Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rescaldo eleitoral

A pouco menos de uma semana do decisivo segundo turno destas eleições, talvez seja possível (senão pertinente) fazer um rescaldo preliminar sobre esse conturbado período, levantando algumas questões importantes para nossa sociedade em relação à mídia, aos meios de comunicação, redes sociais e à própria política.

Seria de se esperar que os meios de comunicação fizessem esse papel, lançando alguma luz sobre tais temáticas, na cobertura eleitoral, mas o comprometimento de alguns veículos de informação com um ou outro dos lados em disputa acabou por toldar-lhes o olhar analítico sobre os fatos e o que realmente está em jogo. Essa postura reflete o nível de engajamento de tais veículos de comunicação e os riscos que isso representa quando extrapola os limites do jornalismo ou do bom senso, assumindo um caráter partidário, na falta talvez de uma oposição mais articulada e madura. Demonstra, por um lado, o enfraquecimento político dos partidos oposicionistas; por outro, o desvio de funções, de papéis e do próprio espaço de discussão e embate político, do Congresso para a mídia.

Assim, o espaço midiático que serviria para a reflexão, análise e esclarecimento público, palco de um diálogo social possível, passou a ser instrumento do discurso político ou a fazer-lhe as vezes, instrumento de seu próprio ideário e interesses, ou seja dos grupos que o dominam, umas poucas famílias ou políticos.

À revelia dos interesses da sociedade

E o acirramento da disputa eleitoral ficou evidente numa verdadeira guerra de pautas e discussões fora de lugar com temáticas até relevantes, mas desfocadas, perpassadas por um ranço de preconceitos, revelador da imaturidade política ou apenas da má-fé mesmo, que não demorou a espalhar-se nas redes sociais e ‘correntes’ de e-mails que infestaram as caixas de mensagens de quem quer que seja.

Se o advento da internet nestas eleições não teve o peso que teve na eleição de Barack Obama, em termos comparativos com os Estados Unidos, ao menos trouxe alguma oxigenação aos noticiários pela alternativa de alguns blogues etc. Todavia, serviu também a uma verdadeira batalha de boatos, piadas preconceituosas, mentiras etc. a que nos referimos acima, através de mensagens de e-mails ou redes sociais. Há sempre os dois lados da tecnologia – e é o caráter de cada um que determinará o seu uso.

De certo modo, quando as coisas ganham um aspecto de vale-tudo, o que menos passa a valer é a verdade – e a pantomima política que se arma em cada evento reflete, sim, o vale-tudo pelo poder à revelia dos interesses da sociedade, ainda que se apregoe a defesa da liberdade e da democracia.

Perguntas pertinentes

O exercício da democracia começa pela preservação dos direitos de todos, garantidos no caráter laico do Estado – e é inadmissível que se balancem cabrestos em práticas que remetem ao século 19, num neocorolenismo instrumentalizado pelo poder midiático em múltiplos conluios.

Independentemente de quem ganhar o pleito final, essas eleições expuseram velhas chagas, renitentes preconceitos (arraigados por uma sociedade que foi tardiamente escravocrata), falta de qualquer pudor midiático, brechas da legislação eleitoral (ficha suja, discussão sobre a validação da eleição de Tiririca e de seu analfabetismo ou não, que deixou mais que evidente a estratégia dos partidos para alavancar votos para seus candidatos etc.), quando não o descaso para os reais interesses da sociedade, no âmbito de uma discussão mais madura e relevante.

Resta saber se a mídia ainda será capaz de fazer perguntas pertinentes, evitar manipulações de última hora e olhar com mais profundidade à sua própria volta – deve isso aos seus (e)leitores, espectadores.

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Servidor público, Jaú, SP