A Folha de S.Paulo publica na edição de terça-feira (2/3) informações sobre um relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos que vê a corrupção no Brasil como preocupante. O estudo, elaborado anualmente, se refere ao ano passado e tem como pontos centrais o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro. A corrupção entra na análise como uma das fontes de dinheiro ilegal que trafega pelo sistema financeiro internacional.
O documento cita o caso do presidente do Senado, José Sarney, que esteve no centro de acusações graves, entre as quais a de possuir conta bancária ilegal no exterior. Refere-se também ao escândalo que envolve o governador licenciado do Distrito Federal, José Roberto Arruda, observando que os processos por crimes de corrupção no Brasil continuam lentos, com poucas condenações na área administrativa registradas em 2009.
O estudo anual do Departamento de Estado, elaborado a pedido do Congresso dos Estados Unidos, nunca teve grande repercussão porque é composto de análises de agentes americanos de informações baseadas no noticiário da imprensa local.
Como o noticiário sobre escândalos não segue metodologias confiáveis de compilação de dados, misturando provas com denúncias e meras declarações, o documento acaba se transformando em nada mais do que um clipping, ou seja, um apanhado de notícias de jornal.
Tática diversionista
Esse é um exemplo de como a imprensa produz notícias que se transformam em fatos, que novamente viram notícia.
O fenômeno era comum no tempo da inflação elevada e dos grandes ganhos de investidores no overnight: especulações plantadas em jornais ganhavam ares de realidade e acabavam produzindo efeitos no mercado, abrindo oportunidade de ganhos financeiros para os autores dos boatos.
A imprensa enche páginas com notícias sobre corrupção, comprovadas ou não, e depois publica a informação de que o governo dos Estados Unidos está preocupado com a corrupção no Brasil – preocupação essa alimentada pelas notícias da própria imprensa brasileira.
Um exemplo de material que pode acabar alimentando o relatório do ano que vem: a deputada distrital Eurides Brito, apanhada na turma do mensalão de Brasília guardando um maço de dinheiro na bolsa, afirma agora que o dinheiro vinha do ex-governador Joaquim Roriz, como pagamento de suas despesas pré-eleitorais.
A declaração tem claramente o objetivo de desviar para o ex-governador as acusações que pesam sobre José Roberto Arruda, mas não serve nem para isentar Arruda nem para reforçar a tese de que o esquema de corrupção foi montado ainda no governo de Joaquim Roriz.
Há indícios de que ali não há inocentes, mas quando todo mundo é suspeito, fica mais difícil encontrar o culpado.
Tratamento desigual
A questão da corrupção é muito mais complexa do que faz crer o noticiário. O problema começa no sistema partidário, que não representa os perfis ideológicos e de interesses da população e favorece a criação de grupos de lobbies travestidos de partidos políticos.
Ao fazer muito barulho sem esclarecer como funcionam os esquemas que comprometem parlamentares e governantes ainda antes das eleições, a imprensa produz apenas relatórios como o do Departamento de Estado americano, e não ajuda a documentar o problema.
O noticiário dá ao cidadão comum a impressão de que nada funciona no país sem o pagamento de propina, o que não é necessariamente uma verdade. E de que também na corrupção existem castas sociais diferenciadas, o que é bem mais verossímil.
Alberto Dines:
Uma questão está sendo discutida nas redações brasileiras, mas ainda não conseguiu alcançar aos leitores: por que razão foi imposto o sigilo nas investigações sobre os negócios do empresário Fernando Sarney e o mesmo sigilo não vigorou nas investigações sobre as propinas recebidas pelo governador Arruda e seus asseclas no Distrito Federal?
É evidente que a divulgação dos vídeos de Brasília foi decisiva para encarcerar pela primeira vez ma história um governador em pleno exercício de suas funções. Foi um avanço, uma vitória na luta contra a corrupção. Mas este avanço poderia ter ocorrido muito antes se a justiça não impedisse o jornal O Estado de S. Paulo de publicar o resto do inquérito ao qual teve acesso sobre os negócios da família Sarney.
Em outras palavras: não teria havido tratamento diferenciado na divulgação de inquéritos da mesma origem e igual importância? A comparação, no entanto, não pode ser linear, a administração da justiça é um processo extremamente sutil, mas a questão é pertinente e, por isso, será explicada na edição desta terça-feira (2/3) do Observatório da Imprensa da TV Brasil. Não perca, às 23h em rede nacional, ao vivo. Em São Paulo pelo Canal 4 da Net e 181 da TVA.