Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Roubam, mas faz

O forte ataque de Lula aos órgãos fiscalizadores de obras governamentais, componentes da proteção do próprio do Estado, é muito mais do que o aparente lamento por distorções burocráticas que prejudicariam ações necessárias. O Tribunal de Contas da União, o Ministério Público Federal e seus congêneres estaduais, o Ibama e outros foram acusados de ‘travar projetos’, ‘travar obras por seis, oito meses’ em prejuízo do país e, implicitamente, sempre pela irresponsabilidade já citada por Lula.


Estamos diante de uma versão atualizada do slogan pespegado por adversários em Adhemar de Barros, por muito tempo o político mais importante de São Paulo, quando baseou uma campanha na imagem de grande realizador: ‘rouba, mas faz’.


A rejeição às ações fiscalizadoras faz parte do mesmo canal de antiética, ou de imoralidade administrativa, que releva a corrupção reiterada por empreiteiras, continuadamente contratadas apesar de comprovados seus assaltos ao dinheiro público; como releva práticas de extorsão presentes, por exemplo, nos preços abusivos da telefonia brasileira, nos preços abusados de muitas tarifas bancárias, nos juros monstruosos, e tanto mais.


A maioria das obras cuja interrupção o Tribunal de Contas da União recomenda é de casos de sobrepreço já no orçamento, alterações na execução da obra e aditivos de custo injustificáveis, artimanhas para superfaturamento no custo final e fraudes para determinar por antecipação o vencedor de concorrência. Na expressão esquecida, bandalheira pura.


Banho de suor


Não seria mesmo o caso de interromper obras assim viciadas, para que sejam submetidas aos corretivos? Já é um benefício da imoralidade instituída que os ministros e prepostos corresponsáveis pouco sejam condenados. E, quando o sejam, jamais à prisão. São punições mais simbólicas do que de fato dolorosas.


A duração das interrupções tem uma causa comum: a lerda dificuldade dos setores governamentais e das empresas envolvidas para solucionar os questionamentos feitos pelo tribunal, pelo Ministério Pública, o Ibama ou outra atividade fiscalizatória. O que faz uma obra ser ‘travada’ é, portanto, a combinação de governo e empresas. E o que a ‘trava’ menos ou mais é o tempo levado pelo enlace governo/empresas para submeter explicações e correções a novo exame.


O que revolta Lula, nesse processo, não são as indicações de procedimentos imorais por setores do seu governo e por empresas que contrata, ainda que causem desvios multimilionários. Predomina o utilitarismo que orienta toda a conduta de Lula – a atitude, como o sindicalismo, ‘de resultado’ – e já tão conhecido em sua aplicação à política e ao mercado de cargos, criação dos últimos 15 anos. A obra não deve ser interrompida, seja qual for o motivo para fazê-lo, porque Lula quer inaugurá-la ou, no mínimo, dá-la como basicamente sua.


Ainda da fala de Lula em Belo Horizonte: ‘É muito fácil assumir a Presidência e não fazer nada porque ninguém nunca fez. Os outros presidentes são todos da mesma laia’. A ele não interessa se roubam, desde que possa vociferar, sob um banho de suor, exaltado e agitado como em um surto, que ele é único, ele faz.

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Jornalista