Antes de qualquer coisa, reconheço, destaco e elogio a disposição do jornalista Paulo Vinicius Coelho, o PVC, em esclarecer pontos sobre a polêmica pela homologação (ou reconhecimento, ou unificação) dos títulos de campeonatos brasileiros a partir de 1959. Gentileza gera gentileza. Agressividade gera agressividade. Formalidade gera formalidade. Serei formal.
Para escrever o artigo sob o título ‘Os campeões de fato e de direito’, usei duas fontes: o programa Arena SporTV e os blogueiros da ESPN. E explico: tenho o hábito de atrasar meu almoço para assistir ao Arena por considerá-lo programa esportivo de melhor qualidade na TV, ao lado do Sportscenter, da dupla Antero Greco e Paulo Soares, com humor e críticas na medida certa.
No dia em que assisti ao programa do SporTV, coincidentemente, foi discutido o dossiê preparado por Santos, Palmeiras, Cruzeiro, Botafogo, Fluminense e Bahia. Tenho costume também de passar os olhos nos blogs da ESPN. Li os comentários de Paulo Vinicius Coelho, Mauro Cézar Pereira e Paulo Calçade, todos contrários à unificação.
No Arena, os três comentaristas presentes ao programa (Marco Antonio Rodrigues, a meu ver, o melhor da área no país, Sidney Garambone e a revelação Alex Escobar) manifestaram-se favoravelmente ao reconhecimento.
Em quem acreditar?
Pronto. Havia um contraponto. Eu tinha o gancho do artigo. E dei a linha que achei melhor. Ao invés de partir para a análise de cada argumento, dividi as opiniões entre as que concordam com a homologação dos títulos entre 1959 e 1970 e os contrários. Se eu tivesse que comentar os ‘senões’ de cada analista, teria de escrever 50 páginas. Inviável, portanto.
O comentarista da ESPN faz a mesma observação de um colega seu de TV, Juca Kfouri, sobre o clube do meu coração, o Santos. Eu já disse neste Observatório que torço pelo Santos, mas não recebo salário da ESPN, Folha, SporTV ou de qualquer outro veículo para defender, de forma dissimulada e provocativa, o clube pelo qual torço como fazem alguns, o que não é o caso do palmeirense Paulo Vinicius Coelho.
Reclama também que foi chamado de jornalista inexperiente. Não é verdade. O ‘novato’ do texto é contraponto ao ‘da antiga’, aos ‘de ontem’. Comparado, por exemplo, a Marco Antonio Rodrigues, PVC é um guri, no bom sentido da palavra. Não falei sobre ‘foca’ ou coisa parecida. E também não disse que ele desconhece a história.
Afirmei apenas que jornalistas esportivos estão renegando os registros da imprensa dos 50 e 60. E aqui fica a pergunta: em quem devo acreditar? Nos comentários de hoje, baseados em ‘achismos’, ou nos registros históricos de uma Folha, Gazeta Esportiva, Estadão, O Globo, JB, Jornal da Tarde, ou da revista O Cruzeiro?
Grandes reformas
Repita-se: entre a opinião genérica, do ‘eu acho’, e os registros históricos, fico com a segunda opção. No artigo está dito que não necessariamente está certo quem é favor da unificação. Mas é fato que essa ala tem argumentado melhor, até porque o faz em cima de dossiê elaborado com muita fidelidade e extremo cuidado.
Coincidência ou não, os que opinaram contrariamente ao pedido dos seis clubes não tiveram acesso ao dossiê. Pelo menos naquela ocasião. Hoje, passado quase um mês da divulgação do documento, alguns já devem tê-lo manuseado. Na ocasião, ao tomarem conhecimento do evento, correram para o computador a fim de questioná-lo, sem conhecê-lo. De novo o ‘eu acho’, ‘em minha opinião’.
