se interessar pela América do Sul ainda nos anos 1920. ‘Só conseguiu conhecer o Brasil em 1936, e foi recebido triunfalmente. Era o escritor mais traduzido do mundo, herdeiro do humanismo europeu que naquele momento desmoronava: não acreditava no materialismo americano, nem no comunismo soviético. A América Latina era a solução e dentro dela só o Brasil reunia as condições para ser considerado um país do futuro: imenso, rico e, sobretudo, pacífico’, explicou.


O Observatório foi até a casa onde Zweig morou em Petrópolis (RJ), onde Dines explicou que em 1933, quando Hitler tomou o poder, o escritor percebeu que não podia continuar morando naquele continente ‘varrido pelo ódio e pela xenofobia’. Mudou-se para a Inglaterra, e em 1940, quando Hitler tomou a França, imaginou que o nazismo logo tomaria a Inglaterra. ‘Resolve fugir. Para onde? Lembra-se que o Brasil o recebeu tão bem, e volta ao Brasil. E resolve escrever o livro que prometera escrever antes’.


Zweig regressa certo de que Brasil, um país do futuro iria agradar. ‘De fato, agradou aos leitores, que ficaram muito orgulhosos. Mas alguns jornalistas, sobretudo no Correio da Manhã, resolveram massacrá-lo – e o fizeram sem piedade. Ele ficou muito magoado, muito frustrado, deixou o Rio de Janeiro e resolveu se instalar em Petrópolis, [um lugar] muito tranqüilo. Escolheu a Rua Gonçalves Dias, o autor da ‘Canção do Exílio’, apontou Dines.


O jornalista explicou que a implacável campanha do Correio da Manhã inspirava-se nos boatos de que Zweig fora ‘comprado’ pelo governo para escrever o livro. ‘Foi comprado, sim, pelo visto permanente de residência no paraíso que acabara de inventar’, disse.


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Morte em vida


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV n. 530, no ar em 1/12/2009


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Um refugiado austríaco enxotado pela barbárie européia enxergou naquele sossegado país de apenas 50 milhões de habitantes a potência internacional das próximas décadas. Stefan Zweig foi caluniado e desprezado quando lançou em seis idiomas, em plena guerra, a sua utopia Brasil, um país do futuro. Não foi a mágoa pelas duras críticas que o levou ao suicídio, seis meses depois. As dores do pacifista e humanista não eram pessoais, eram as dores de um mundo à beira do abismo.


A quimera brasileira de Stefan Zweig previa logo nas primeiras páginas um país aberto aos milhões de refugiados que buscavam um santuário do outro lado do Atlântico. Esta abertura não aconteceu. Entre 1933 e 1945, o Brasil recebeu 23 mil refugiados, menos do que a Argentina, que recebeu cerca de 35 mil. Os Estados Unidos receberam 100 mil.


A história da Segunda Guerra Mundial não pode ser relatada sem o trágico desfecho para 6 milhões de vidas desaparecidas na macabra ‘solução final’. Este desfecho só pode ser entendido e assimilado quando se desvenda a insensibilidade internacional diante da catástrofe anunciada havia anos nos discursos de Hitler e Goebbels.


O carimbo num passaporte deixou a esfera da burocracia para se transformar numa questão de vida ou morte, mas o mundo tapou os ouvidos ao clamor dos desesperados sob os mais mesquinhos interesses nacionais. Ninguém prestou atenção naqueles cujo único interesse era sobreviver. Além da crueldade dos carrascos e da bravura dos soldados, é preciso lembrar dos estadistas que, empenhados na luta contra o mal absoluto, esqueceram-se das vítimas. Quantos dos 6 milhões de mortos poderiam ter sido salvos? Esta é uma conta que até hoje ninguém ousou fazer.


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Encerramento


Os quatro programas especiais do Observatório da Imprensa sobre os 70 anos do início da Segunda Guerra Mundial resultam do nosso compromisso em mostrar a mídia em situações extremas: tanto pode ser uma arma de destruição em massa como também pode funcionar como ponte para aproximações e reconciliação. Assim como os microfones de Hitler e Goebbels intoxicaram a Alemanha com o ódio, as câmeras de cinema do mundo livre convocaram os povos para resistir à barbarie.


Leni Riefenstahl inventou a estética do totalitarismo, Charles Chaplin venceu-a com a força da poesia. E quando foi preciso deixar um registro sobre a maior brutalidade jamais perpetrada, o general Eisenhower convocou fotógrafos e cinegrafistas para evitar que no futuro ela fosse negada.


A história começa a partir dos relatos da imprensa. Isso deve ser lembrado para os que a abominam e também vale para os que nela confiam.


A Segunda Guerra Mundial nunca chegará a ser suficientemente narrada, precisa ser contada e recontada a cada geração. A primeira guerra total incorporou-se à memória coletiva; de alguma forma, todos somos seus filhos, ela faz parte da vida dos que a viveram e dos que a ela sobreviveram. (A.D.)