Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Retrato do repórter quando foca

Tive a sorte de começar a estagiar cedo, quando estava prestes a ir para o segundo ano do curso de Jornalismo. Minha professora de Português, ao perceber o meu esforço para apresentar textos, no mínimo, decentes, me indicou para trabalhar num site de Odontologia, do qual seu irmão era diretor.

Foi muito bom. Aprendi muita coisa. Redigi matérias. Participei de congressos… Num dos eventos, tive meu primeiro contato com uma assessora de imprensa. Azucrinei a vida da coitada, solicitando-lhe entrevistas e pedindo informações sobre seus clientes. Inclusive me acomodei em sua sala e até cheguei a usar seu micro para escrever algumas matérias. Suei a camisa para fazer entrevistas e organizar edição especial sobre o evento. A equipe do site era pequena, pequena até demais, eu diria. Como repórter, somente eu. Um webmaster, para cuidar da parte de diagramação e programação, e mais três dentistas completavam o time: me virei como pude para entender o vocabulário escabroso dos doutores responsáveis pela saúde bucal das pessoas, além de me responsabilizar por todo o conteúdo do site, sem apoio de um jornalista experiente para me ajudar.

Lembro da gagueira momentânea e do nervosismo na minha primeira entrevista. Perguntas anotadas, bloquinho e gravador à mão, claro. Todo tímido e inseguro ao chegar no local. O típico foca, que, atualmente, embora um pouco mais experiente, ainda sou. Hoje, quando leio a matéria, dou muita risada, acho amadora demais. Mas todo mundo começa um dia, e tem de fazê-lo de alguma forma…

Também me recordo de ter ido até a USP entrevistar duas estudantes de Odontologia que compraram arcadas dentárias ilegalmente para fazer os trabalhos da faculdade. Assim como lembro da dificuldade que tive para fazê-las contar a tal ‘aventura’. Pior ainda foi entrar na lanchonete, lotada de universitários, antes de chegar às garotas. Todos me olhavam. Eu queria me esconder em algum lugar. Com um pouquinho de insistência, mais aquele ‘xavequinho’, usado por todos os jornalistas, consegui obter as informações necessárias. Não me autorizaram a publicar seus nomes, é verdade, mas acabaram contando como adquiriram os dentes.

Tentadoras, indecentes

Fiz amigos, conheci pessoas interessantes… Foi o começo da minha rede de contatos. Rede essa que rendeu alguns frilas mais tarde. Um dos trabalhos foi ter de entrevistar maestros para um site de música clássica, outra experiência legal em minha vida. Não entendia nada do assunto, e para ser honesto, nem sei se entendo ainda. Afinal, eu queria trabalhar com o que gosto, o jornalismo, não me importava se fosse em veículo que pouco tivesse a ver comigo. Sendo assim, fui obrigado a ler mais sobre Tchaikovsky, Bach, Mozart e a turma toda.

Meu primeiro entrevistado para o site, um maestro superfamoso no meio. Não foi diferente. Fiquei nervoso também. Até mostrei a relação de perguntas a ele, a seu pedido. Jamais faça isso, ok? Em determinadas partes da conversa, eu não conseguia me expressar bem, estava apreensivo. E o pior, o maestro, obviamente, percebeu. Deve ter pensado: ‘Será que esse garoto é jornalista mesmo?’. Certa vez ouvi dizer que só aprendemos a fazer boas entrevistas fazendo algumas horríveis. Isso é verdade. Hoje não uso mais a tal ‘colinha’ com perguntas, porém isso não significa que sou ‘o jornalista’. Tenho muito que aprender, mas consigo me virar sem um roteiro, entende? Até eventos católicos e missas para o jornal de uma igreja perto de casa eu tive de cobrir…

Minha carreira não decolou, ou melhor, nem começou ainda, para valer. Atualmente estou mais bem preparado. E sei que meus textos interferirão, de alguma forma, na vida das pessoas.

Poderei dormir tranqüilo, pois meu dever, como jornalista, está sendo cumprindo. Sem querer ser pretensioso, tenho a responsabilidade de formar pessoas. Afinal, elas lêem meus artigos, com o intuito de tomar decisões, se informar, se divertir etc.

Sei que receberei propostas tentadoras, indecentes até, para beneficiar alguém ou alguma instituição com meus textos. Assim como estou ciente de que verei, bem perto de mim, colegas se corrompendo em busca de fama. Colegas sendo promovidos graças a testes de sofá. Exercendo a profissão colegas que não têm a menor noção do significado da palavra jornalismo. Colegas que exploram fontes, deturpam informações e se envaidecem por causa do título adquirido com a graduação. Colegas que resolveram cursar uma universidade para, um dia, mostrar o rostinho na televisão, de preferência no Jornal Nacional… Mas não importa. Eles não são jornalistas. Eu sou.

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Jornalista recém-formado, 22 anos