Coelho também diz que o autor do artigo ‘Os campeões de fato e de direito’ superestima as manchetes dos jornais da época e menospreza decisão da CBD. Certíssimo. Entre os registros históricos dos jornais e a palavra de entidade responsável pela organização do nosso futebol, fico com os meios de comunicação. Ademais, o então presidente da CBD, João Havelange, entregou carta reconhecendo os títulos daquele período. A justiça começa a ser feita.
Apenas estranha a insistência do comentarista da ESPN de usar a CBD para reafirmar seu posicionamento contrário à unificação. Deveria confiar mais nos arquivos dos meios de comunicação da época, registrados por Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, Ney Bianchi, Carlos Lemos, entre outros profissionais brilhantes. Período em que os grandes jornais passaram por grandes reformas – editorial e gráfica – para acompanhar a tendência de integração nacional da nossa cultura, da política, da economia e do nosso futebol, como acentua o mestre Alberto Dines.
O resgate da memória
Paulo Vinicius argumenta ainda em sua resposta que, ao reconhecer os títulos da era Pelé, abre-se a possibilidade dos campeões do Rio-São Paulo reivindicarem igual tratamento. Não faz sentido comparar uma coisa com outra. O nome está aí, bem claro. Não há relação alguma entre um campeonato chamado Taça Brasil e outro, Rio-São Paulo. O argumento não procede. Mais uma vez, reitero: entre opinião e registro histórico, fico com o último.
Outro ponto mal-explicado diz respeito ao número de estados participantes de determinada competição. Quer dizer que a quantidade de estados define se o campeonato é nacional ou interestadual? Por esse critério, devo afirmar, então, que o atual Campeonato Brasileiro, de pontos corridos, é interestadual, por se fazer representar por somente nove estados (SP, RJ, MG, RS, PR, SC, PE, GO e BA).
Em nenhum momento, reitere-se, houve desrespeito à opinião de PVC. Não poderia reproduzir na íntegra o artigo dele, o do Mário Cezar, o do Juca e outros. E dei a linha que achei melhor. A de mostrar que, antes de serem contrários à unificação, há jornalistas contrariando a rica história da imprensa brasileira. Uns por entenderem que têm argumentos sólidos; outros por preguiça de ler o documento preparado pelos clubes, com farta documentação; e outros por pura falta de compromisso com o resgate da memória do nosso futebol.
Fatos notáveis e inquestionáveis
Tenho lido argumentos parecidos, o de que não é necessário reconhecer os títulos entre 1959 e 1970, porque eles teriam seu lugar assegurado na história. A idéia, pelo que noto, é deixar a história à mercê da boa vontade dos jornalistas. Todos os veículos da imprensa esportiva têm seus rankings. E todos eles usam pontuações diferentes. Os títulos entre 1959 e 1970 têm valor praticamente igual à zero. Belo reconhecimento!
Os jornalistas qualificam o São Paulo de ‘hexa’ e o Flamengo de ‘penta’. Inquestionável. Mas, quando se referem a Palmeiras e Santos, eles colocam a história no saco. Para eles, o primeiro é tetra, o segundo, bi. E a história vai sendo esquecida. Como explicar isso para uma criança? Por que condenar e resumir a história do futebol brasileiro daquele período a inúmeros asteriscos?
A história já está escrita. Alguns jornalistas teimam em querer reescrevê-la, com argumentos e conclusões pessoais. A história dos campeonatos entre 1959 e 1970 clama por respeito, a começar por seu lançamento nos documentos oficiais da entidade que rege o futebol brasileiro, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Por fim, a história não se relata com palavras ou pontos de vista próprios. É construída a partir da narração de fatos notáveis e inquestionáveis. Não se aceita várias versões. Pode-se até admitir, desde que a ‘versão não-oficial’ esteja embasada em fatos concretos. Idéia sem fundamentação não pode se sobrepor aos fatos. Quem não esteve nas redações entre 1959 e 1970 não tem direito de mudar o rumo dos acontecimentos. Até prova em contrário, os registros jornalísticos daquele período são dignos de confiança e exaltação.
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Jornalista em Brasília