Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Revolução vencida pela metade

Quem acredita que o feminismo foi um movimento vitorioso do século passado, que ajudou as mulheres a conquistar seu lugar no mundo, que virou história e não tem mais razão de ser, deveria dar uma olhada nos jornais da semana.

Duas notícias fazem pensar no assunto e concluir que, se do ponto de vista institucional – pelo menos em boa parte do mundo – as mulheres já têm seus direitos assegurados, quando se trata de mídia e religião a situação continua ruim.

A primeira comprovação vem com o relato da homilia da Sexta-Feira Santa feita em Roma pelo padre Raniero Cantalamessa, que falou em nome do papa. Os jornais reproduziram a fala oficial:

‘O Vaticano quer a era das mulheres: uma era de coração, de compaixão. A experiência cotidiana demonstra que as mulheres podem contribuir para salvar nossa sociedade de alguns males inveterados que a ameaçam, como a violência, o desejo de poder, a aridez espiritual e o desapreço pela vida.’

Conivência ou preguiça

A pegadinha – que os editores de jornais não se preocuparam em discutir – é como as mulheres poderão desempenhar esse papel tão importante, na opinião da Igreja Católica:

‘As mulheres não podem se precipitar e devem parar de agir como homens para conquistar espaço na sociedade e se abster de tentar apagar as diferenças entre os sexos.’

Segundo o padre Cantalamessa, ‘as discípulas seguiram Jesus não porque buscavam poder ou tinham expectativa de fazer carreira, mas por acreditarem nele’. Então os seguidores homens estariam somente em busca de poder ou carreira, e não por fé?

Na opinião do Vaticano, basta ter paciência, deixar as coisas como estão e se limitar ao papel que a igreja considera adequado para que as mulheres eventualmente herdem o reino dos céus. Aquelas que precisam trabalham ou que sonham em fazer uma carreira talvez até tenham permissão para isso, desde que continuem agindo como mulheres, isto é, que aceitem as regras do jogo e não fiquem disputando o lugar que – pela ordem natural e divina das coisas – pertence aos homens.

A igreja católica continua tentando manter as mulheres em segundo plano. Até aí nada de novo. O surpreendente é a mídia ser conivente – ou preguiçosa – e deixar passar a oportunidade de discutir o assunto, questionando a mensagem contida no discurso oficial da Sexta-Feira Santa.

A visão da imprensa

O preconceito da mídia é tratado pela própria mídia no artigo ‘O ataque dos machistas radicais’, da jornalista inglesa Polly Toynbee, publicado pelo Estado de S. Paulo no domingo (8/4). No artigo, a jornalista mostra a cobertura dos jornais ingleses na libertação dos marinheiros britânicos presos no Irã, mostrando o tratamento dado à única mulher do grupo: ‘Ela estava predestinada a concentrar todos os preconceitos contraditórios em relação às mulheres que trabalham, mulheres na guerra e religiões opressivas que são contra as mulheres.’

O pior de tudo, diz Polly Toynbee, é que os jornais usam mulheres para fazer esse trabalho. Ela cita como exemplo o texto do London Daily Mail (feito por uma mulher) que critica a marinheira britânica por deixar a filha em casa e ir para a guerra ‘em nome do que chamamos igualdade, mas que, na verdade, é uma crença equivocada de que os homens e mulheres são iguais’.

A conclusão do artigo – ‘a revolução feminina, até agora, só foi vencida pela metade’ – mostra que o feminismo não é coisa do século passado. Entre outras coisas, falta mudar a visão que a imprensa tem – ou pelo menos divulga – das mulheres.

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Jornalista