Acredito que algo mais deve ser dito em relação ao atual movimento dos bombeiros do Rio de Janeiro, que não encontrei na imprensa em todo esse período, nem mesmo no ótimo texto de Mauro Malin publicado no Observatório da Imprensa.
Com respeito aos militares, hierarquia, desobediência e papel das Polícias Militares no golpe de 1964, nada a acrescentar, apenas concordar e aplaudir o autor. Contudo, há uma estranha situação: os bombeiros militares em sua maioria, são vinculados a secretarias como a de Defesa Civil, no Rio, e em três estados, salvo engano, pertencem aos efetivos da Polícia Militar (São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia, creio). No mais, possuem patentes, submetem-se à hierarquia própria deste tipo de corporação e, quando se apresentam como bombeiros militares a outro militar, mesmo que não PMs, deve ser cumprida a ritualística, como a saudação por continência e o respeito hierárquico, mesmo que de áreas e estados diferentes. Ao que tudo indica, essa é uma situação particularmente brasileira – nos EUA e Europa, assim como no Chile, por exemplo, os bombeiros são marshalls ou peace officers, como costumam ser designados oficiais do serviço público que não tem poder de polícia mas exercem algumas funções das mesmas, como transporte de prisioneiros, segurança de autoridades, controle de prisioneiros em liberdade condicional etc. A própria polícia nos demais países é inteiramente civil, e talvez por antiga tradição vinda de séculos atrás da França, as chefias são capitão, tenente, sargento, mas a maioria é policial e detetive, por exemplo.
Estrangeiros não entendem o “bombeiro polícia”
O bombeiro tem nomenclaturas hierárquicas próprias segundo os países, com símbolos e nomes totalmente diferentes da estrutura militar típica, como se vê na Alemanha ou Áustria, e com grandes diferenças nos vários estados e mesmo cidades americanas. Além disso, em muitos locais há os bombeiros part-time, uma espécie de reserva remunerada por serviço quando convocados em situações importantes, e os bombeiros voluntários, que acredito existirem em quase todos os países. Há alguns bombeiros voluntários no Brasil, mas o número é irrisório diante da necessidade. Sem falar nos bombeiros civis, que trabalham em empresas, por exemplo, nem sempre lembrados. E uma curiosidade: na Venezuela há curso superior de bombeiro, que além de ser profissão de nível superior também realiza pesquisas. Desse modo, a reivindicação dos bombeiros cariocas, com salários de R$ 900,00, é legítima, e sua condenação pelas leis e códigos militares uma anomalia de nosso país, ainda repleto do tão famoso entulho autoritário. E cabe lembrar: o bombeiro militar no exterior é aquele que pertence às Forças Armanda e combate fogo ou faz resgate no Exército, Marinha e Aeronáutica.
O baixo salário pago a bombeiros é reflexo da importância que os governantes dão a outras profissões igualmente nobres e de alta relevância, como médicos e professores. Mas o Rio parece exagerar, não ficando São Paulo, o estado mais rico da nação, em situação mais confortável. Além de tudo, o efetivo de bombeiros no país, mesmo nas grandes capitais, é baixo em relação a inúmeros outros países, ridículo até, se comparado aos EUA, onde se contam quase dois milhões desses profissionais em atividade. Os equipamentos sofreram uma radical melhora no início dos anos 1990, mas claramente estão defasados. Mais de uma vez a imprensa noticiou a estranha situação de veículos novos, já comprados e importados, apodrecendo nos portos.
Como no caso dos médicos, só se lembra da importância de um bombeiro quando se precisa de um. E esses casos podem ser situações limite, graves, de importante risco à vida. Exageraram, sim, os bombeiros cariocas quando abandonaram postos de salvamento, por exemplo, mas a punição de suas reivindicações pelos códigos militares deixou pasmos amigos com quem troquei e-mails e são cidadãos americanos ou europeus, não conseguindo nenhum deles entender o “bombeiro polícia”. A única coisa próxima disso é uma função própria de muitas corporações de bombeiros, que possuem seus próprios investigadores de causas de incêndio, com perícia especializada, paralela à da polícia, para compor o quadro geral de responsabilização.
Exemplo de descaso
E há coisas que muitos não sabem: tenho ao menos quatro pacientes oficiais do corpo de bombeiros paulista que cursaram Engenharia, não para mudar de profissão, mas para serem melhores profissionais.
Afinal, está mais no que na hora de reformular toda essa carreira, deslocando-a da esfera militar, atender os bombeiros cariocas e não deixar correr os processos na auditoria militar que, pelas regras do momento, vai mandar centenas para uns dez anos de prisão. E mesmo libertados por ordem judicial, com um adiantamento manométrico de salários, já voltaram às suas manifestações.
Mais um exemplo do descaso com os clássicos casos de saúde e educação, mas também com a segurança pública. O Rio não é aplaudido até internacionalmente por conta das UPPs? Por que, então, não tratar melhor quem tanto se arrisca em uma profissão quase suicida, especialmente em uma cidade que já está se tornando piada pronta por conta das constantes explosões de bueiros da Light?