A acusação de praticar sensacionalismo, fazer jornalismo marrom, de ser a ‘Caras do futebol’, não parece fazer muito sentido [ver, neste OI, ‘O drama de Casagrande e a imprensa marrom‘]. Explico. Para valer a pena toda essa confusão, usando a lógica do sensacionalismo, colocaríamos o Casagrande na capa. Aliás, está mais do que na cara (sem trocadilho), que é a notícia mais importante da edição. Não colocamos, ficamos com o ônus da matéria e sem levar o lucro sensacionalista. Portanto, não se trata de fofoca, longe disso. O que nos moveu a fazer a matéria foi algo diferente, bem mais nobre: a necessidade de fazer jornalismo.
Aí começa, na minha opinião, a verdadeira discussão. Qual é o limite do jornalismo? Até onde vai a liberdade individual, até onde vai o interesse público? Isso é o que interessa, e estamos sendo muito cínicos ao analisar o caso do Casagrande sem olhar o comportamento da imprensa como um todo. Eu topo a discussão, mas vamos ser justos, certo?
Primeiro ponto é definir a figura de personagem público. Esse sujeito, que pode ser artista, político, jogador de futebol, Big Brother ou o que quer que seja, é alguém que só é o que é porque existe um público interessado nele.
Seus rendimentos são proporcionais a isso. Ganha bem porque atrai público. Casagrande só ganha seus 50 mil mensais porque existe um público que é atraído pelos seus comentários, gruda o olho na telinha e consome os comerciais mostrados na TV Globo. Casagrande entrava duas vezes por semana nas nossas casas e, de repente, sumiu.
Tratamento diferenciado
Se a imprensa assume o papel de propagar os feitos e fatos positivos dos personagens públicos, não seria nosso dever acompanhar também as trajetórias desses personagens quando algo está dando errado? Casagrande, aliás, em setembro passado, bateu em quatro carros e colocou mais gente em risco.
Deveríamos fingir que isso não aconteceu? Deveríamos (como a imprensa toda fez, aliás) fingir que foi um acidente, sem nenhuma vinculação possível com drogas ou álcool? Quando um desconhecido é flagrado pela imprensa não se vê protestos, aí achamos que a imprensa fez direitinho o seu trabalho…
Dois outros pontos que é preciso esclarecer. Poucos sabiam, muitos suspeitavam, outros tantos desconheciam a situação de Casagrande. E quem sabia achava que sabia tudo. Mostramos, antes que a revista chegasse às bancas, a reportagem para a família do Casagrande. Eles disseram desconhecer uma boa parte das histórias que contamos. E disseram que demos um tratamento justo e humano ao Casagrande. Eles queriam que publicássemos? Claro que não, ninguém se sente confortável ao ter a sua vida negativa exposta (a parte positiva geralmente não tem problema).
O segundo ponto é um engano que se comete em relação ao Maradona. O caso jornalístico dele é exatamente igual ao do Casagrande, sem tirar nem pôr. Só que aconteceu anos antes. Ele era dependente de cocaína, usava a droga enquanto era jogador (assim como o Casa) e também depois que parou. Tem família e filhos, já tentou se tratar e nunca quis divulgar nada. Mas a imprensa ali sempre cumpriu o seu papel de informar o que acontece com um personagem público. A imprensa brasileira, sobretudo, que não se cansou de fazer piadas sobre o assunto. Só que o Maradona está longe, além de ser argentino. Casagrande está perto e é legal. Devemos tratar sujeitos abjetos e legais de formas diferentes? Aos inimigos, a lei. Aos amigos, o afago. É por aí?
Palavras elásticas
Saiu na segunda-feira (21/3) em um tablóide inglês a notícia sobre uma suposta orgia nazista do chefão da Fórmula 1, Max Mosley. A prova é um DVD, e quem viu diz que não há a certeza de que era mesmo o Mosley. A reputação desse senhor, sobre quem não tenho a menor simpatia, foi para o vinagre. Aqui no Brasil, os mesmos jornais e jornalistas que estão criticando ou ignorando a nossa reportagem sobre o Casagrande fizeram um carnaval com a notícia. Não é um assunto privado do senhor Max Mosley? Não se trata de sua vida particular? Ele não será igualmente prejudicado com a divulgação da notícia? Há, claro, uma imensa diferença. Mosley é cartola da Fórmula 1 e malvado. E mora bem longe do Brasil. Casagrande é um dos nossos.
Não vou entrar nem na questão do ajudar ou prejudicar com a publicação da matéria. Pelo que falei com amigos do Casagrande, eles até acham que vai ajudar, para ele cair na real, se sentir mais vigiado. Mas, nessa discussão, isso não é importante. Estou sendo duro, mas o jornalismo precisa cumprir a sua função de informar. Uma notícia sobre desemprego no caderno de Economia pode fazer empresas reduzirem seus investimentos, gerarem mais desemprego, provocarem miséria, fome e morte. Melhor não falar nada então, certo?
Respeito e ética são palavrinhas com significados elásticos, podem significar muita coisa. Reli algumas vezes o que publicamos na Placar. Não me parece que tenhamos faltado com nenhuma delas.
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Luiz Antonio Magalhães responde
O diretor de redação de Placar enrola, enrola mais um pouco, se vangloria de ter evitado dar capa à matéria sobre o drama de Casagrande (no que foi elogiado por este observador), mas não responde as questões sobre a reportagem da revista, levantadas no texto que deu origem à polêmica, a saber:
1. Qual o interesse público na divulgação do salário de Casagrande?
2. Qual o interesse público da informação de que a TV Globo está pagando o tratamento de seu funcionário?
3. Qual o interesse público no relato sobre os problemas conjugais do ex-craque?
4. Qual o interesse público de publicar uma frase sarcástica da ex-mulher de Casagrande sobre a atual namorada dele?
Xavier também não consegue explicar direito qual o interesse jornalístico de publicar uma matéria sobre fato conhecido há meses até por focas em qualquer editoria de Esporte do país, e que todos os demais veículos decidiram deixar de lado por se tratar justamente de assunto da vida privada do ex-jogador. O diretor de Placar alega que Casagrande é uma ‘figura pública’ e por isto sua vida particular pode e deve ser devassada. Para quem escreve que a palavra ética tem ‘significado elástico’, a alegação deve fazer mesmo algum sentido. (L.A.M.)
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Diretor de redação da Placar