Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Resposta ao Comitê de Notícias

Isso já seria o Conselho Federal de Jornalismo em ação? Foi o que eu temi ao ler a matéria ‘Jornais ajudaram tucano e prejudicaram a prefeita’, publicado neste site na última semana [remissão abaixo], um suelto (era assim que se falava antigamente, não era?) assinado por Luiz Antonio Magalhães.

Na parte que toca ao jornal O Estado de S.Paulo, mencionado na citada obra, gostaria de fazer ao autor e às entidades que realizaram o ‘levantamento’ , as seguintes perguntas:

1. o que é uma matéria positiva?

2. o que é uma matéria negativa?

3. o que é uma matéria neutra?

A mesma relação de perguntas vale com relação às fotografias. Eu perguntei ao Wilson Pedrosa, editor de fotografia do jornal: o que é uma foto positiva? Ele disse: deve ser quando o sujeito sai bem na foto. Então, neutra é quando o sujeito sai mais ou menos, e negativa é quando o sujeito sai mal na foto.Será problema da máquina? Da cena? Do sujeito?

Não conseguimos chegar a um consenso.

Descoberta fantástica

Digamos que o carro de um candidato, que atualmente exerce um cargo público, é flagrado ultrapassando o limite de velocidade estabelecido em tese por ele mesmo para uma determinada via pública – e essa cena é fotografada. Se o jornal publicar a foto, estará veiculando uma imagem negativa? Nesse caso, o que deve fazer? Não publicar a imagem para não prejudicar o candidato?

A mesma coisa em relação à matéria: ela é negativa quando o sujeito da notícia faz algo negativo? Ou quando alguém fala mal do sujeito? Ou quando alguém acusa o sujeito de ter feito alguma coisa errada?

Matérias de jornal normalmente são descrições factuais. Narrações do acontecido. Então pergunto: a notícia é negativa quando o acontecido não favorece o candidato? Mas aí a culpa não será do candidato, por ter feito algo negativo? Ou o levantamento insinua – ou afirma – que o jornal inventou um fato negativo para prejudicar o candidato? E no caso oposto, de matéria positiva, o candidato fez algo positivo ou o jornal inventou que ele faz algo positivo para beneficiá-lo?

Diz o artigo em questão que ‘o comportamento dos dois jornais foi acompanhado por metodologias distintas, mas o resultado foi o mesmo’. E já que há um claro aviso de que as metodologias são distintas, por que ninguém se deu ao trabalho de explicitá-las? Que metodologias são essas? Que critérios são esses?

Outra descoberta fantástica da pesquisa (e do artigo) é a de que a prefeita Marta Suplicy recebe mais ‘matérias negativas’ do que a candidata Marta. De fato, não sei se vocês notaram, o Carlos Alberto Parreira recebe mais ‘matérias negativas’ quando no exercício do cargo de técnico da seleção do que quando está em casa, descansando, sem emprego. E o Bush, então? Quando era candidato não tinha que lidar com tantas ‘matérias negativas’ como agora, quando invade o Iraque e faz outras traquinagens que só um presidente tem autoridade para fazer.

Comitê de sábios

Outra novidade sensacional é do ‘morfômetro’, que deve ser um derivado de morfose, ou ‘o ato de tomar forma’, segundo o Aurélio. Por esse ‘morfômetro’, a situação da prefeita é pior ainda: 91,62% de referências negativas! O ‘morfômetro’, explica o artigo, dá nota de 2 a 10 a cada matéria, ‘de acordo com sua localização na página e com os elementos gráficos, como foto e outros recursos’. Não sei se matéria à esquerda vale mais do que matéria à direita, ou vice-versa. Matéria em cima do anúncio tem nota melhor do que matéria embaixo do anúncio? E em cima da dobra? E embaixo da dobra?

‘A Venezuela é aqui’, conclui apocalipticamente o artigo. E atribui à imprensa paulistana uma postura ‘golpista’ igual, segundo o autor, à postura da imprensa venezuelana, além de atribuir a essa mesma imprensa a responsabilidade pelo resultado do primeiro turno da eleição. Poderosos jornais! Pobres leitores! Essa mistificação instalou-se no site do PT, auto-repercutiu-se numa entrevista com o presidente do partido, José Genoino, que se apressou a navegar em cima do mote, foi usado em algumas cartas de leitores a jornais e anda sendo esgrimido pela própria candidata-prefeita (ou prefeita-candidata?) em conversas privadas.

A velha tática: produza-me um factóide que eu tocarei os tambores para alardeá-lo. Isso tudo vem enfeitado pelo selo legitimador da ciência. Afinal de contas, siglas universitárias são usadas para dar respeitabilidade à metodologia do ‘morfômetro’ e outras metodologias ainda mais misteriosas.

