A organização Repórteres Sem Fronteiras, com sede em Paris, foi forçada a tirar de seu site uma declaração em que aconselhava que organizações de mídia internacionais não enviassem repórteres mulheres ao Cairo, após dois casos de agressão sexual contra jornalistas na última semana. “No momento, a mídia deveria parar de enviar jornalistas do sexo feminino para cobrir a situação no Egito. É lamentável termos de chegar a esse ponto, mas, dada a violência destas agressões, não há outra solução”, dizia a organização.
O conselho, entretanto, gerou uma onda de críticas dos próprios jornalistas. Em poucas horas, a RSF alterou seu texto, pedindo aos veículos de mídia que façam da segurança de seus correspondentes uma prioridade. Também ressaltou: “É mais perigoso para uma mulher do que para um homem fazer a cobertura das manifestações na Praça Tahrir. Esta é a realidade e a mídia deve enfrentá-la”.
A declaração foi publicada um dia após a jornalista Caroline Sinz, do canal de TV francês France 3, ter sido agredida sexualmente por uma multidão na Praça Tahrir, centro de protestos na capital egípcia. Ela foi separada de seu cinegrafista, que também foi agredido. “Fui agredida por um grupo de jovens que rasgaram minhas roupas”, contou, acrescentando que foi molestada de uma maneira que poderia ser considerada estupro. “Algumas pessoas tentaram me ajudar, mas não conseguiram. Demorou 45 minutos antes que eu conseguisse sair do meio da multidão. Achei que ia morrer”.
O ataque é bastante parecido ao sofrido também na Praça Tahrir pela jornalista sul-africana Lara Logan, da emissora americana CBS, no começo do ano. Lara descreveu, posteriormente, como uma multidão de 200 a 300 homens rasgou suas roupas, a agrediu e estuprou enquanto tirava fotos dela com telefones celulares. “Tudo o que pude sentir foram suas mãos me estuprando”, afirmou em entrevista meses após a agressão. Na semana passada, uma terceira jornalista, Mona Eltahawy, contou ter sido estuprada enquanto estava sob custódia policial. Ela ficou detida por 12 horas por forças de segurança egípcias e teve os pulsos quebrados.
Críticas
Mesmo diante dos riscos, Lindsey Hilsum, editora internacional do Canal 4 britânico, veterana em áreas de conflito, escreveu à RSF pedindo para que a organização retirasse o conselho para que correspondentes mulheres não fossem enviadas ao Egito. “Lutamos por décadas como jornalistas mulheres para que nossos editores nos tratassem de maneira igual. Não entendo como uma organização dedicada à liberdade de expressão pode recomendar uma discriminação destas”, afirmou. Para ela, agressão e estupro são problemas absolutamente terríveis e inegáveis, mas não devem determinar que uma mulher fique intimidada a trabalhar em condições difíceis. “Homens jornalistas foram agredidos e mortos em movimentos neste ano, mas não ouvi pedidos para que não fossem [a áreas de risco]”, comparou.
Segundo uma jornalista que trabalha no Cairo, os casos de assédio sexual aumentaram muito nos protestos da última semana em comparação às manifestações do início do ano, que tiraram do poder o presidente Hosni Mubarak. “Nunca vi este nível em todo o meu tempo no Egito”, revelou. “Mas somos tão capazes quanto os homens e temos uma perspectiva diferente que nos torna importantes no campo”.
Assédio sexual e estupro são ubíquos no Egito, diz Rebecca Chiao, que administra a Harassmap, organização com sede no Cairo que monitora este tipo de incidente. “Cada vez que você sai de casa, está sob ataque – verbal ou físico”, afirma. Em uma pesquisa de 2008, 83% das mulheres egípcias disseram que já haviam sido estupradas; 98% das estrangeiras disseram que foram intimidadas ou apalpadas no país. Informações de Harriet Sherwood [The Guardian, 25/11/11].