O objetivo é tão claro que o seu uso sequer consegue ser disfarçado: criar pressão em cima dos jornais para serem mais benevolentes com o objeto de carinho dos pesquisadores e seus divulgadores.Tanto assim é que o artigo do Observatório mal consegue disfarçar sua satisfação ao verificar que ‘a redação da Folha (depois de uma nota de seu ombudsman) se esforçou para soltar algumas notícias boas para a prefeita entre 2 e 15 de setembro, quando a taxa atingiu 30%’.

Ou seja, é isso: a gente tem que se esforçar para ‘soltar algumas notícias boas’ e aí eles, nossos guardiões, guias e orientadores, ficarão mais satisfeitos e dormirão placidamente sem ter pesadelos com os malfeitos da imprensa.

O Conselho Federal de Jornalismo poderia nos ajudar a institucionalizar isso e nos ajudar a trilhar o bom caminho. Com sua ‘orientação’, poderemos ‘soltar’ cada vez mais e mais ‘matérias positivas’ para ajudar os candidatos do bem.

O soberano juiz de um jornal deve ser o seu leitor. Substitui-lo por um comitê de sábios ideológicos é o extermínio do jornalismo.

(*) Diretor de Redação de O Estado de S.Paulo



Luiz Antonio Magalhães responde

O diretor de Redação do jornal O Estado de S. Paulo naturalmente não gostou do texto de minha autoria publicado na semana passada (‘Jornais ajudaram tucano e prejudicaram a prefeita’, remissão abaixo). Embora a maior parte dos questionamentos de Sandro Vaia sejam dirigidos aos institutos que realizaram os levantamentos que reportei no artigo, creio serem pertinentes aqui alguns esclarecimentos.

Este Observador já se manifestou de maneira contundente contra o Conselho Federal de Jornalismo (‘Fenaj, uma eleição em números’, remissão abaixo) e, não sendo sequer conhecido dos comissários Gushiken e Dirceu ou de qualquer lua preta do staff de campanha da candidata Marta Suplicy, repele com veemência as insinuações contidas na resposta do diretor do Estadão.

Pelo andar da carruagem, os burocratas da Fenaj não conseguirão emplacar o nefasto Conselho. Este Observatório da Imprensa, por outro lado, tem oito anos de história e já representa uma grande conquista para a liberdade de expressão e para o exercício de um jornalismo mais conseqüente. Houve um tempo em que os diretores de Redação deviam explicações apenas aos acionistas dos jornais nos quais trabalhavam. A iniciativa de Sandro Vaia de responder a um artigo aqui publicado, em meio às muitas atribuições que possui e às vésperas de uma reforma gráfica no Estado de S. Paulo, é a prova mais cabal de que os tempos estão mudando. O bom debate, nos fóruns apropriados, como é o caso deste Observatório, serve justamente para esclarecer a sociedade. É um exercício legítimo e salutar de cidadania.

Desta forma, se é louvável que Vaia tenha aceitado o debate, cabem também alguns reparos à resposta do diretor do Estado.

Em primeiro lugar, ao contrário do que diz Sandro Vaia, não tive nenhuma satisfação em escrever que após a crítica do ombudsman Marcelo Beraba à conduta da Folha de S.Paulo, a taxa de matérias favoráveis à prefeita Marta Suplicy naquele jornal aumentou. Trata-se apenas de uma constatação – a mesma, aliás, da assessoria de imprensa do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que enviou uma carta para a Folha reclamando da postura do jornal em relação ao governo tucano logo após a publicação da coluna de Beraba.

Em segundo lugar, Sandro Vaia diz que não explicitei as metodologias dos institutos cujos levantamentos reportei no artigo. De fato, não o fiz, pois julguei que o detalhamento dos métodos ficaria maçante para o leitor. Neste caso, porém, a crítica procede: o artigo poderia ter remetido o leitor para os sites dos institutos na internet, onde estão descritas com detalhes as metodologias utilizadas em cada um dos levantamentos. Sobre os questionamentos dos métodos em si, cabe a cada um dos institutos responder por eles, mas me parece salutar que os jornais sejam cada vez mais observados e questionados pela sociedade civil organizada, especialmente por instituições de excelência como a USP e a Universidade Candido Mendes. Mais uma vez, não consigo imaginar como este tipo de atividade possa guardar a mais remota semelhança ao já referido Conselho Federal de Jornalismo.

Por fim, é preciso lembrar que a equipe deste Observatório teve o cuidado de esperar as urnas fecharem para publicar o artigo que gerou a resposta de Sandro Vaia. Julgamos que seria mais correto publicar o comentário sobre as análises da cobertura eleitoral após o final da campanha eleitoral do primeiro turno.

‘O soberano juiz de um jornal deve ser o seu leitor. Substitui-lo por um comitê de sábios ideológicos é o extermínio do jornalismo’, escreve Sandro Vaia ao final de seu comentário. Não tenho como discordar do diretor do Estado. O Observatório da Imprensa está justamente a serviço dos leitores. Não pode ser confundido com um comitê de sábios ideológicos e prega não o extermínio do jornalismo, mas o seu aprimoramento. (L.A.M.)